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Capítulo 2. Quais os problemas com as teorias apresentadas no capítulo 1?

2.1. Quais são as inferências relacionadas aos predicados de gosto?

2.1.3. Sintaxe e implicações de experiência em primeira pessoa

Como vimos na seção anterior, em inglês, encontramos na literatura que o verbo ‘to be’ combinado com o PGP é o suficiente para concluirmos que o falante teve a experiência requerida pelo PGP. Já em PB, apenas a combinação ‘estar’ + PGP (e não ‘ser’ + PGP) é uma estrutura que levanta a inferência de que o falante teve experiência direta com o predicado de gosto utilizado e o indivíduo caracterizado por ele.

Outra estrutura que os autores evidenciam para o inglês como estruturas que levantam inferências relacionadas à experiência do falante com o PGP utilizado é o encaixamento dos PGPs em verbos de atitude diferentes. Segundo Stephenson (2007), quando encaixamos uma sentença com PGP no verbo ‘find’, não há como ter uma leitura exocêntrica da sentença, como podemos ver no contraste entre as sentenças em (8) abaixo (Stephenson, 2007, p. 60):

(8a) Sam thinks the cat food is tasty. (8b) Sam finds the cat food tasty.

Para a autora, só é possível interpretar o gato de Sam como o juiz da sentença (8a). Em (8b), por outro lado, a única interpretação possível é que Sam comeu a ração do gato e achou gostoso. Além disso, Stephenson (2007) também afirma que a sentença com PGP encaixada sob ‘find’ deve ser proferida com base em experiência direta do juiz. Ou seja, em (8b) a sentença seria proferida com felicidade apenas num contexto em que Sam tenha comido (i.e., tido a experiência direta com) a ração de gato.

Stephenson (2007) atribui esse fenômeno à semântica lexical do verbo ‘find’, que ela define como em (9) (Stephenson, 2007, p. 61):

(9) [[find]]w,t,j = [ λp

<s,<i,et>> . λze . <w’,t’,y> Dox∀ ∈ w,t,z : p(w’)(t’)(y) = 1,

e isso é causado por z ter experiência relativa a p em w ]

A fórmula em (9) para ‘find’ é muito similar à formula de ‘think’, que apresentamos no capítulo anterior, com a única diferença de que esse verbo é usado apenas quando o indivíduo teve experiência direta. Podemos parafrasear (9) da seguinte forma: quando um indivíduo z profere “I find p”, ele quer dizer que para todas as triplas mundo-tempo-indivíduo <w’,t’,j> que pertencem às suas alternativas doxásticas Doxw,t,z (ou seja, que pertencem ao conjunto de coisas que ele acredita),

e ele acredita nisso devido a experiência direta, é o caso que p aplicado a y em w’ e t’ é verdadeiro. Em PB, não parece haver um verbo que funcione como ‘find’, isso é, que, numa estrutura verbo + sentença encaixada com PGP, faça com que seja obrigatório que o sujeito que julga a sentença o faça a partir de experiência direta. De fato, para manter o sentido de que em (8a) o falante não necessariamente comeu a ração do gato e de que em (8b) o falante necessariamente a comeu, as traduções das sentenças em (8) para o PB, segundo a nossa proposta, utilizariam o mesmo verbo de atitude:

(10a) Sam acha que a ração da gata é gostosa. (10b) Sam acha a ração da gata gostosa.

Em (10), embora o verbo de atitude nas traduções de (8) seja o mesmo (‘achar’), as sentenças têm leituras possíveis diferentes, como explicitamos com as continuações em (11):

(11a) Sam acha que a ração da gata é gostosa, mas ele não comeu. (11b) Sam acha a ração da gata gostosa, #mas ele não comeu.

A continuação que evidencia que Sam não comeu a ração da gata (i.e., não teve a experiência necessária para proferir o predicado) é possível apenas em (11a), e não em (11b).

Assim, vemos que, em PB, não pode ser o verbo de atitude que encaixa os predicados de gosto que carrega a inferência de experiência direta do indivíduo que julga o predicado. Em lugar disso, propomos que é a diferença sintática entre (10a) e (10b) (representada em (12)) que faz com que as sentenças tenham interpretações diferentes.

(12a) [IP Sam acha [CP que [IP a ração da gata é gostosa ] ] ].

(12b) [IP Sam acha [SC [DP a ração da gata ] [AP gostosa ] ].

Pelo exemplo em (12a), então, vemos que a estrutura [achar + CP] não traz necessariamente a inferência de que o falante teve experiência com o objeto caracterizado pelo PGP. Por outro lado, na sentença em (12b), cuja estrutura é [achar + small clause], é obrigatório que Sam tenha experimentado a ração da gata diretamente para que a sentença seja proferida com felicidade.

Essa relação entre tais estruturas e suas diferentes leituras se assemelha muito a uma proposta de Higginbotham (1983) que fala sobre os verbos de percepção e as diferentes interpretações que surgem quando eles tomam uma small clause ou um CP como argumento. O autor analisa o verbo do inglês ‘to see’, observando que, dependendo do tipo de complemento que ele toma, uma interpretação diferente da sentença é gerada.

Embora sua teoria seja pensada para o inglês, o mesmo tipo de fenômeno pode ser observado em PB. Consideremos, então, as sentenças em (13):

(13a) Eu vi que a Biba chegou. (13b) Eu vi a Biba chegar.

