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PARTE 1 – ESTADO DA ARTE 17

2.   SIMETRIA E GEOMETRIA COMO DETERMINANTE MUSICAL 19

2.4.   Outros Modelos de Alicerce Simétrico e Geométrico 37

2.4.4   Simetria Sonora 53

Com um tema tão focalizado no princípio de simetria, não se poderia passar sem realçar o “primeiro sistema musical português” de Fernando Corrêa de Oliveira41

de nome Simetria Sonora. Compositor e pedagogo, nascido no Porto em 1921, em 1948 tomou conhecimento dum novo sistema de notação musical da autoria de Nikolai Obukhov, sistema que viria a adoptar como escrita musical das suas composições (Oliveira, 1990, p. 3). Este processo suprime os sustenidos, os bemóis e os bequadros, abandonando o conceito de "notas alteradas" para dar lugar a uma escala de doze notas em que cada uma tem um nome diferente (Dó, Ló, Ré, Té, Mi, Fá, Rá, Sol, Tu, Lá, Di, Si). Assim, as cinco notas musicais correspondentes às teclas pretas do piano são escritas com cruzes oblíquas, enquanto as restantes sete conservam a grafia tradicional (ver Sitsky, 1994).

41 Fernando Corrêa de Oliveira divulgou os princípios teóricos do seu em folhetos, artigos, e conferências realizadas no Porto, em Lisboa e em Darmstad, junto a figuras como Ernst Krenek e Edgard Varèse. A par do seu sistema de composição desenvolveu uma notória atividade pedagógica, implementando a prática o seu método de Iniciação Musical que se caracterizava pela abordagem da atonalidade logo desde o início. Inventou também um instrumento musical destinado a tornar possível a improvisação coral: o Polyphonium. Conta com quatro teclados sobrepostos dois a dois em planos diferentes de maneira a possibilitar a execução dos quatro teclados por uma só pessoa. Esses teclados comunicam electronicamente com quatro quadros em que figuram (na notação de Nicolai Obukhov) as notas da escala dodecafónica. Ao premir uma tecla aparece iluminada a nota correspondente. Doou os dois aparelhos à Câmara Municipal de Matosinhos.

Fernando Corrêa de Oliveira: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Corrêa_de_Oliveira (consultado em 2014-07-20).

Em 1969 publica um tratado, revisto e reeditado em 1990, que contém os fundamentos da "Simetria Sonora" e onde formula os princípios de um novo sistema de composição (Oliveira, 1990). Esta obra compreende cinco partes onde são abordados os seus princípios de simetria aplicados à harmonia, ao contraponto, ao ritmo, à variação temática e à fuga. A harmonia simétrica consiste em conceber o acorde a partir de um centro, definindo, em sentidos opostos, notas que fazem em relação a esse centro intervalos iguais.

A concepção de acorde simétrico surgiu em Novembro de 1948, como resultado da observação feita sobre o acorde de quinta aumentada. Este acorde oferece a particularidade de ter dois intervalos iguais e produziu- me a sensação de estar equilibrado na nota central e não, apoiado no «baixo» (Oliveira, 1990, p. 3).

Na perspectiva de Bryan Simms, os conjuntos de notas simétricos são de importância capital na música atonal no sentido restritivo de recursos. Simms aponta exatamente o acorde aumentado como exemplo absoluto de restrição intervalar.

Among the various categories of dissonant harmonies that characterize atonal music, symmetric sets are some of the most important. […] Symmetric sets present the composer with restrictive harmonic resources. Some intervals may be entirely lacking in them and others all the more strongly represented. The augmented triad – a widely used symmetric set – illustrates this point (Simms, 1996, p. 32).

Surgem alterações de nomenclatura tradicional, fruto de necessidades de sistematização. A ordem de intervalos é classificada com base na escala de tons inteiros, começando no intervalo de tom (1 tom), tercítono (2 tons), quártono (3 tons), quíntono (4 tons), sextono (5 tons), e finalmente a oitava tradicional de nome

sétono (6 tons). Os intervalos de segunda, terceira, quarta, quinta, sexta e sétima

referem-se respectivamente aos restantes intervalos de meio-tom, tom e ½, dois tons e ½, três tons e ½, quatro tons e ½, e cinco tons e ½ (Oliveira, 1990, p. 4).

A Figura 14 apresenta a primeira progressão harmónica triádica do sistema de Corrêa de Oliveira, com base na série de harmónicos ascendente e descendente, e na nota centro destas duas séries simétricas42.

Figura 14: Progressão harmónica – simetria sonora.

