CAPÍTULO II - REVISÃO DE LITERATURA
2.6 SIGNIFICADO OU SENTIDO?
Como chegar o mais próximo possível do olhar, do sentir, das emoções, do
cotidiano, do vivenciar subjetivo e socialmente a questão de ser uma pessoa
soropositiva? Como compreender a relação do cotidiano na escola, na família, entre
os amigos, nas relações sociais? Como chegar perto do significado e do sentido do
que é ser um adolescente portador do HIV?
Afinal, há algum sentido ou significado especial em ser soropositivo? E
como chegar às respostas de tantos questionamentos?
Além da vida social, o ser humano se destaca e se diferencia dos outros
seres viventes pela linguagem, processo este que surgiu durante a história e a
evolução do homem. Mas a linguagem não se limita à palavra falada ou mesmo
escrita. O expressar-se pode acontecer através de mímicas e ações que acabam por
transmitir aquilo que se pretende de uma pessoa para outra.
Foi Vygotsky, segundo Nuemberg e Siqueira (1998), que aprofundou o
estudo da linguagem na constituição dos sujeitos, entendido aqui como um ser
humano histórico e social, pois é na mediação da linguagem que ocorre a
constituição da consciência, a partir das relações sociais.
Dessa forma, é no repasse de informação, que pode ser tanto verbal
quanto não verbal, que os signos entendidos como um instrumento oferecido pelo
meio social onde uma pessoa nasce e vive, proporcionarão a possibilidade de se
formar e de se constituir o significado.
Em outras palavras, o significado, que é oferecido como um conteúdo
histórico social pela sociedade e que está consolidado e pronto (mas não
estagnado), ajudará a formar no indivíduo a sua consciência, os seus sentidos ou a
sua subjetividade.; através também da linguagem, num segundo momento, exerce a
função de mediação simbólica.
E é neste ponto que Pino (1991) escreve que a linguagem abrange a
dimensão da significação, e o sujeito se apropria desta realidade e a transforma, ao
mesmo tempo que é transformado pela relação dialética, fazendo assim, sua historia
social e individual ao mesmo tempo.
Para Sawaia (1999), Vygosty aponta a palavra como sendo uma "nuvem
da qual jorram milhões de significados, os quais são convertidos em sentidos
pessoais, segundo as necessidades e emoções que motivaram o seu uso". Além
disso, é no sentido da palavra que se encontra a soma de todos os eventos
psicológicos e podem-se despertar em nossa consciência os "processos
psicológicos, as relações exteriores e o organismo biológico conectando-se através
dos significados", configurando assim motivos, que são "estados portadores de um
valor emocional estável, desencadeadores da ação e do pensamento", (p. 13)
Desta forma, não seria equivocada a afirmação de que significado e
sentido, no cotidiano, aparecem mediante uma linha tênue, quase inseparáveis ou
indistintas; bem como subjetividade e sentido encontram-se envolvidos um ao outro,
pois um se converte no outro.
É, portanto, neste território comum entre o locutor e o interlocutor que a
palavra, por exemplo, liga uma pessoa a outra, constituindo desta forma o elo do
que vem a ser a coletividade, ocorrendo a formação social da consciência e dos
processos de significação na constituição dos sujeitos, onde esses não se colocam
numa postura passiva, mas sim de transformar a linguagem na medida em que
apreendem ativamente. (Nuemberg e Siqueira, 1998)
Para complementar essa idéia, escreve Traverso-Yépez (1999) que, para
Vygotsky, embora haja uma diferença conceptual entre significado e sentido, é no
segundo, ou seja, no sentido, que os aspectos subjetivos do significado ocorrem, de
acordo com a intenção e o momento, onde a parte subjetiva de uma pessoa é o que
definiria, "o quê, com precisão" ela quer dizer e quais os motivos que a levam a
efetuar tal emissão.
