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Sistema civil law: Alemanha, Argentina, Espanha, França, Itália e Portugal

3.2 Direito Comparado

3.2.1 Sistema civil law: Alemanha, Argentina, Espanha, França, Itália e Portugal

Faz-se nessa seção uma análise do assunto nos países de tradição romano-germânica, comparando-se a jurisprudência, a doutrina, bem como as constituições e a leis ordinárias.

3.2.1.1 Alemanha

Aponta a doutrina que o princípio da não autoincriminação ingressou no direito alemão no século XIX por influência do Iluminismo. Outrossim, a Lei Fundamental da Alemanha não prevê expressamente o princípio, entende-se, todavia, que está implícito, sendo decorrência natural da dignidade humana, bem como do direito à liberdade. Decorre, ainda, do art.14, n.3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ratificado em 17 de dezembro de 1973. É indispensável que seja dada ciência ao interrogado de seu direito ao silêncio, que é, por excelência, desdobramento da não autoincriminação. A prova obtida sem a observância da formalidade não é utilizável.

Admite-se amplamente as provas que incidam sobre o corpo do indivíduo, ainda que invasivas (seção 4.8.1.1), encontrando limites, entretanto, na preservação da integridade física e da saúde. Negando-se o indivíduo a colaborar com a produção das provas haverá execução coercitiva. Maria Elizabeth Queijo (2012, p. 330) salienta que “Não se deixa de entrever, no direito alemão, sob esse prisma, o acusado como objeto de prova. Deverá ele sujeitar-se, obrigatoriamente, à investigação corporal.”.

3.2.1.2 Argentina

Na Argentina há expressa previsão constitucional do princípio, de forma que o art.18 estabelece que ninguém poderá ser obrigado a declarar contra si mesmo. A legislação ordinária, além de reiterar o comando constitucional, estatui que é defeso à autoridade recomendar ao interrogado que diga a verdade. Em decorrência, a jurisprudência da República vizinha estabelece que é inexigível que o interrogado se submeta ao juramento de dizer a verdade, bem como reconhece a invalidade da confissão obtida mediante tortura física e/ou moral.

3.2.1.3 Espanha

A Lei Maior da Espanha também consagra o princípio, sendo pormenorizado pela Ley de Enjuiciamento. Assim como em muitos outros países, a pessoa deverá ser advertida de seu direito de não se autoincriminar, sendo a prova obtida sem essa formalidade eivada de nulidade.

É de se notar que a recusa à colaboração para apuração do delito de embriaguez ao volante (art. 380 do Código de Trânsito Espanhol) implica em responsabilização pelo delito de desobediência.

3.2.1.4 França

A França, por sua vez, não positivou o princípio, o que não significa a ausência de reconhecimento, pois é corolário doutras normas constitucionais, bem como decorre de acordos internacionais dos quais o país é signatário, a exemplo do Pacto das Nações Unidas.

Ademais, o interrogado não se submete ao juramento e não incorre no tipo penal de falso testemunho.

Ressalte-se que o indivíduo tem o dever de colaborar com a apuração de eventual embriaguez ao volante, malgrado não se admita a execução forçada do procedimento. Entretanto, a recusa importa em responsabilização criminal por delito diverso do de embriaguez ao volante.

3.2.1.5 Itália

Considerando-se a Itália, até a unificação dos reinos (1871) vigorava o Código Romanogsi, que expressamente vedava o juramento e o uso de meios que ensejassem respostas não voluntárias. Posteriormente, ainda no século XIX, fora promulgado outro Código de Processo Penal que reiterava o que dispunha o anterior e estabelecia, outrossim, que o interrogado seria advertido que o seu silêncio não obstaria o desenvolvimento do processo. Décadas mais tarde, em 1930, sob o regime Fascista de Benito Mussolini, foi promulgada nova Lei Processual Penal, que, malgrado não previsse o direito à não autoincriminação, não impunha sanções àquele interrogado que se calasse. Havia, ainda, idêntica previsão ao Código anterior no sentido de que o indivíduo seria advertido que o seu silêncio não impediria o trâmite do processo. Somente no período pós - Segunda Guerra Mundial, por intermédio da lei n. 932 de 1969, o princípio da não autoincriminação foi reintroduzido expressamente no direito positivo italiano, sendo que o interrogado deveria ser advertido de seu direito ao silêncio e a não observância da norma implicaria em nulidade da prova. Outrossim, nesse contexto, o interrogatório era tido como genuíno meio de defesa.

