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CAPÍTULO II AS CARACTERÍSTICAS DA TEOLOGIA AFRICANA E DA

2. Características de Teologia Afro-americana

2.2. Desafios à Teologia Afro-americana

2.2.5. Sincretismo religioso afro-americano

Por sincretismo, em si, se compreende a fusão de elementos diferentes e até antagônicos, em um só elemento, continuando perceptíveis alguns sinais originais.303 Porém, por sincretismo religioso afro-americano se entende, aqui, a absorção de elementos religiosos cristãos católicos pelas pessoas africanas escravizadas, como estratégia de resistência, mas estendido até os dias atuais 304 Perante a união de elementos simbólicos de universos diferentes num mesmo sentimento religioso, a possível questão referente a esse sincretismo pode ser feita deste modo: a partir de quais relações ele se constituiu? Ou seja, que causas fizeram nascer esse sincretismo? Edir Soares analisa esse sincretismo na perspetiva histórica, por isso, liga algumas de suas causas à escravidão:

Insuficiência do clero: Para este autor, o catolicismo do império não tinha clero suficiente para atender pessoas escravizadas cada vez mais em número crescente. Esse catolicismo imposto a estas pessoas não chegou a convertê-las, mas foi somente uma influência periférica de prática e culto que deu origem, juntamente, com outros elementos religiosos, ao fenômeno do sincretismo religioso afro-americano. Por conseqüência, resultou uma evangelização deficiente dessas pessoas escravas.305

300 Idem. 301 Idem. 302 Idem.

303 Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Op. cit. p. 1589.

304 Cf. SOARES, Afonso M. L Interfaces da Revelação: Pressupostos para uma Teologia do sincretismo no Brasil. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 46-48. Ver também SOARES, Edir. Op. cit. p. 84.

Proibição e crueldade: Essas massas escravas cada vez mais crescentes tiveram, por exemplo, no Brasil, suas crenças e seus cultos proibidos. Nisto, elas procuravam, no meio de crueldade, disfarçar seus legítimos sentimentos religiosos, realizando uma aproximação e fusão de suas divindades com os santos católicos. Assim, elas davam impressão de ter aceito os dogmas católicos mas, na verdade, mantinham, num certo grau, a crença em suas antigas divindades.306 Foi o que Nina Rodrigues denominou de ilusão de catequese.307

Catequese superficial: Forçada a professar outra fé, as pessoas escravizadas recém- chegadas, segundo Afonso Maria Ligório Soares, eram batizadas desde que soubessem, de memória, as respostas corretas para perguntas como estas: “Queres lavar a tua alma? Queres ser filho de Deus? Lança o diabo para fora da tua alma”? Acredita-se que tudo isso aconteceu porque a Igreja tinha praticamente confiado a catequese aos escravocratas.308 Assim, o sincretismo resultante das causas acima é, hoje, a regra entre as populações afro- descendentes. Assim, no Brasil, elas, oficialmente, são católicas, mas detrás do culto dos santos e das cerimônias católicas, continuam ligadas à antiga fé recebida na religião de matrizes africanas. A título de exemplo, Edir Soares aponta Orixalá tornado Jesus Cristo, Senhor do Bonfim na Bahia; Xangô é o equivalente africano a São Jerônimo; Orixá Logum Edé adolescente foi identificado com santo Expedito.309

Para Afonso M. L. Soares, o sincretismo acima foi uma reinterpretação dos elementos católicos como autodefesa das pessoas escravizadas. Neste sentido, os símbolos e ritos católicos foram reinterpretados pelo dinamismo selecionador da visão de forças vitais do mundo africano. Quer dizer, as pessoas escravizadas foram lendo o panteão católico, transbordante de santos e virgens-marias, a partir da relação entre orixás intercessores e Olorum (Senhor Onipotente do firmamento), excluindo aquilo que este autor designa de ideologia católica, da época, do “sofre aqui para gozar no Céu”.310

Posto isto, fica explicado que este sincretismo é desafio à Teologia Afro-americana à medida que esta deve, profundamente, procurar os motivos essenciais que levam muitas pessoas afro-descendentes a pertencer à Igreja e, ao mesmo tempo, continuando apegadas

306 Idem, p. 84-85. 307 Idem.

308 Cf. SOARES, Afonso M. L. Op. cit. p. 95. Ver igualmente SOARES, Edir. Op. cit. p. 84. 309 Cf. SOARES, Afonso M. L. Op. cit. p. 95.

às religiões de matrizes africanas: É a dupla pertença. Contudo, esta pertença é aparente, em relação ao Cristianismo, do que de uma realidade ontológica, porque, por detrás da qual a religião africana, em toda a sua pureza, se pode manter sem precisar de modificação.311

O sincretismo é também desafio à Teologia Afro-americana, porque ele revela uma exigência profunda que deve ser satisfeita: uma verdadeira e efetiva inculturação. Isto porque, segundo Vicente Mulago, se as populações negras africanas aderem de bom grado às religiões importadas, não quer dizer que exista, em seu espírito e atitudes, uma ruptura entre a sua religião tradicional e a religião revelada. No seu comportamento correto, continua o autor em citação, a primeira persiste sempre como base e fundamento de toda a conversão ulterior.312 Assim, para este povo não existe contradição entre a sua fé em Deus Criador e o Deus Salvador revelado em e por Jesus Cristo. Portanto, é necessário um estudo não apaixonado da origem desta “dupla pertença”. Para isso, é indispensável caminhar com elas, escutar suas alegrias e angústias, suas tristezas e esperanças, visto não se poder conhecer uma pessoa mantendo-a de longe. Por isso, Edir Soares sugere alguns princípios para aquilo que ele designa de ação missionária junto à comunidade negra e suas aplicações concretas: Primeira, se deve valorizar os costumes de cada cultura onde se podem encontrar as preparações para o Evangelho. Segundo, reconhecer as Sementes do Verbo nas diversas culturas. Terceiro, haver atitude de respeito e assunção de tudo quanto não tem erros e superstições. Quarto, existência da abertura da liturgia para um autêntico pluralismo. Quinto, respeito à liberdade social e civil na religião.313 Em resumo, deve-se expor este sincretismo encarando as populações negras numa visão diferente daquela que se seguiu até hoje314 mas tendo-se, em conta, sobretudo, a historia própria deste povo.

Essa exposição sobre o sincretismo religioso afro-americano exige diálogo e, como é óbvio, o diálogo exige necessariamente dois ou mais interlocutores, no qual deve reinar humildade e respeito pelas diferenças. Foi justamente a partir desse desejo de dialogar com o outro que nasceu este estudo comparativo, que será matéria do próximo capítulo. Neste, vão ser discutidas as semelhanças existentes entre a Teologia Africana e a Teologia Afro- americana. No fim, discutir-se-ão suas diferenças.

311 Cf. AMARAL, S. F; HOUAISS, Antônio; GARSCHAGEN, Donaldson M. (et alii). Op. cit. p. 211. 312 Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 387.

313 Cf. SOARES, Edir. Op. cit. p. 238.

CAPÍTULO III

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