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O SIGNIFICADO TELEOLÓGICO E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR

3 HERMENÊUTICA E DIREITOS SOCIAIS NA ORDEM CONSTITUCIONAL

3.1 O SIGNIFICADO TELEOLÓGICO E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TRABALHADOR

Diante do já explanado, tem-se que o termo fonte do direito está relacionada ao processo de produção das normas jurídicas83. Assim, a observância da jurisprudência como

fonte do direito, especialmente no âmbito do Direito do Trabalho pode transparecer de

82 Segundo Barroso, ob. cit, os direitos subjetivos guardam como características essenciais, um dever jurídico por

parte de outrem, no caso, do Estado e do empregodor e que pode ser violado parcialmente, e quando o é, faz surgir a pretensão via ação judicial. Razão disso é que esses direitos sociais são tido por subjetivos, e, uma vez violados, faz com que o Judiciário, quer por via de ação individual, quer por via de ação coletiva, adote medidas coercitivas garantindo-os, em cumprimento à norma, demonstrando, assim, que a parcela de indisponibilidade do reconhecimento do vínculo empregatício se apresenta muito mais coerente com a sistemática desses direitos subjetivos, limitando, por assim dizer, a parcela de disponibilidade dos direitos que são características próprias do direito privado; daí porque há grande discussão a respeito da classificação jurídica do Direito do Trabalho, uma vez que pertence, dogmaticamente, ao ramo do Direito privado, porém, encontra seu limite na sua própria condição de norma de caráter absoluto quanto à liberdade restrita no que se refere à cláusulas contratuais e declarações unilaterais dos empregados.

Nesse contexto, podemos exemplificar qual seria, juridicamente, o sentido de um empregado ajuizar uma reclamação trabalhista perseguindo o reconhecimento do vínculo empregatício e o renuncia, firmando acordo judicial, no qual recebe parcela remuneratória compensatória em razão de uma dispensa, sem, contudo, ter seu vínculo reconhecido, cujas consequências sociais atingirão não só aquele empregado, mas todos, e isso com a chancela do Poder Judiciário, o que demonstra uma total dissonância com o papel de concretização da Constituição que recai sobre o Estado.

diferentes formas e importância quando se leva em consideração o tipo de ordenamento jurídico.

A tarefa de julgar, segundo Habermas84, “para que realize a função socialmente

integradora da ordem jurídica e a pretensão de legitimidade do Direito, deve

simultaneamente cumprir as condições de uma decisão consistente e de aceitabilidade

racional”.

Indiferentemente do ramo do Direito, a jurisprudência, como fonte, empregará a mesma posição científica, havendo, ao revés, diante do sistema normativo, balanceamento ou contraposição de sua prescindibilidade com fonte primeira a fundamentar a decisão do caso concreto.

Trazemos à discussão, portanto, que no caso da América Latina, onde prevalece o sistema romanístico (Civil Law), a aplicabilidade da jurisprudência, ainda que não perca importância na solução de questões judiciais, por si só não se reveste da prevalência, como ocorre no sistema anglo-germânico (Common Law). Sua importância sobressai em razão da sistemática jurídica adotada. O Positivismo jurídico se fará presente.

No sistema romanístico (Civil Law), as demais fontes do direito, incluindo a jurisprudência, se afiguram como fontes secundárias, em detrimento à atividade legislativa, como fonte primária da produção normativa, o que, diametralmente oposto, não ocorre no

Common Law, que se vale da práxis, do uso e dos costumes, para solucionar as questões,

destacando, portanto, o papel da jurisprudência como fonte do direito.

A hermenêutica jurídica enceta diversas discussões. Dessa forma, inevitável estabelecer um marco teórico para tanto, empregando este papel na interpretação formalista, quanto à norma, filosófica, quanto ao valor e sociológico, quanto à sua eficácia social.

84 HABERMAS, Jüngen. Between facts and norms, cap. 5, p. 198 apud OLIVEIRA, Marcelo Andrade de Cattoni

de. Jurisdição e hermenêutica constitucional no Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Melhoramentos, 2004, p. 51.