Molon (1999) escreve que, em um sentido amplo, o mundo pode ser
considerado como o lugar onde ocorrerá a constituição da subjetividade, mundo
esse físico e biológico, mas também simbólico, imaginário e social; e é a partir daí
que acontecerá a singularização do sujeito, ou seja, na sua consciência, na
intenção, na afetividade, no pensamento, etc., sem perder, no entanto, seu caráter
histórico e social.
Sendo assim, segundo a autora, é no confronto entre o Eu-Outro das
relações sociais que o sujeito se constituirá, e nessa transformação, juntamente com
as transformações sociais, aparecerá o seu modo de ser e de viver. Subjetividade
significa, então, "uma permanente constituição do sujeito pelo reconhecimento do
outro e do eu" (p.45).
Em relação à subjetividade, González Rey (2002) afirma que a subjetividade
individual é determinada socialmente, mas não entende o sujeito como um ser passivo,
e sim num processo de constituição, que integra formas simultâneas de subjetividade
social e individual; ou seja, o indivíduo é um elemento constituinte da subjetividade
social ao mesmo tempo em que se constitui nela. Por este motivo, não se deve negar a
complexidade, a flexibilidade e a versatilidade da subjetividade, pois são elas que levam
o homem a modificar, muitas vezes bruscamente, o seu modo de vida, buscando uma
reconstituição da subjetividade tanto social quanto individual.
Sendo assim, podemos dizer, que, se é através do significado que
acontece a significação dos sentidos, é nos sentidos que a subjetividade completa o
seu ciclo de transformação do homem, nos quais retorna para (re)interpretar,
reescrever, e resignificar o significado.
A discussão sobre sujeito histórico social e subjetividade está sendo há
pouco tempo retomada, pois segundo Lane (2000), enquanto a psicologia tradicional
enfatizava a linguagem e o pensamento cognitivo, ficou a psicanálise e suas
correntes preocupadas com a emoção e a afetividade do sujeito. Hoje, com leitura
de autores como Vygotsky, Wallon, entre outros, contata-se que as duas mediações
fundamentais para que o indivíduo se constitua são a linguagem e a emoção.
Não é portanto errôneo repetir o que Neves (1997) afirma: que Sawaia, já
em 1987, apontava a necessidade de estudar o movimento da consciência, mas
sem esquecer as emoções, pois são justamente essas que impulsionam à reflexão
e à ação.
O homem, um ser histórico e social mediado por signos e significados, não
pode deixar de ser também compreendido em suas relações e vínculos, em seus
sentidos e subjetividade, em suas emoções e necessidades.
Por esta razão e a partir desses pressupostos teóricos, é que tentaremos
chegar próximos e quem sabe, abstrair e compreender um pouco a realidade
vivenciada dos adolescentes soropositivos, e quais os significados e os sentidos que
permeiam esse conviver cotidiano numa sociedade que estigmatiza, discrimina e que
tende a afastar do seu convívio o que acha estranho e o que considera "anormal"
dentro de seus padrões.
Citando mais uma vez Molon (1999, p. 143), "...são as relações sociais que
devem ser interrogadas para a compreensão do fenômeno psicológico, nas relações
sociais que ocorrem entre os sujeitos. Sujeito localizado numa corporeidade que é
biológica, semiótica, afetiva e histórico-social, portanto, ética".
Portanto, nos cabe, enquanto pesquisadores, buscarmos compreender e
tentar nos profundar, e assim chegar perto das relações sociais dos adolescentes
soropositivos, por exemplo, e apreender se há algum tipo de ação significativa o
suficiente, ao ponto desses jovens estarem conseguindo (re)significar,
(re)interpretar, ou ainda transformar, a realidade em que (con)vivem, enquanto
portadores do vírus HIV.
CAPÍTULO III
No documento
ADOLESCÊNCIA E SOROPOSITIVIDADE: SENTIDOS/SIGNIFICADOS DO (CON)VIVER ENQUANTO PORTADOR DO VÍRUS HIV
(páginas 87-92)