Depois de elaborar a progressão harmónica da Figura 14, Corrêa de Oliveira faz a seguinte observação:

A sucessão destes acordes não é mais do que o produto da audição simultânea da nota-centro e dois harmónicos simétricos. Será, talvez, interessante, apreciar o efeito do encadeamento destes acordes. É algo como que uma voz das coisas. Não, ainda, música; uma força em potência. Matéria, não ideia, mas em simpatia perfeita com o espírito e prestes a transitar do campo da física para o do pensamento. Uma fronteira entre o inorgânico e o vivo (Oliveira, 1990, p. 6).

42 O autor optou pela notação tradicional em vez da utilizada por Nikolai Obukhov e por Corrêa de Oliveira para evitar uma interessante mas não essencial explicação deste sistema de notação no âmbito do assunto em foco.

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Série de harmónicos ascendente

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Série de harmónicos descendente

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Progressão harmónica resultante

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Assistimos em paralelo a mudanças e transformações na terminologia. O seu tratado concentra-se na explicação de cada uma dessas transformações de conceitos, alguns novos, outros com alterações das suas definições e adaptados ao novo sistema.

A Parte I, dedicada à harmonia simétrica, apresenta termos como acorde

simétrico (conjunto de três ou mais notas equidistantes dum eixo central), acorde homogéneo (acorde com uma só espécie de intervalos), acorde heterogéneo (acorde

com mais de uma espécie de intervalos), expoente (nº de sons dum acorde homogéneo), supressões identificáveis (omissão duma nota dum acorde homogéneo), acordes defectivos (omissão duma nota não representativa dum acorde homogéneo), bipresença e tripresença (existência de notas de igual nome e altura diferentes necessárias à simetria do acorde), seriação (disposição das notas em acorde no estado homogéneo ou no estado simétrico), desinência (letra e algarismo indicativos da posição relativa das notas dos acordes), pseudo-membro (sucessão de notas formando um todo simétrico), sequência (grupo inseriável de notas sucessivas),

aglomerado (grupo inseriável de notas simultâneas), justaposição (dois membros

agrupados sem notas comuns inseparadas), fusão (entrecruzar membros com membros), desmembramento (separação de membros sobrepostos ou encadeados),

integrantes (intervalos constitutivos dum acorde), e marchas (reproduções

transportadas dum modelo). Vários outros termos são definidos, relacionando dois ou mais conceitos desta lista (Oliveira, 1990, pp. 3-44).

Aplicando o mesmo princípio à melodia, a Parte II, dedicada ao contraponto simétrico, apresenta conceitos como atracção auditiva (fenómeno de prolongação),

parentesco melódico (similitude do movimento melódico), contraponto condicionado (separação mínima entre notas comuns), número de ordem (posição da

nota dentro duma frase em contraponto condicionado), sub-tema (frase constituída por um ou mais membros ou pseudo-membros, provenientes dum tema), contratema (frase susceptível de acompanhar um tema), redita (repetição de fragmento melódico), reposto (repetição não transposta dum fragmento melódico na forma direta ou retrógrada), consecutivo (sucessão imediata entre vozes de notas de nome igual e registo diferente), e mais uma vez marchas de igual definição na parte I (Oliveira, 1990, pp. 45-69).

A Parte III é dedicada ao ritmo. A terminologia não sofre alterações significativas comparativamente ao modelo tradicional. Corrêa de Oliveira não

propõe uma mesma direção com base na simetria na perspectiva do ritmo (Oliveira, 1990, pp. 71-80).

A Parte IV focaliza-se na Variação Temática. A congruência aos princípios já descritos torna evidente uma necessária adaptação de terminologias, começando por exemplo e desde logo pelo conceito de sètonação (mudança duma nota ao intervalo de sétono) em vez da tradicional mudança de oitava. Outros se seguem relacionados com técnicas compositivas conhecidas da academia, com adaptação ao princípios basilares deste sistema (Oliveira, 1990, pp. 81-112).

A Parte V, dedicada à fuga, será a que menos sofre em transformação terminológica, com o mesmo tipo de adaptação direta e necessária aos princípios da

Simetria Sonora. São definidos termos facilmente comparáveis com a técnica de

contraponto e fuga como sejam os seguintes exemplos: Tema, Reapresentação,

Intervalo de Reapresentação, Contratema, Resposta, Exposição, Contra-exposição, Episódios e Modulações, Stretto, Falso Stretto, Pedal, e Coral (parte facultativa da

fuga que passa da textura contrapontística para a textura harmónica homofónica, característica do coral harmonizado) (Oliveira, 1990, pp. 113-124).

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