Esse marco teórico, portanto, deve ter em conta o sistema econômico, o ethos social, formação ideológica e estrutura do poder constituído, isto porque o Direito é produto da sociedade, captado como manifestação de um processo dialético, para emprestar soluções práticas.

No sistema do Civil Law, muito embora a jurisprudência se depare com a soberba da normatização, o positivismo exacerbado, aquela não perde sua importância.

Pelo contrário, no Brasil, especificamente, com a restauração da súmula vinculante, como acima já mencionado, percebe-se que o papel da jurisprudência se sobreleva de forma inquestionável, ao ser estabelecido no elemento normativo que, depois de reiteradas decisões sobre matéria constitucional, poderá ser sumulado aquele entendimento, o qual terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei85.

Decerto pode-se refutar o argumento, ao se mencionar que a vinculação estaria adstrita àqueles casos, ou seja, que envolvessem matéria constitucional, o que, a nosso ver, de certa forma não invalida o argumento86, uma vez que o conceito de norma não pode ser definido de

85 Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006, que regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal e altera a Lei

no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, estabelecendo o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, depois de reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento e que esse enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão, demonstrando a relevância da sistematização interpretativa.

86 REALE, ob.cit., pp.142-143, sustente que “Seria absurdo pretender saber qual dos dois sistemas é o mais

perfeito, visto como são não há Direito ideal senão em função da índole e da experiência histórica de cada povo. Se alardearmos as vantagens da certeza legal, podem os adeptos do common law invocar a maior fidelidade dos usos e costumes às aspirações imediatas do povo. Na realidade, são expressões culturais diversas que, nos últimos anos, têm sido objeto de influências recíprocas, pois enquanto as normas legais ganham cada vez mais importância no regime do common law, por sua vez, os precedentes judiciais desempenham papel sempre mais relevante no Direito de tradição romanística”.

forma a pressupor a validade e a existência dela, como aponta Alexy87, justamente pelo fato

de que esses âmbitos dizem respeito a questões de antinomia e quais são as consequências de uma norma, como deve ser interpretada e aplicada, e se, sendo ela inválida quando ela deveria ser válida, uma vez que o conceito semântico de norma é adequado exatamente para lidar com essas questões.

A noção significação de norma, segundo Hans J. Wolff88, é relacionada ao conteúdo

imperativo expresso por um enunciado jurídico, cujo contexto deve ser entendido não somente os outros enunciados em conexão com o mesmo, mas também seu uso, circunstâncias e regras especificamente consideradas89.

Diante disso, exsurge o papel preponderante do poder criativo do juiz, enquanto estudioso do direito, com a denominada heterointegração, o que lhe defere uma maior margem de interpretação da norma, e, portanto, do próprio ordenamento jurídico, acepção cunhada por Norberto Bobbio, ao incluir a doutrina entre os métodos90, destacando a doutrina como fonte do Direito.

Em resumo, podemos definir enunciado normativo como sendo a cadeia linguística do dispositivo legal, ou seja, o próprio texto; e norma, como o conjunto harmônico, sistemático, contido ou não em enunciado normativo, a qual dará solução ao caso concreto, através da interpretação sistemática do juiz; e essa sistematização pinça a doutrina, e, portanto, a jurisprudência, inegáveis fontes do Direito.

Diante dessas definições, surge a questão relativa ao posicionamento da jurisprudência nesse contexto normativo. De um lado, dependendo do sistema jurídico adotado (Common

Law ou Civil Law) tem-se que a jurisprudência emprestará papel mais dominante quanto à sua

87 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:

Malheiros, 2 ed., 2011, p.59-60.

88 Ob.cit. p. 53, apud Hans J. Wolff/Otto Bachof, Verwaltunggsrecht, I, 9a ed., Munchen: Beck, 1974, p.115. 89 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:

Malheiros, 2 ed., 2011.

90 FURTADO, Emmanuel Teófilo; MOREIRA, José Davi Cavalcante. Os Enunciados Publicados na 1ª Jornada

de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho – Inovações e Posicionamentos entre as Fontes do Direito e do Direito do Trabalho. Revista LTr., vol.74, nº 09, setembro de 2010, p.1073.

utilização, e muito embora se tenha na jurisprudência a qualidade de fonte do Direito, o que inegavelmente leva à conclusão de que a sobre-elevação dependerá, num determinado instante, ao julgador e não em decorrência do sistema jurídico, conforme acima mencionado.

