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V. A SINONÍMIA NOS DISCURSOS ESPECIALIZADOS

1. Sinonímia absoluta ou quase-sinonímia

De acordo com o que foi visto no segundo capítulo, quando se discutiu a possibilidade de existência da sinonímia absoluta, observou-se que alguns estudiosos da semântica defendem justamente a tese de que é nas terminologias que se pode observar com mais facilidade a sinonímia absoluta, uma vez que na língua comum ela é raríssima.

Entretanto, diante do que foi observado no capítulo anterior a respeito das conseqüências e implicações semânticas da escolha entre um dos sinônimos, mesmo entre aqueles cuja diferença formal é mínima (diferentes preposições, por exemplo), pode-se afirmar que a opção por um dos sinônimos traz consigo a ênfase, o destaque ou a seleção de alguma das características do conceito. Cabe neste momento citar as palavras de Bréal quando faz uma reflexão a respeito do processo de denominação:

De tudo o que precede podemos tirar uma conclusão: não há dúvida de que a linguagem designa as coisas de modo incompleto e inexato. Incompleto, porque não se esgotou tudo o que se pode dizer do sol quando se disse que ele é brilhante, ou do cavalo quando se disse que ele corre. Inexato, porque não se pode dizer do sol que ele brilha quando se escondeu, ou do cavalo que ele corre quando está em repouso ou quando está ferido ou morto.

Os substantivos são signos ligados às coisas: eles encerram exatamente a parte da verdade que um nome pode encerrar, parte necessariamente tão menor quanto mais tem de realidade o objeto. [...] A linguagem é obrigada a escolher. Entre todas as noções, a linguagem escolhe apenas uma: cria assim um nome que não tarda a se tornar um signo.72

Mais adiante o autor continua:

Para que esse nome se faça aceitar, é preciso, sem dúvida, que na origem haja alguma coisa de surpreendente e de justo; é preciso que, de algum modo, satisfaça o espírito daqueles a quem é então proposto.73

72 Bréal, M. Ensaio de Semântica. Trad. de A. Ferras et al. São Paulo: EdUC, 1992, p. 123. 73 Idem.

Apesar de não estar fazendo menção ao fenômeno da sinonímia, as palavras de Bréal parecem justificar a existência da sinonímia e lembrar o fato de que, ao se escolher uma denominação, sobretudo nas terminologias, tenta-se aproximá-la ao máximo do conceito que ela designa, para que seja transparente para o interlocutor. Entretanto, como lembra Bréal, a denominação nunca é completa e exata, e, por esse motivo outras podem surgir tentando dar conta de expressar mais adequadamente o conceito ou mesmo enfatizar outra característica importante dele.

Esse fato traz conseqüências importantes para as terminologias e, nesse sentido, há terminólogos que perceberam o fato e enfatizam que, em áreas do conhecimento em que o desenvolvimento de novas tecnologias é bastante freqüente, se costuma encontrar uma grande ocorrência da sinonímia. Observe-se o que relatam Arntz e Picht:

[...] No geral, há um grande número de sinônimos nos vocabulários daquelas áreas em que se produzem importantes progressos. Dado que no princípio se carece de coordenação, em lugares distintos criam-se diferentes termos para designar objetos e fenômenos novos; esses termos podem competir durante bastante tempo até que finalmente – ao menos no caso ideal – se chega a uma unificação em seu uso. Por isso é necessário esclarecer em cada um dos casos se as diferentes denominações realmente representam o mesmo conceito ou se, ao contrário, se trata de diferentes conteúdos conceituais, e a priori tudo induz a pensar que seja assim. Isso nem sempre é fácil de comprovar, posto que, precisamente naqueles casos em que se carece de uma terminologia estável, apenas existem definições fiáveis de cada termo. Por outro lado, as áreas que manifestam uma grande dinâmica, tanto do ponto de vista da área especializada como da linguagem especializada, como é por exemplo da tecnologia das comunicações, a maioria das vezes são de especial interesse para o terminólogo e para o tradutor, porque precisamente aqui tem lugar um intenso intercâmbio de idéias, tanto em nível nacional como internacional.74

Tendo tudo isso em vista, parece mais apropriado afirmar, como Baldinger, que a sinonímia absoluta pode existir, mas somente no plano onomasiológico, ou seja, no plano

74 Op. cit., p. 160. Tradução proposta para: [...]Por lo general, hay un gran número de sinónimos en los

vocabularios de aquellas áreas de especialización en las que se producen importantes progresos. Dado que al principio se carece de coordinación, en distintos lugares se crean diferentes términos para designar objetos y fenómenos nuevos; estos términos suelen competir durante bastante tiempo hasta que finalmente - al menos en el caso ideal - se llega a una unificación en su uso. Por eso es necesario aclarar en cada uno de los casos si las dife- rentes denominaciones realmente representan al mismo concepto o si, por lo contrario, se trata de diferentes contenidos conceptuales, y a priori todo induce a pensar que sea así. Esto no siempre resulta fácil de comprobar puesto que, precisamente en aquellos casos en los que se carece de una terminología estable, apenas existen definiciones fiables de cada término. Por otra parte. las áreas en las que se pone de manifiesto una gran dinámica, tanto desde el punto de vista del área especializada como del lenguaje especializado, como es por ejemplo el caso de la tecnología de las comunicaciones, la mayoría de las veces son de especial interés para el terminólogo y para el traductor, porque precisamente aquí tiene lugar un intenso intercambio de ideas, tanto a nivel nacional como internacional.

