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SINTOMAS: ANGÚSTIA DE UMA NOVA REALIDADE

CAPÍTULO 2 – PROCESSO CRIATIVO DO OUTRO

2.2 SINTOMAS: ANGÚSTIA DE UMA NOVA REALIDADE

“Para a gente se encontrar,

a gente precisa recuperar os sonhos fundamentais, Segundo eu.” (“Segundo Eu”, 2009) 84

As características do pacientes diagnosticados com esquizofrenia serão colocadas aqui, a partir da sintomatologia, por achar importante que seja especificado e diferenciado de outros tipos de sofrimento. Mas é preciso deixar claro que nenhum diagnóstico psicopatológico e nenhum limite de normalidade me interessa ao estar com eles, ou ao analisar as obras deles. É apenas necessário ressaltar alguns sintomas, visto pelo olhar psicanalítico, para entender os traços em suas produções. Não quero categorizá-los, nem enquadrá-los, mas sim perceber seus “modos de existência”85.

Bergeret descreve o caráter esquizofrênico enfatizando as alterações que ocorrem nos estados afetivos que fazem com que o indivíduo se retraia e tenha um comportamento frio e brusco, dificultando sua comunicação, fazendo com que sinta uma solidão sentimental imensa, além de muitas outras alterações. A dificuldade de simbolizar e elaborar, tendendo a fazer interpretações concretas; a indiferenciação corporal e a baixa diferenciação entre eu/tu são, também, características comuns ao psicótico, explicitadas por diversos autores.

A tendência ao devaneio e ao comportamento bizarro é atribuída à alteração do juízo da realidade, que implicará na falta de lucidez e na perda do contato com a realidade. Isto poderá gerar elevada angústia em razão da grande vulnerabilidade que será percebida na edificação ilógica do pensamento e do discurso desorganizado, como resultado de construções delirantes. As vozes que são escutadas, as imagens que são vistas, os empurrões, beliscões e puxões que são

84 É preciso lembrar que elegi como critério para esta dissertação, dar nomes lúdicos a meus pacientes,

em vez de apenas trocar os nomes, em função do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que os mesmos assinaram, exigido pelo comitê de Ética em Pesquisa SES/DF, que lhes assegura o sigilo.

85 MESQUITA, Cristiane. Políticas do vestir: recortes em viés. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação

em Psicologia Clínica – Núcleo de Estudos da Subjetividade. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), São Paulo, 2008, p. 29.

sentidos de forma tão dominante, fazem com que esses indivíduos já não possam mais distinguir se seus pensamentos e ações são próprios ou se vêm de outros.

Outra característica muito presente, e de tamanha importância para esta pesquisa, é a estranheza corporal, na qual o sujeito parece estar alheio a seu próprio corpo, sentindo não estar dentro dele, relacionando-se com ele como se fosse um outro, um objeto estranho. A psicanalista carioca, Rosa Alba Sarno Oliveira, que desenvolve um trabalho com pacientes psiquiátricos, acredita que neste tipo de relação, “o corpo é passível de ser perdido e extraviado, podendo desprender-se como um casca”86. Ele se percebe incompleto, evidenciando o esfacelamento e o despedaçamento do corpo, faltando-lhe um pedaço e expondo sua falta de unidade, na qual à fantasia da falta deste corpo, é por extensão, a “falta de um pedaço do Ego”, no qual possivelmente, este “outro pedaço” está fundido com sua mãe.

A descrição imagética feita por Oliveira me inspirou a escolher a imagem da abaixo (Ilustração 7) para representar a minha compreensão da fragmentação corporal.

Ilustração 7 – Paraíso 1: Os guardiões (2010).

86 OLIVEIRA, Rosa Alba Sarno. A invenção do corpo nas psicoses: impasses e soluções para o

aparelhamento da libido e a construção da imagem corporal. Tese de doutorado. Programa de Pós- Graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, p. 123.

No delírio de negação, ou Síndrome de Cotard como é conhecida, a negação se incide sobre os órgãos, no qual muitos pacientes diagnosticados com esquizofrenia informam a ausência de um estômago, de uma boca, ou muitas vezes não falam, intensificando a noção de falha na imagem corporal em torno dos orifícios corporais, ou, como diria Winnicott, “falha no desenvolvimento emocional primitivo”.

Esses indivíduos têm outra percepção sobre a imagem de si mesmos, como a fantasia de que a falha se localiza no interior de seu corpo. Winnicott acredita que a localização do “eu” no próprio corpo não é nítida nos pacientes psicóticos e por isso, eles não conseguem localizar o “eu” no corpo, não sabendo se está dentro ou fora, vivenciando uma experiência de esvaziamento e aniquilação.

O sujeito, muitas vezes, é constituído a partir de uma imagem que vela a sensação de vazio total, e a consequência disso, segundo Oliveira, é que “o próprio corpo é reduzido a um vazio, não metaforizado, desse modo, nadificado, por não estar vitalizado nem pela imagem”87. Uma possível experiência de morte, como as sensações reais de devastação da própria imagem, de deformação e metamorfose do corpo, gera uma angústia que se constitui como um fenômeno fundamental para aquele que vivencia a experiência.

Um elemento importante que apareceu nas produções espontâneas dos pacientes do ISM e que revela uma falha na imagem corporal, são os ossos. Esses, quando “deixados à mostra representariam, portanto, uma espécie de vestimenta para o corpo, um meio para remendar o descosido da imagem do corpo”88. Oliveira descreve em sua tese que os ossos proporcionam uma nova imagem do corpo, ocupando o lugar da ausência e liberando o sujeito do vazio aniquilador. Consequentemente, a manipulação de sua imagem corporal, fazendo com que sobressaíssem os ossos, é uma forma de provocar efeitos de apaziguamento ao sujeito e de recuperação a um corpo que estava devastado.

Na seção a seguir, elucidarei a metodologia utilizada na pesquisa de campo que foi estabelecida, em dois momentos distintos, na relação com o outro.

87 Ibidem, p. 122. 88 Ibidem, p. 124.