Em ambos os casos o falante sabe que Biba chegou. No entanto, a fonte desse conhecimento difere um pouco de uma sentença para a outra. Em (13a), por exemplo, o falante pode saber que Biba chegou por uma evidência direta (i.e., ele presenciou a chegada de Biba) ou por uma evidência indireta (por exemplo, ele viu sua mochila na sala). Essas leituras são melhores evidenciadas com as continuações em (14):

(14a) Eu vi que a Biba chegou, porque a mochila dela está na sala. (14b) Eu vi que a Biba chegou, porque eu estava na sala e vi ela chegar. (14b) Eu vi a Biba chegar, #porque a mochila dela está na sala.

No entanto, não é possível completar a sentença em (13b) explicitando que você sabe da chegada de Biba por uma evidência indireta, como podemos ver em (15):

(15) Eu vi a Biba chegar, #porque a mochila dela está na sala.

Assim,a única interpretação possível para (13b) seria a de que o falante presenciou e observou o momento da chegada de Biba.

As estruturas sintáticas das sentenças em (13) são as mesmas das sentenças em (12):

(16a) [IP Eu vi [CP que [IP a Biba chegou ] ] ]

(16b) [IP Eu vi [SC [DP a Biba ] [VP chegar ] ]

Assim, parece que as estruturas sintáticas apresentadas — [verbo + CP] e [verbo + small

clause] — são as estruturas responsáveis por carregar as inferências8 de experiência em primeira

pessoa, tanto no caso dos verbos de percepção (Higginbotham, 1983) quanto no caso dos predicados de gosto pessoal.

Vale a pena notar que, embora Stephenson (2007) e Pearson (2013) atribuam à semântica de ‘find’ a necessidade de uma leitura na qual o falante (ou indivíduo que julga a sentença) teve experiência direta com o PGP proferido, o contraste entre as sentenças em (8) também se dá no

8 Essa inferência de experiência direta, como podemos ver pelo exemplo (15), não pode ser cancelada e, portanto, não se trata de uma implicatura griceana. Há, no entanto, uma implicatura que pode servir para explicar o contraste entre (16a) e (16b). A sentença em (16a) é menos informativa que a sentença em (16b), porque ela funciona para duas situações distintas: ela é verdadeira tanto em uma situação em que há experiência direta quanto em uma situação em que há evidência indireta. A sentença (16b), por outro lado, é verdadeira apenas em uma situação em que há experiência direta do ocorrido. Assim, se o falante fala (16a), supõe-se que, se ele está sendo cooperativo, (16b) não é o caso, já que ela é mais informativa. Ou seja, ao ouvir (16a), o ouvinte pode supor não há evidência direta e assumir que o falante profere a sentença porque teve experiência indireta do reportado.

nível da sintaxe, mesmo para o inglês, como mostramos em (17):

(17a) [IP Sam thinks [CP [IP the cat food is tasty] ] ].

(17b) [IP Sam finds [SC [DP the cat food ] [AP tasty ] ].

Esse seria outro dado que apontaria para considerar que é a sintaxe da sentença que levanta a obrigatoriedade da experiência do falante com o PGP, e não a semântica lexical do verbo de atitude.

A questão que se põe agora é saber por que as diferentes estruturas sintáticas geram essas diferentes interpretações. De acordo com Higginbotham (1983), a diferença entre (16a) e (16b) seria a de que a primeira expressa que o falante percebeu um evento, enquanto a segunda expressa que ele percebeu um fato. Assim, a diferença entre as estruturas [verbo + small clause] e [verbo + CP] seria que, quando o verbo de percepção toma um CP como complemento, ele expressa a percepção de um fato (no caso do exemplo, o fato de que Biba chegou), e quando ele toma como complemento uma small clause, a percepção expressada é a de um evento (no caso, o evento de Biba chegar). Uma diferença, portanto, ontológica porque também se relaciona com a natureza ou tipo dos indivíduos envolvidos: fatos versus eventos.

À primeira vista, tal explicação dada pelo autor não pode ser estendida para dar conta das estruturas com os predicados de gosto pessoal. Não parece ser o caso que haja uma diferença ontológica (eventos ou fatos) entre os complementos de ‘achar’ em (12a) e (12b), como ocorre com os complementos de ‘ver’ em (16a) e (16b). No entanto, consideremos as seguintes versões das sentenças (12a) e (12b):

(18a) Sam achou que a ração da gata era gostosa. (18b) Sam achou a ração da gata gostosa.

Nessas sentenças, com o verbo ‘achar’ no pretérito perfeito, o contraste proposto por Higginbotham parece fazer mais sentido do que nas sentenças em (12). De fato, com a estrutura sintática [achar + small clause], (18b) parece tratar do evento no qual Sam comeu a ração da gata e a julgou gostosa, enquanto (18a) expressa a atitude de Sam em relação a um fato (a ração da gata ter a característica de ser gostosa).

Os exemplos em (18) mostram que não é impossível utilizar a proposta de Higginbotham (1983) para o estudo das estruturas sintáticas que levantam determinadas inferências dos PGPs, ainda que ela pareça estranha para tratar sentenças nas quais o ‘achar’ se encontra no presente. No entanto, por questões de tempo, deixamos em aberto a questão da possibilidade de se estender a

teoria de Higginbotham (1983) para os PGPs ou se (apesar da estruturas de (12) e aquelas apresentadas por Higginbotham (1983) sejam as mesmas) é necessária outra saída para explicar qual é a diferença real entre (12a) e (12b) que faz com que suas interpretações sejam distintas9.