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2 OS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS GERADOS PELOS AGROTÓXICOS E

2.3 O SISTEMA DE MONOCULTURA

Com a Revolução Verde, passou-se a prometer comida farta e sadia na mesa dos habitantes de todo o planeta, a pretexto da modernização dos campos e das lavouras, com a introdução maciça de novas biotecnologias, impondo também que vastas áreas fossem destinadas à monocultura, o que ocasionou paralelamente o êxodo rural, trocando homens por máquinas, uma vez que criou facilidades para o cultivo no campo. Assentava-se assim as bases do modelo agrícola atualmente predominante, fundado na prática da monocultura de exportação, direcionada pelos interesses das grandes corporações transnacionais que dominam o mercado, induzindo a um crescente processo de industrialização na produção de alimentos desde o campo.

Esse modelo prevaleceu igualmente no Brasil,237 em razão do avanço da Revolução

Verde na América Latina, fortemente intensificado nas décadas de 1960 e 1970. Historicamente, o cultivo extensivo de apenas uma espécie de planta não era uma prática adotada amplamente pelos agricultores. O agricultor tradicional tinha por costume

235 Ibidem. 236 Ibidem.

237 O termo agricultura convencional possui duas acepções: i) “um conjunto de processos de produção agrícola,

normalmente aplicado em áreas de monocultura de grandes dimensões nas quais são utilizadas técnicas de manejo da cultura e do solo desenvolvidas pela chamada Revolução Verde, após a segunda guerra mundial. Nestes processos, a nutrição e defesa das culturas é feita através do fornecimento e aplicação de produtos, normalmente de origem química e/ou petroquímica, de alta solubilidade e de fácil absorção pelas plantas.” ii) “conjunto de técnicas produtivas que surgiram em meados do século 19, conhecida como a 2ª revolução agrícola, que teve como suporte o lançamento dos fertilizantes químicos por Liebig. Este sistema expandiu-se após as grandes guerras, com o emprego de sementes manipuladas geneticamente para o aumento da produtividade, associado ao emprego de agroquímicos (agrotóxicos e fertilizantes) e da maquinaria agrícola. O agricultor é dependente por tecnologias/recursos/capital do setor industrial, que devido seu fluxo unidirecional leva à degradação do ambiente.” (BRASIL. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Glossário de termos usados em atividades agropecuárias, florestais e ciências ambientais. 3. ed. Rio de Janeiro, 2006, p. 19-20. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br>. Acesso em: 15 set. 2014).

desenvolver diferentes culturas a cada ano, alternando-as, para que o equilíbrio do solo fosse mantido. Assim, “não eram necessários pesticidas, uma vez que os insetos atraídos para uma cultura desapareciam com a seguinte”.238 No modelo anterior, a agricultura tradicional

produzia os insumos necessários à sua manutenção: “adubos em forma de esterco, composto, adubação verde, rotação de cultivos, consorciações; a energia era tração animal; a quase totalidade dos implementos era fabricada na região por artesãos que constavam também como população rural.”239 Seus métodos de cultivos flexíveis e diversificados, menos suscetíveis a

eventuais perdas por razões econômicas ou climáticas e menos dependentes de insumos, revelavam-se também melhor adaptados às necessidades e possibilidades dos pequenos estabelecimentos, subequipados e com pouca disponibilidade de mão de obra.240 Dessa forma,

a integridade dos grandes ciclos ecológicos necessários à manutenção da natureza básica do solo vivo era preservada, num profundo respeito à vida.241

Contudo, importantes sistemas de produção tradicionais, mais complexos, como cultivos associados, sistemas mistos combinando várias culturas passaram a ser negligenciados.242 Miguel Altieri destaca o poder de forças políticas e econômicas que

influenciam essa tendência a destinar grandes áreas terra ao monocultivo de exportação, e pondera que, “de fato, tais sistemas são recompensados pela economia de escala, assim como contribuem significativamente para a capacidade de as agriculturas nacionais atenderem os mercados internacionais”.243

A atual subordinação a este modelo econômico único tem conduzido, mais pontualmente, as economias subdesenvolvidas, para que dê em prioridade às exportações, característica preponderante do chamado mercado global. Isso, todavia, conforme acentua Milton Santos,244 tem resultado a todos os países uma baixa de qualidade de vida à maioria da

população e a crescente ampliação do número de pobres em todos os continentes, pois, com o

238 CAPRA, Fritjof. A teia da vida. 8. ed. São Paulo: Cultrix, 2003, p. 245.

239 LUTZENBERGER, José Antônio. Prefácio. In: COLBORN, Theo; DUMANOSKI, Dianne; MYERS, John

Peterson. O futuro roubado. Tradução Cláudia Buchweitz. Porto Alegre: L&PM, 1997, p. 5.

