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Similaridades entre as funções dos Tribunais de Contas e do Ministério Público

As competências do Tribunal de Contas da União, expostas nos artigos 70 e 71 da Constituição e que também são aplicáveis aos demais Tribunais de Contas brasileiros, em

função da simetria prevista no artigo 75, dão conta de que o papel principal de uma Corte de Contas se volta sobre recursos públicos. Chega-se a essa conclusão a partir da menção feita aos aspectos contábeis, financeiros, orçamentários e patrimoniais. A contabilidade, por exemplo, é o campo do conhecimento que estuda o patrimônio do ponto de vista econômico e financeiro, bem como os princípios e as técnicas necessárias ao controle, à exposição e à análise dos elementos patrimoniais e de suas modificações (FERREIRA, 2016, p. 3).

Quando se repara a definição de contabilidade, automaticamente já existe a alusão ao patrimônio, este sim compreendido enquanto bens de valor econômico mensurável. Contudo, a atuação dos Tribunais de Contas, pela óptica do constituinte, não se faz apenas sobre um aspecto unicamente contábil.

O constituinte também fez questão de explicitar dentro das competências do controle externo o aspecto operacional. Este, segundo JACOBY FERNANDES (2016, p. 302-303), permite avaliar o desempenho da gestão pública não somente em relação a legalidade, legitimidade e probidade de seus atos, mas também da economicidade dos valores aplicados, comparando dispêndios efetivados e resultados colhidos. É uma apreciação da relação que se forma entre custo e benefício, portanto. Avalia-se o conjunto de operações para, ao final, gerar recomendações no sentido de indicar procedimentos a serem revistos para aperfeiçoar as atividades da entidade fiscalizada. Isso pode gerar, como consequência, uma melhoria de performance dos órgãos públicos.

A auditoria operacional, inserida no dever-poder de atuação dos Tribunais de Contas, é mais uma medida do constituinte que pode concretizar os princípios de eficiência e eficácia. JACOBY FERNANDES (2016, p. 303) destaca que racionalização e qualidade são as palavras de ordem contra o controle burocrático e a mera regularidade da escrituração contábil. Quer-se examinar a relação custo-benefício numa concepção ética e axiológica da função pública.

LIMA (2015, p. 63) complementa dizendo que a atuação operacional permite a avaliação sistemática de políticas, programas, projetos, atividades e sistemas governamentais de órgãos fiscalizados. Há uma aferição de efetividade da gestão pública, portanto.

Resta claro que a atuação dos Tribunais de Contas transcende o mero aspecto de regularidade contábil e formal. O legislador constituinte mencionou também no artigo 70 que a atuação daqueles se volta a apreciar, além da legalidade, a legitimidade e a economicidade. Cada um engloba valores e conceituações distintas, que merecem ser esclarecidas desde logo. Legalidade nada mais é do que a obrigação de o gestor público observar as prescrições legais para sua atuação. Já se sabe que a atuação da Administração Pública só pode se dar em virtude de previsão ou autorização legal, sendo isso essencial ao Estado Democrático de Direito.

Portanto, a atuação dos Tribunais de Contas nesse quesito se dá a partir desse prisma, comparando o que se fez do recurso público em relação às previsões positivadas aplicáveis.

Legitimidade, por outro lado, é um conceito diverso e que envolve uma carga valorativa maior que o preceito da legalidade. Segundo MILESKI (2017, p. 249), é o estar conforme a lei e ao Direito, fundamentando-se em aspectos de moralidade. Para que um ato seja considerado legítimo, deve-se identificar nele a presença de valores, princípios e finalidade públicas. Portanto, trata-se de ato que atenda ao interesse público.

Economicidade, por sua vez, é uma medida de gestão e eficiência. Significa dizer que se dará o melhor resultado pelo menor custo possível. Segundo o TCU (2010, p. 11), é a minimização dos custos dos recursos utilizados na consecução de uma atividade, sem comprometimento dos padrões de qualidade. Refere-se à capacidade de uma instituição gerir adequadamente os recursos financeiros colocados à sua disposição.