conceitual. Nesse plano, encontram-se conceitos que recebem várias denominações e cada uma delas efetivamente denomina determinado conceito e aí se encontraria a sinonímia absoluta, observada na maioria dos termos sinônimos analisados neste trabalho; há também, entretanto, dentre os termos analisados casos de quase-sinonímia já no plano onomasiológico. Esse fato pode ser observado, por exemplo, entre os termos concorrência

monopolística e concorrência imperfeita, já citados neste trabalho. Apesar de, em alguns contextos os termos serem usados como sinônimos, há entre eles uma diferença conceitual e, na árvore conceitual, ocupam lugares distintos, pois concorrência imperfeita é um hiperônimo de concorrência monopolística, que apresenta uma série de co-hipônimos subordinados ao seu hiperônimo: monopólio, oligopólio, monopsônio etc.

Em relação ao plano semasiológico, analisando-se os dados, chega-se à mesma conclusão que Baldinger, ou seja, não há nesse plano sinonímia absoluta, pois, quando se procede a uma atualização do termo no discurso, faz-se uma opção consciente por uma das formas e, geralmente, há motivos para essa escolha. Kocourek, refletindo a respeito da sinonímia e observando sua própria prática, descreve bem essa situação:

Mesmo os termos sinônimos, tendo a mesma definição mas diferenciados por uma motivação distinta, podem ser considerados como não intercambiáveis: nós, por exemplo, não trocaríamos o termo língua de especialidade por seu sinônimo tecnoleto (Mario Wandruszka ’72:103), nem por praxoleto (Ladmiral ’79:61), que em nossa visão não possuem as conotações desejadas [...]75

Verificando-se também o pensamento de terminólogos contemporâneos, encontra-se uma concordância com esse posicionamento. Assim, encontra-se, por exemplo, em Cabré (1999), o seguinte princípio para uma Teoria Comunicativa da Terminologia:

d) Os termos são unidades de forma e conteúdo nas quais o conteúdo é simultâneo à forma. Um conteúdo pode ser expresso com maior ou menor rigor por outras denominações do sistema lingüístico – e constitui uma nova unidade lingüística de conteúdo especializado – ou de outros sistemas simbólicos – e forma uma unidade não

75 Op. cit., pp. 191-2. Tradução proposta para: Même les termes synonymes, ayant Ia même définition mais

distingués par une motivation différente, peuvent être considérés comme non interchangeables: nous. par exemple, ne remplacerions pas le terme langue de spécialité par son synonyme technolecte (Mário Wandruszka '72:103), ni par praxolecte (Ladmiral '79:61), qui à notre avis ne possèdent par les connotations désirées. […]

lingüística de conteúdo especializado. O conteúdo de um termo nunca é absoluto, mas relativo, segundo cada âmbito e situação de uso.76

Por meio das afirmações aqui relatadas, percebe-se que, muito embora possa haver para um conceito uma série de denominações, e estas possam ocupar o mesmo lugar em determinado contexto, uma vez que neste trabalho se analisou obras com um mesmo nível de especialização, num mesmo momento histórico e que não expressam diferenças regionais, há sempre uma escolha feita pelo autor do texto, o que impediria o uso de qualquer outro sinônimo. Isso fica evidente, nos textos, quando o autor enumera uma série de possibilidades de denominação, porém opta no seu texto por uma delas, como se pode notar no contexto a seguir:

Que significa <Isoquanta>? Isoquanta significa “igual quantidade” e pode ser definida como sendo uma linha na qual todos os pontos representam combinações dos fatores que indicam a mesma quantidade produzida. Vê-se assim pela definição que <Isoquanta> é, na verdade, uma curva ou linha de indiferença de produção. Por essa razão a <Isoquanta> é também denominada <Linha de Igual Produção>, <Linha de Isoproduto> ou ainda, como já foi mencionado, <Curva de Indiferença de Produção>. (Pinho e Vasconcelos, 1998, p. 151)

Por meio desse contexto, observa-se claramente que há uma opção do autor que, tendo conhecimento dos sinônimos para o conceito e citando-os, não faz uso indistintamente de todos eles, mas faz uma escolha que é usada para o oferecimento da definição e para as futuras reflexões sobre o conceito. Assim, reforça-se a tese de que no plano semasiológico a sinonímia é apenas parcial.

É importante também lembrar neste momento de que, durante muito tempo, se considerou que o trabalho terminológico era apenas onomasiológico, ou seja, que os conceitos tinham a primazia nesse tipo de trabalho. Desse modo, poder-se-ia pensar que as terminologias seriam exatamente o lugar da sinonímia absoluta. Hoje, contudo, os terminólogos, como bem afirma Cabré no fragmento de texto anteriormente citado, têm a

76 Op. cit., p. 132. Tradução proposta para: d) Los términos son unidades de f o r m a y contenido en las

que el contenido es simultáneo a la forma. Un contenido puede ser expresado con mayor o menor rigor por otras denominaciones del sistema lingüístico — y constituye una nueva unidad linguistica de contenido especializado relacionada semánticamente con la primera— o de otros sistemas simbólicos — y conforma una unidad no lingüística de contenido especializado. El contenido de un té rm in o n u n c a es absoluto, sino relativo, según cada ámbito y situación de uso.

consciência de que “os termos são unidades de forma e conteúdo nas quais o conteúdo é simultâneo à forma”.