240 MAZOYER; ROUDART, op. cit., p. 502. 241 CAPRA, op. cit., p. 245.

242 Ibidem, loc. cit.

243 ALTIERI, op. cit., p. 27.

244 Milton Almeida dos Santos brasileiro, geógrafo, professor emérito da Universidade de São Paulo, ganhador

do Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud, em 1994, prêmio de maior prestígio na área da geografia, autor de mais de 30 livros e 400 artigos científicos, publicados em diversos idiomas. Foi um dos grandes nomes da renovação da geografia no Brasil. Também graduado em Direito, destacou-se por seus trabalhos em diversas áreas da geografia, em especial nos estudos de urbanização do Terceiro Mundo, também tendo destaque com seus trabalhos sobre a globalização A obra de Milton Santos caracteriza-se por apresentar um posicionamento crítico ao sistema capitalista, e seus pressupostos teóricos dominantes na geografia de seu tempo.

processo de globalização instaurado “deixaram-se de lado políticas sociais que amparavam, em passado recente, os menos favorecidos, sob o argumento de que os recursos sociais e os dinheiros públicos devem primeiramente ser utilizados para facilitar a incorporação dos países na onda globalitária”.245

Observe-se que o objetivo de amparo ao direito humano à alimentação adequada, inerente às múltiplas agriculturas e suas interligações, começa com a subversão das monoculturas de exportação, trazendo sérias consequências políticas, quase sempre olvidadas pela ideologia economicista e os sucessos tecnológicos obtidos com as revoluções agrícolas. Vê-se que a questão de fundo posta pela domesticação da agricultura, pecuária e todo o conhecimento inscrito na caça, coleta e pesca, etc, são deslocadas pela lógica mercantil.246 O

controle de fluxo de alimentos é como controlar o fluxo de possíveis energias e, como tal, de enorme importância estratégica, “deixar de prover o próprio alimento é colocar a própria autonomia de qualquer agrupamento humano em risco ou dependente de terceiros, daí falar- se, também, de soberania alimentar”.247

Deve-se considerar que o processo de monocultura em grandes extensões, caracterizado pelo emprego das diretrizes apontadas pela silvicultura científica e pela agricultura cientifica, que impõem o cultivo de uma só espécie, geralmente geneticamente modificada, com emprego de doses intensas de agrotóxicos, caracterizam a atual cultura de cultivo agrícola em grandes extensões de terras, problema que é intensificado através do desmatamento descontrolado para o cultivo destes sistemas simplificados. Hoje é, em si mesmo, a negação de todo um legado histórico evolutivo da humanidade, na medida em que, por definição, a monocultura não visa alimentar quem produz e, sim, objetiva a mercantilização do produto; seus objetivos são voltados à agroindústria. Logo, “a relação entre o produtor e o produto muda de qualidade e, mais ainda, a quantidade torna-se a qualidade mais desejada”.248 Sequer pode-se falar com este processo em produção de

excedentes, o que antigamente era destinado à exportação, mas que não se vislumbra mais, pois toda a produção através do monocultivo já é produzida com o intuito da exportação,

245 SANTOS, op. cit., p. 149.

246 Relembremos o caráter colonial que está inscrito na própria lógica da monocultura, como demonstram as

primeiras monoculturas modernas de exportação de cana-de-açúcar. Junto com as monoculturas, acrescente-se, estavam as mais modernas manufaturas de então, os engenhos de açúcar e, também, a reinvenção moderna da escravidão com o caráter racial. Em essência, a modernidade do agrobusiness atualiza tudo isso sendo, rigorosamente, mas do mesmo modo moderno-colonial de sempre. PORTO-GONÇALVES, op. cit., p. 214/215.