Nesse contexto, pode-se, portanto, destacar-se, ainda, a técnica da ponderação. Isto porque, em determinados casos, ainda que confluentes os precedentes jurisprudenciais, a ponderação será guiada pelas informações balizadoras das anteriores. E, no caso específico da do Direito do Trabalho, tanto no processo legislativo quanto no da interpretação judicial e aplicação dessas normas de Direito do Trabalho, deve-se ampliar a universalidade do Direito do Trabalho, buscar a máxima efetividade dentro da proporcionalidade e harmonizar os interesses das categorias econômicas e profissionais91.

Carlos Aurélio Mota de Souza92 menciona que Platão93, em Dois Diálogos, ensina que

a estabilidade do conhecimento depende da estabilidade do seu objeto; há o conhecimento

estável, que é conhecer com certeza só as coisas estáveis; e o conhecimento provável, que é

conhecer coisas não estáveis ou cambiantes”, e por essa razão nunca poderão ser iguais, de forma que deve o julgador buscar, de todas as forma, diminuir os erros nesses julgamentos94.

Deve-se ter em mente que o sentido da repetição das decisões não envolve repetição literal, uma vez que apenas a conformação de seus fundamentos é que seguem um padrão

91 ZANGRANDO, Carlos. Princípios do Direito do Trabalho: individual, coletivo, processual. São Paulo: LTr,

2011. p.165: ”Em face disso, o intérprete, o legislador e o aplicador do Direito do Trabalho possuem, diante de

si, portanto, três desafios básico: primeiro, ampliar a universalidade do Direito do Trabalho, para incluir todas as formas de trabalho atípico, surgidas nas últimas décadas, concedendo-lhes regulamentação específica, de modo a diminuir qualquer sentimentos de inferioridade , ou nódoa de precarização, eliminando a ideia de que o Direito do Trabalho se aplicaria apenas a uma casta privilegiada de trabalhadores; segundo, buscar a máxima efetividade do Direito do Trabalho, dentro da proporcionalidade; terceiro, harmonizar os interesses das categorias econômicas e profissionais, reconhecendo que o interesse de ambos devem ser considerados e respeitados, de modo a se obter um crescimento sustentável, em paz, e com segurança jurídica, propiciando um meio real de se atingir o bem-estar social almejado.”

92 SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança Jurídica e Jurisprudência: Um enfoque filosófico-jurídico. São

Paulo: LTr, 1996, p.13-14.

93 SOUZA, ob.cit. Apud Timeu 29 b-c; Filebo 5 q b.

94 Conforme anota referido autor, (SOUZA, ob.cit, Apud. Experiencia jurídica, naturaleza de la cosa y lógica

“razonable” (1971), pp. 517, 533, 537), aplica-se a lógica do razoável de Recaséns Siches, de que a sentença

não é um silogismo absoluto, mas funda-se na razoabilidade. Compete aos Juízes e Tribunais minimizar a margem de erro, a probabilidade de errar; se é provável acertar, é provável errar; então, é dever procurar diminuir os erros e aumentar os acertos.

argumentativo95, não havendo, necessariamente, vinculação daquela decisão no que pertine à

ponderação em concreto.

Nesse diapasão, a concepção do que seja regra ou princípio na ciência do Direito se afigura bastante relevante, justamente porque nessa ponderação a ser efetivada pelo julgador - o que, fará integrante da base de validação da decisão judicial, que por sua vez emprestará a confluência para a caracterização dos precedentes jurisprudenciais -, enfrentará essas duas figuras jurídicas.

De uma maneira geral, as regras descreverão as condutas como eles devem ser, sendo questão de validade e não de eficácia, existindo apenas uma diferença qualitativa, não gradual96, diferentemente dos princípios, que descreverão quais os resultados a serem perseguidos pelas regras. O resultado ideal a ser alcançado, na medida do possível, como aponta Barcellos97. Essa noção, como se constata, tangencia a noção de normas e enunciados normativos, como acima descrito.

