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CAPÍTULO 1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.5 Uma proposta de análise textualmente orientada

1.5.2 Significado representacional/discurso

O significado representacional está relacionado com o modo de representação do mundo. Para Fairclough (2003, p. 124), diferentes discursos indicam diferentes “olhares” ou visões sobre o mundo, que estão associados às relações que os sujeitos estabelecem entre si de acordo com suas posições sociais, econômicas, familiares e outras. Neste sentido, um mesmo episódio pode produzir vários discursos distintos que podem se confrontar ou ser compatíveis dependendo das relações de dominação existentes entre eles.

Semelhante ao que ocorre com os gêneros discursivos, os discursos também variam em diferentes níveis de abstração. Em determinados contextos sócio-históricos, alguns discursos podem ter um grau maior de aceitação em detrimento de outros e, em função disso, serem mais repetidos e incorporados nos textos, gerando representações diversas. Na contemporaneidade, por exemplo, o discurso capitalista neoliberal possui maior repercussão, pois representa o discurso da classe detentora do poder político e econômico global.

Em um mesmo texto podem estar envolvidos diferentes discursos com a função de cooperar ou competir entre si e, nesse caso, a refutação é um recurso utilizado como forma de afirmar o discurso “protagonista”, ou seja, o discurso que se destaca dos demais e é defendido no texto. A refutação pode ocorrer, por exemplo, quando, em um discurso publicitário, a alegação de não ter dinheiro para comprar produtos direcionados à estética são refutados com a alegação de que não será um ‘gasto’ mas um ‘investimento’ para a própria pessoa, ou seja, ela terá como retorno uma melhora em sua autoestima.

Para identificar e caracterizar discursos, Fairclough (2003, p. 129) aponta que podemos pensar no discurso como: a) representação de uma parte do mundo e b) representação do mundo desde uma perspectiva particular.

Segundo Resende e Ramalho (2006, p. 72), “a heterogeneidade de um texto em termos da articulação de diferentes discursos é chamada de interdiscursividade”. Segundo Fairclough (2003, p. 128), “a relação dialógica/polêmica é uma maneira pela qual os textos misturam diferentes discursos, mas seus ‘próprios’ discursos são frequentemente mesclados ou hibridizados. Uma análise interdiscursiva dos textos é particularmente preocupada com a identificação de quais discursos são desenhados e de como eles estão articulados”3. Para Fairclough (2003, p. 129), “discursos lexicalizam o mundo de maneiras particulares”. Os

3 Tradução nossa de: “This dialogical/polemical relationship is one way in which texts mix different discourses, but their ‘own’ discourses are also often mixed or hybrid. An interdiscursive analysis of texts is partly concerned with identifying which discourses are drawn upon, and how they are articulated together”.

28 discursos podem também ser diferenciados pelas metáforas em seu sentido usual de ‘metáfora lexical’, que, segundo Fairclough (2003, p. 131), são palavras que geralmente representam uma parte do mundo como sendo extendido a outro.

Fairclough afirma que, da perspectiva representacional, enunciados podem ser constituídos por três tipos de elementos: processos, participantes e circunstâncias4. No exemplo: Ana viu Joana na Universidade, há um processo (viu), dois participantes (Ana e Joana) e uma circunstância (na Universidade). Os processos são geralmente realizados pelos verbos, e os participantes, sujeitos e objetos (diretos e indiretos) e circunstâncias, advérbios.

Segundo Fairclough (2003, p. 136), eventos sociais trazem vários elementos e podemos enxergar os textos de um ponto de vista representacional, uma vez que alguns elementos são excluídos, outros incluídos e, dentre os incluídos, alguns terão maior destaque ou relevância em relação aos outros.

Com relação à representação dos atores sociais, torna-se relevante aprofundar nessa categoria porque, através das maneiras como os atores sociais estão representados nos textos, podemos perceber posicionamentos ideológicos relacionados a eles e às suas atividades. Alguns atores, por exemplo, podem ser enfatizados ou ocultados dependendo dos julgamentos de valores realizados em relação aos papeis sociais que ocupam ou das condições econômicas ou raciais.

Como apontado por Fairclough (2003, p. 145), assim como há escolhas nas representações dos processos, há também escolhas nas representações dos atores sociais. Normalmente, os atores sociais são participantes nas sentenças, mas nem todos os participantes são atores sociais, podendo ser objetos físicos, como em: O carro atropelou

Pedro e O carro bateu na árvore em que ‘Pedro’ e ‘árvore’ são objetos dos processos e

participantes, mas apenas ‘Pedro’ é considerado um ator social.

Fairclough (2003) resgata a teoria da representação dos atores sociais (RAS) desenvolvida por Theo van Leeuwen (1997, 2008) e descreve os modos como os atores sociais podem ser representados. Assim, Fairclough (2003, p. 145) propõe as seguintes variáveis para se analisar as representações dos atores sociais: a) inclusão/exclusão (que pode ser realizada através da supressão, ou pode ser resgatada por meio da inferência); b) por pronominalização ou nomeação; c) papel gramatical (é representado como um participante na frase ou como um nome ou pronome possessivo?); d) voz ativa ou passiva (o representante é um ator no processo ou ‘afetado’ ou beneficiário?); e) pessoal ou impessoal; f) nomeado ou

4 Tal nomenclatura adevém dos estudos sistêmicos funcionais tais como desenvolvidos por M.A.K. Halliday (2004).

29 classificado (é representado pelo nome ou por sua categoria ou papel social?); g) específico ou genérico (os atores sociais podem ser representados especificamente ou genericamente, por exemplo: ‘os médicos’ podem se referir a um grupo específico de médicos – aqueles que trabalham num hospital particular – ou à classe de médicos em geral – todos os médicos).

Quanto ao significado das palavras, Fairclough (2001, p. 105) afirma que “os sentidos das palavras entram em disputa dentro de lutas mais amplas”, em outras palavras, os sentidos das palavras são uma forma de hegemonia. A lexicalização de significados são construções coletivas, sociais e, sendo assim, são passíveis de resignificações conforme mudanças políticas, econômicas ou conflitos ideológicos.

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