247 PORTO-GONÇALVES, op. cit, p. 214/215. 248 Ibidem, p. 213-214.

consequentemente, sem observar as necessidades internas, quanto muito critérios de soberania alimentar.

No Brasil, como exemplo acerca do processo colonial introduzido a essa lógica, as áreas de monocultura de grandes dimensões tiveram sua origem ainda com a colonização portuguesa., considerando que “os poderes coloniais não podiam extrair muito do campesinato tradicional com suas safras altamente diversificadas, para a subsistência e direcionadas para os mercados regionais e locais”.249 Com a criação das colônias passou-se à

possibilidade do cultivo de gêneros destinados à exportação, em quantidades exacerbadas como no caso do açúcar, do cacau, do café etc.

Caso mais pontual se observa nas regiões de clima tropical onde os impactos ambientais do cultivo em monocultivo são muito mais profundos e graves em comparação com as regiões de clima temperado frio, porque a “ausência de uma estação fria faz com que o equilíbrio de cada ecossistema dependa inteiramente da diversidade biológica, expressa na cadeia de presas e predadores”.250 Portanto, para que a monocultura seja possível nessas

regiões faz-se necessário um intensivo controle agroquímico. Especialistas indicam que há, de fato, uma grande necessidade de agrotóxicos nos monocultivos, considerando que a falta de biodiversidade nessa área torna a lavoura mais suscetível às pragas, exigindo quantidades cada vez maiores de produtos químicos. De qualquer forma, as regiões tropicais continuam sendo as de maior produtividade, no entanto, essa maior produtividade possui um alto custo ecológico, cultural e político, um maior custo socioambiental, uma vez que a extrema especialização, tendo em conta a dependência a alguns poucos cultivos derivados da monocultura, “torna esses agroecossistemas vulneráveis não só a pragas e a variações climáticas, como também extremamente dependentes de insumos externos.”251

Está se perdendo um equilíbrio delicado, que foi desenvolvido durante uma evolução que se deu por milhões de anos e agora resta afetado pela introdução de substâncias químicas venenosas que trazem contaminação a muitos desses organismos vitais à qualidade do solo.252 A degradação e a erosão do solo decorrentes da agricultura hiperintensiva está

249 LUTZENBERGER, José Antônio. Absurdo da agricultura moderna: dos fertilizantes químicos e agrotóxicos

à biotecnologia. 1998. Disponível em: <http://www.fgaia.org.br/texts/biotec.html>. Acesso em: 10 set. 2015.

250 ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. Monocultura e Transgenia: impactos ambientais e insegurança alimentar.

Revista Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 6, n. 12, p. 79-100, jul.-dez. 2009.

251 PORTO-GONÇALVES, op. cit., p. 217.

252 “A simples verdade é que esse tema criticamente importante da ecologia do solo tem sido amplamente

negligenciado até pelos cientistas, e quase completamente ignorado pelos responsáveis pelo controle. O controle químico dos insetos parece ter sido efetuado sob a suposição de que o solo poderia e iria tolerar qualquer

custando milhões de hectares de terra cultivada a cada ano.253 Importante se faz recuperar o

papel que cada pequeno organismo ocupa para a saúde do solo. Rachel Carson destaca a importância das minhocas, que além de decompor a matéria orgânica através de seu aparelho digestivo, nutrem o solo com seus rejeitos.254

Hans Jonas pondera que as tecnologias agrárias de maximização acarretam impactos cumulativos sobre a natureza que apenas, recentemente, começaram a ficar evidentes em âmbito local. Como exemplo, refere a “salinização dos solos pela irrigação constante, a erosão provocada pela aragem dos campos”.255 Nesse sentido, o agrônomo chileno Miguel Altieri

destaca que parcela significativa da suscetibilidade e da instabilidade dos agroecossistemas, em relação às pragas, pode ser atribuída às áreas de monoculturas extensiva que, “ao concentrar recursos, acabam atraindo herbívoros especializados em certas culturas, e aumentando ainda as áreas disponíveis para a imigração de pragas”.256 Simplificação que

tende a reduzir as oportunidades ambientais para a sobrevivência dos inimigos naturais dos insetos e outros animais indesejados nas lavouras. Recorda ainda que a conservação das monoculturas exige aportes crescentes de agrotóxicos e fertilizantes, mas a eficácia de sua utilização está diminuindo e a produtividade das principais culturas estão em declínio. Descreve o autor que existem diferentes opiniões sobre os fatores que causam esse fenômeno, sendo que alguns acreditam que a produtividade está se estabilizando porque o potencial máximo das variedades atuais está sendo atingido, sendo preciso recorrer à engenharia genética para reprojetar as culturas, para que se possa continuar produzindo alimentos. No entanto, “para os agroecologistas, essa estabilização se deve à contínua erosão da base produtiva da agricultura decorrente de práticas insustentáveis.”257