Percebe-se uma vez mais, por conseguinte, que a atuação dos Tribunais de Contas não leva apenas em consideração aspectos de mero cumprimento de formalidades. Essas instituições têm atribuições normativas que transcendem esse aspecto.

Diante disso, é possível identificar um ponto de contato entre as competências funcionais dos Tribunais de Contas e do Ministério Público. Foi possível identificar que ambos têm competência de fiscalizar a atuação do Poder Público na questão da probidade e da legitimidade das ações dos gestores públicos. Ambas podem e devem questionar ao gestor o porquê de se ter feito determinado dispêndio, cada qual podendo tomar decisões a respeito.

O Ministério Público, por exemplo, pode oficiar e requisitar informações dos administradores públicos sobre determinado ato. Pode também instaurar inquéritos civis a fim de formalizar uma melhor investigação em torno de determinado fato, que inclusive podem subsidiar a propositura de posteriores ações judiciais (ações civis públicas e de improbidade administrativa, por exemplo). No mesmo sentido é possível a celebração de termos de ajustamento de conduta, a fim de que se suprima eventual ilegalidade sem que seja necessária a provocação do Estado-juiz.

Os Tribunais de Contas, por sua vez, podem instaurar, de ofício ou por requisição do Legislativo e do próprio Ministério Público, auditorias e inspeções contábeis, financeiras, orçamentárias, operacionais e patrimoniais para exercerem sua atuação técnica sobre recursos públicos. Essa atuação pode e deve apreciar o valor da legitimidade daquele dispêndio. Caso sejam identificadas não conformidades, o Tribunal de Contas pode inclusive aplicar sanções, como se verá no próximo capítulo.

É fato que o escopo de atuação do Ministério Público é muito mais amplo, alcançando todo tipo de espécie de direito difuso, coletivo, individual homogêneo e individual indisponível que tenha relevância social. O patrimônio público em sua faceta financeira é um direito difuso, sem dúvida, de interesse de toda a coletividade. Basta constatar que os recursos orçamentários existem graças ao pagamento de tributos por todas as pessoas e, por isso, não têm um único proprietário. Pertencem à coletividade para que sejam despendidos em conformidade com as escolhas da sociedade, consubstanciadas nas leis orçamentárias. Já o escopo de atuação de controle dos Tribunais de Contas, embora mais restrito em relação ao Ministério Público por se restringir a disponibilidades financeiras do Poder Público, se faz de maneira mais aprofundada e mais técnica, pois levam-se em contas outros aspectos além do jurídico.

O Ministério Público, por ter membros oriundos exclusivamente de carreiras jurídicas (bacharéis em Direito), tende a atuar dentro desse campo. Via de regra, a instituição não dispõe de um corpo técnico especializado em apreciar os dispêndios orçamentários e financeiros do Poder Público. Os Tribunais de Contas, além de contar com servidores oriundos de diversas áreas do conhecimento (bacharéis em Direito, Contabilidade, Administração, Engenharia, Economia, Tecnologia da Informação e áreas da Saúde), são integrados por membros (ministros ou conselheiros) que, na essência, não necessitam ter formação jurídica. Basta verificar a redação do artigo 73, § 1º, inciso III, da Constituição, que requer dos ministros do TCU conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros ou de administração pública.

Sendo assim, ainda que sob ópticas distintas (Ministério Público enquanto função essencial à função jurisdicional, e os Tribunais de Contas enquanto organismos de apreciação da gestão pública), ambos têm na tutela do patrimônio público um objeto comum, este visto do ponto de vista material. É, portanto, salutar que haja contato e sinergia entre ambas as instituições, tendo em vista que é do interesse da coletividade como um todo ter um Estado que zele pela observância dos diversos princípios caros e relevantes à coletividade.

A esta altura, cabe relembrar que a Constituição Federal de 1988, indubitavelmente, robusteceu os mecanismos de controle do Estado. Tanto os Tribunais de Contas quanto o Ministério Público tiveram funções institucionais alargadas. Entretanto, em função de acontecimentos recentes na história brasileira, a função dos órgãos de controle tem sido questionada e virou objeto de reflexões da sociedade contemporânea, ao que se fará uma breve análise no tópico a seguir.