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2. PROPOSTA DE FORMAÇÃO DE MATTHEW LIPMAN:

2.2 A N OVELA S UKI

2.2.1 A NÁLISE DO PRIMEIRO CAPÍTULO E SUAS RESPECTIVAS IDÉIAS ORIENTADORAS

2.2.1.2 O SIGNIFICADO / SENTIDO

Em Suki, os estudantes se queixam de que ir à escola não tem sentido. Esta queixa nos parece comum em nossas escolas. No caso da novela, o professor diz que os alunos devem fazer com que essa situação tenha sentido, ou seja, designa ao ator a responsabilidade pelo sentido de suas próprias ações.

A partir desta designação começa, então, um notável empenho por parte dos alunos em conceituar a palavra sentido, o que desemboca na discussão cujos referenciais podem ser resumidos como: o sentido/significado de algo é definido pelo uso deste algo (a aliança deixa de ser somente um anel e passa a significar um compromisso a partir do momento que é usada por um casal com o intuito de comprometer-se); o sentido/significado é uma espécie de relação (dois irmãos retornam – depois de muito tempo – para a cidade onde passaram a infância; para um trata-se de uma experiência muito boa, para o outro nem tanto; isto demonstra que este retorno pode ter significados diferentes dependendo da relação que se estabelece com o lugar).

Essa discussão só não é esgotada no primeiro capítulo como se estende por toda a novela até as últimas páginas; porém não há avanços na problematização. Talvez Lipman se baseie nessas duas perspectivas – funcionalidade e relação - para a compreensão da questão acerca do conceito sentido/significado e, por isso, não tenha ido além na proposição de situações problemáticas que pudessem suscitar outros pontos de vista em relação à conceituação dos termo sentido/significado.

A respeito disto, Kohan nos ajuda a refletir quando contrapõe o método socrático ao lipmaniano em relação às perguntas, ou melhor dizendo, à busca por respostas. Ele demonstra que, neste caso, Lipman dá maior valor ao sentido que à verdade. Isto significa que – nas palavras de Kohan – “como os sentidos são múltiplos, de um único diálogo podem sair diferentes posturas, igualmente legítimas, sobre o assunto em discussão” (2000, p. 27-28).

O conceito de sentido de alguma coisa ou de alguma palavra, na perspectiva lipmaniana é definido numa relação com um significante prévio e não com fatores, ou seja, o significado de uma palavra, por exemplo, depende da relação que esta palavra estabelece com o significado das palavras que a precedem numa frase. Esta afirmação é melhor explicada por Valverde da seguinte maneira:

Em todo ato de significação, portanto, em todo processo semiótico, antes que algo como uma "mensagem" possa circular entre interlocutores independentes, através de algum código explícito, ou que uma "aura" possa insinuar-se ou perder-se como signo etéreo de uma experiência estética singular, uma certa constelação de elementos dispostos estruturalmente estará sendo partilhada como horizonte do sentido. O que "faz sentido", então, não é aquilo que se põe em acordo ou desacordo com relação a uma regra, um código ou qualquer referência "objetiva" que lhe seja anterior e exterior, mas é o próprio movimento que reúne e dispersa o conjunto dos signos disponíveis; é o próprio gesto que perfaz esse movimento e restitui um "mundo" a partir de traços extraídos de algo já constituído como um quadro de referência que funciona, ao mesmo tempo, como modelo e matriz de significação. Assim, na fixação do significado de uma frase ou de um acontecimento, na construção de uma obra literária, na recepção estética ou na simples percepção dos objetos em torno de nós, é o mesmo círculo que se repete, convocando elementos de um mundo prévio para dispô-los segundo a configuração de um mundo possível nessa experiência de realização de realidade que permanecerá sempre irredutível ao paradigma da "relação" entre termos constituídos separadamente.35

Embora na novela não haja avanços na discussão sobre a definição do sentido/significado, Lipman demonstra sutilmente que o personagem Ari - ao considerar, no final da trama, que tal definição possa constituir uma relação – obteve um avanço em sua forma de pensamento. Esta postura é um tanto tendenciosa, é como se a narrativa e as propostas de atividade do manual conduzissem o aluno-leitor a uma falsa “opinião própria”, haja visto que esta posição já está dada.

A impressão é de que a personagem muda qualitativamente e não radicalmente sua conceituação de sentido/significado – entendendo mudança como similar a amadurecimento e não a oposição – dentro de uma trama que conduz o personagem e o leitor a essa mudança como única possibilidade, como um carro na lama patinando, com o motor super acelerado, mas com pouca chance de sair do lugar.

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Artigo de Monclar Eduardo Valverde intitulado Experiência e Significação disponível em http://www.facom.ufba.br/sentido/experi.html#* (último acesso 13/02/2008)

No decorrer da história, a discussão sobre o significado parece extrapolar a dimensão das palavras e passa o orbitar em torno de questionamentos sobre a possibilidade ou não de a própria vida e as coisas da natureza se constituírem como um significante, ou seja, capazes de atribuir significados a outras coisas.

Contudo, embora aparentemente a questão tente se expandir e tomar outros rumos, o problema do significado/sentido continua vinculado ao significado/sentido lingüístico, visto que a pretensão de Lipman com esta novela - a definição do conceito de sentido/significado como sendo relação entre coisas que não se constituem objeto direto de percepção e o enredo, direcionam o olhar e as discussões para as obras de arte literárias, nas quais abundam relações lingüísticas.

A partir desta concepção Lipman (2000b, p.30) orienta que:

Comprender os significados en una obra literaria es explorar las relaciones que se encuentran entre las palabras y entre las palabras y uno mismo. Por otro lado, para expresar significados uno debe encontrar conexiones o relaciones. E por eso que la creación de obras de arte, por ejemplo, poemas, tiene el poder de darle significado a la existencia.

O conceito sentido/significado é bastante recorrente em todos os capítulos da novela e, desta idéia orientadora se desdobram as próximas.

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