Vandana Shiva,258 em Monocultura da Mente: perspectivas da biodiversidade e da

biotecnologia, discorre que a principal ameaça à vida em meio à diversidade deriva do hábito

quantidade de agressões, na forma da introdução de venenos, sem revidar. A própria natureza do mundo do solo tem sido amplamente ignorada.” (CARSON, op. cit., p. 60.)

253 ROBERTS, Paul. O fim dos alimentos. Tradução Ana Gibson. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 209. 254 CARSON, op. cit., p. 58.

255 JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Tradução

de Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto: PUC-Rio, 2006, p. 302.

256 ALTIERI, op. cit., p. 28. 257 Ibidem, p. 29.

258 Vandana Shiva é uma física, ecofeminista e ativista ambiental. Shiva é autora de inúmeros livros, entre os

quais The Violence of the Green Revolution (1992), Stolen Harvest: The Hijacking of the Global Food Supply (2000), Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento (Vozes, 2001), Protect or Plunder? Understanding Intellectual Property Rights (2002), Monoculturas da mente (Global, 2004), Guerras por água (Radical Livros, 2006). Shiva é figura de destaque no movimento antiglobalização e consultora para questões ambientais da Third World Network. Entre suas atividades mais recentes, incluem-se iniciativas de ampla

de pensar em termos de monocultura, o que chama de “monoculturas da mente” e considerando que se está a pensar somente sob o viés de um sistema fechado, não se vislumbra um sistema interconexo e interdependente como são os sistemas naturais.

Sob a perspectiva da mentalidade monocultural, a produtividade dos cultivos parece aumentar quando a diversidade é eliminada e substituída pela uniformidade dos plantios, porém, segundo a perspectiva da diversidade, as monoculturas levam a um declínio dos cultivos e da produtividade, por serem sistemas empobrecidos, qualitativa e quantitativamente, extremamente instáveis e carecem de sustentabilidade. As monoculturas disseminam-se não por propiciarem um aumento da produção, mas por propiciarem o aumento do controle de produção e obtenção de lucros. “A expansão das monoculturas tem mais a ver com política e poder do que com sistemas de enriquecimento e melhoria da produção biológica”. Lógica que se perpetua desde a instauração da Revolução Verde, sendo seguida pela revolução genética e das novas biotecnologias.259

A prática da monocultura extensiva, por suas danosas consequências sociais e ambientais, possui dentre seus efeitos deletérios a perda da biodiversidade da agricultura, essa imposição da cultura de mercado através da maximização da eficiência dos recursos naturais, traduzida na opção por vastas monoculturas, contrapõe-se à diversidade presente no meio ambiente natural desde os primórdios de existência da vida. Observe-se que grande parte dos problemas sanitários e ambientais produzidos pelo sistema alimentar deve-se às tentativas de simplificar excessivamente as complexidades da natureza, tanto no que diz respeito ao início da produção quanto ao consumo da diária alimentar cada vez mais simplista e reduzida de nutrientes.260

Importante ressaltar-se que com a maciça introdução da monocultura de exportação observa-se um acentuado abandono aos saberes locais, que “resvala pelas rachaduras da fragmentação”261, criando um processo de monocultura mental, como discorre Vandana

Shiva, ao fazer desaparecer o espaço das alternativas locais,262 dos alimentos locais.

Fragmenta o conhecimento adquirido e de, forma cartesiana, emprega as estratégias do

divulgação para a preservação das florestas da Índia, luta em favor das sementes como patrimônio da humanidade e programas sobre biodiversidade dirigidos a diferentes coletividades, além de pesquisas para o desenvolvimento de uma nova estrutura legal para os direitos de propriedade coletivos, como alternativa para os sistemas de direitos de propriedade intelectual atualmente em vigor. Antes de se dedicar integralmente ao ativismo político, às causas feministas e à defesa do meio ambiente, foi uma das principais físicas da Índia.