Nesse sentido, é que a jurisprudência, como princípio do Direito, fundamenta-se como tal, pois, ora ampara-se nas regras, ora nos princípios, observando, portanto, a norma e o enunciado normativo, para, ponderando-os, subsumir os fatos à solução jurídica através da

95 BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns Parâmetros Normativos para a Ponderação Constitucional, in

BARROSO, Roberto Luís (Org.). A Nova interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos fundamentais e

Relações privadas. Renovar: São Paulo, 2008, 3 ed., revista, p.65-66: “Uma vez que se proceda a uma

ponderação em concreto, a solução adotada naquele caso poderá aprimorar o modelo geral formulado pela ponderação em abstrato. Isto é, o modelo geral deverá incorporar os novos dados fáticos que se verificaram no caso concreto, assim como a solução a que se chegou em função deles, de tal modo que, caso eles se reproduzam novamente em situação análoga, não será necessário recorrer à ponderação em concreto: a ponderação em abstrato já será capaz de fornecer o modelo adequado”.

96 ALEXY, ob. cit., p.90.

97BARCELLOS, Ana Paula de. Ob. cit., pp.71, 90: “Uma forma bastante precisa de apresentar a questão é a

seguinte: as regras descrevem comportamentos, sem se ocupar diretamente dos fins que as condutas descritas procuram realizar. Os princípios, ao contrário, estabelecem estados ideais, objetivos a serem alcançados, sem explicitarem necessariamente as ações que devem ser praticadas para que este fim seja alcançado. (...) as regras só admitem duas espécies de situação: ou são válidas e incidem ou não incidem por inválidas. (...) Não se admitem gradações.”

jurisdição, promovendo a integração, isto porque, “o ato de julgar não se reduz a uma atitude passiva diante dos textos legais, mas implica notável margem de poder criador”98.

Nesse ínterim, vislumbra-se que a atividade judicante, ao se deparar com lacunas axiológicas, propicia a integração das normas, criando verdadeiramente novos enunciados99, tendo:

“[...] a jurisprudência de princípios papel incisivo quanto à observância da rationes leges, princípios valorativos e construtivos do sistema, assim como os princípios éticos e jurídicos, pois sob toda norma há, latente, um princípio de direito que, uma vez determinado, tem em si mesmo um impulso suficiente para exigir um nível igual ao da própria lei”100.

Assim, as noções exatas do que sejam normas, enunciados normativos, regras e princípios, determinam a configuração da jurisprudência como sendo fonte do Direito, pois a mesma, inegavelmente, integra, chegando, atualmente, inclusive, a ser classificada como jurisprudência de princípios101, ainda mais, quando – discorre Bonavides - “da posição de Alexy se infere uma suposta contiguidade da teoria dos princípios com a teoria dos valores. Aquela se acha subjacente a esta. Se as regras têm que ver com a validade, os princípios têm muito que ver com os valores.”102

Tal noção, portanto, faz convergir a jurisprudência às mesmas bases teleológicas das demais fontes.

98 REALE, ob.cit, pp. 168-170: “É inegável que, se o Judiciário considera de ordem pública uma norma legal

antes tida na conta de regra dispositiva, ou vice-versa, verifica-se uma alteração substancial na dimensão típica do preceito, o qual adquire ou perde força cogente. Se uma regra é, no fundo, sua interpretação, isto é, aquilo que se diz ser seu significado, não há como negar à Jurisprudência a categoria de fonte do Direito, visto como ao juiz é dado armar de obrigatoriedade aquilo que se declara ser ´de direito´ no caso concreto. (...) Essa função reveladora do Direito, exercida pela jurisprudência, mesmo quando existem leis aplicáveis ao caso sub judice, torna-se ainda mais evidente no caso de lacuna no sistema legislativo, e, ainda mais, quando o juiz é autorizado a decidir por equidade.”.

99 Ob, cit. p.169.

100 SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Segurança Jurídica e Jurisprudência: Um enfoque filosófico-jurídico. São

Paulo: LTr, 1996, p. 124.

101 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 26 ed., atualizada (em

apêndice a CF/1988, com as emendas Constitucionais até n. 67, de 22.12.2010. p.286.

3.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA EFICÁCIA HORIZONTAL NA