Quanto à Constituição italiana, não prevê expressamente o princípio nemo tenetur se detegere, em que pese a omissão, entende-se que é consequência da presunção de inocência e do direito à autodefesa. Discorrendo sobre o princípio no atual Código de Processo Penal, Maria Elizabeth Queijo (2012, p.165) preleciona que:

Nessa linha o art. 61 dispôs que os direitos e garantias do acusado estendem-se à pessoa submetida às investigações. A exemplo do que ocorria na disciplina anterior, mesmo antes de ostentar o status de acusado, já se impõe a observância de direitos e garantias atinentes a este.[...]

No mesmo sentido, o art.63 prescreve, como na disciplina anterior, que, se forem prestadas declarações perante a autoridade judiciária ou à polícia judiciária, por pessoa não acusada nem submetida a investigações, das quais advenham indícios da prática de algum crime, em seu prejuízo, a autoridade deverá interromper o ato, advertindo-a de que de tais declarações poderá ser desencadeada investigação e a convida a nomear um defensor.

Dispõe ainda o mesmo artigo que as declarações anteriormente prestadas, nessas condições, não podem ser utilizadas. (Grifo nosso)

Trata-se, pois, como sugere Vittorio Grevi (1998) apud Maria Elizabeth Queijo (2012, p.165) de tutela antecipada do direito ao silêncio e, ademais, os dispositivos legais visam a combater o vilipêndio à não autoincriminação. Ressalte-se, todavia, que o direito ao silêncio no sistema jurídico italiano, assim como na maior parte dos demais países, não enseja que o interrogado se recuse a se identificar.

Outrossim, a Corte Constitucional italiana na sentença n. 238/1996 admitiu a coleta de sangue do indiciado/acusado ainda que não haja assentimento, pois, sob sua ótica,

trata-se de constrição provisória da liberdade. Ressalvou, todavia, que as situações de cabimento, bem como o procedimento de execução deveriam ser determinados pelo Poder Legislativo, não ficando, assim, sujeitos à discricionariedade do juiz. Ademais, destacou que a realização somente seria possível quando não colocadas em risco a vida e a saúde do indivíduo.

Em que pese a decisão da Corte, o Parlamento italiano quedou-se inerte e não legislou sobre a matéria, inviabilizando, dessa forma, o procedimento.

Quanto à realização de perícia fonética, decidiu-se que não é possível constranger o indivíduo a fazê-lo, entretanto, autoriza-se a utilização da gravação de voz obtida mediante interceptação telefônica

3.2.1.6 Portugal

O Direito lusitano, de sua parte, afinando-se à moderna dogmática constitucional, também consagra o direito à não autoincriminação. A Lei Maior de Portugal não contém expressa previsão, entende-se, entretanto, que decorre dos demais direitos fundamentais, tal como a dignidade da pessoa humana. O Código de Processo Penal, por sua vez, consagra o princípio, havendo, ainda, previsão de não sujeição do interrogado ao juramento. Outrossim, há previsão semelhante àquela do direito italiano, pois se a autoridade que colhe o depoimento de indivíduo – ainda não sujeito à persecução penal – notar que as informações colhidas poderão implicar-lhe futura investigação/processo criminal deverá esclarecê-lo do direito à não autoincriminação.

De sua parte a lei portuguesa n. 45/2004, em seu art. 6°, n.1 estabelece que

“ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal quando este se mostrar necessário ao inquérito ou à instrução de qualquer processo e desde que ordenado pela autoridade judiciária competente nos termos da lei”, dessa forma, havendo recusa do indiciado/acusado a realização será compulsória.

No tocante à apuração de embriaguez ao volante, a recusa enseja a responsabilização pelo delito de desobediência.