259 SHIVA, op. cit., p. 17-18. 260 POLLAN, op. cit., p. 17. 261 SHIVA, op. cit, p. 25. 262 Ibidem, p. 25.

mercado globalizado ao desmatar grandes áreas para introdução de culturas agrícolas voltadas ao monocultivo, hegemoniza o processo de produção por meio da imposição posta pelo controle hegemônico do mercado e consequentemente impõe este mesmo processo à mentalidade social, como aponta a lógica do pensamento de Shiva.

A silvicultura e a agricultura científicas dividem artificialmente a planta em domínios separados, sem partes em comum, intensificado pelo processo produtivo monocultural imposto pelo mercado. No entanto, nos sistemas locais de saber, o mundo vegetal não é artificialmente dividido entre uma floresta que fornece madeira comercial e terra cultivável que fornece mercadorias em forma de alimentos. A floresta e o campo são um agrupamento ecológico, e as atividades realizadas na floresta contribuem para satisfazer às necessidades alimentares da comunidade local, enquanto a própria agricultura é modelada de acordo com a ecologia da floresta tropical. Alguns habitantes da floresta obtêm comida diretamente de seu meio ambiente, enquanto muitas comunidades praticam a agricultura fora da floresta, mas dependem da fertilidade da floresta para a fertilidade da terra cultivável para suas lavouras,263

o que somente se obtém através deste processo sustentável.

No atual sistema cientificizado que separa a silvicultura da agricultura e reduz a silvicultura ao fornecimento de madeira, a comida não é mais uma categoria relacionada à silvicultura. Essa separação apaga o espaço cognitivo que relaciona a silvicultura à produção de alimentos por meio dos elos de fertilidade do solo. Os sistemas de saber que nascem da capacidade que a floresta tem de fornecer alimento são, por sua vez, absorvidos e finalmente destruídos, tanto pelo descaso, quanto pela agressão264 do reducionismo científico que impõe

esta separação, sobressaltada pelo interesse hegemônico do mercado.

Os diversos sistemas de saber, os quais evoluíram com os mais diferentes usos que os povos, ao longo dos tempos, fizeram da floresta como fonte de alimento e auxiliaram a evolução da agricultura, foram absorvidos pela introdução da silvicultura científica e das novas biotecnologias introduzidas à agricultura moderna, que trata a floresta apenas como fonte de madeira industrial e comercial. Isto fez romper com as ligações existentes entre floresta e agricultura, deixando assim de ser percebida a função da floresta como fonte de alimento e manutenção da vida de forma sustentável.265 “A diversidade orgânica passa a ser

263 Ibidem, p. 27.

264 Ibidem, p. 25-27. 265 Ibidem, 31.

substituída pelo atomismo e pela uniformidade fragmentada”, imposta pelo processo de desmatamento e intensificação das monoculturas.

Nesse contexto de riscos e implicâncias, Fritjof Capra destaca que a monocultura associada ao uso maciço de fertilizantes e agrotóxicos representa, além das perdas significativas de variedades genéticas nos campos, o risco de uma grande área de terras ser dizimada por uma única praga.266 John Madeley entende que, “para que seja possível

desenvolver culturas com maior rendimento, resistentes a pragas e doenças e que suportem ambientes desfavoráveis, é fundamental a presença de grande variedades de plantas, tanto silvestres como cultivadas”.267 Assevera ainda que a principal causa da perda dessa

imprescindível diversidade “é o abandono de variedades locais, uma consequência direta da tecnologia da revolução verde”, o que tornou a humanidade perigosamente dependente de um número pequeno de culturas.268

Neste processo intensificado de simplificação imposto, “não há sobrevivência possível para a floresta ou seu povo quando eles se transformam em insumo para a indústria”. A sobrevivência das florestas tropicais depende da sobrevivência de sociedades humanas cujo modelo são os princípios da floresta, da agricultura voltada ao cultivo agroflorestal. Essas lições de sobrevivência não saem do texto da silvicultura científica, pois estão incrustadas na vida e nas crenças dos povos florestais do mundo todo.269 Existe, portanto, um crescente e

urgente processo de mudança que se instaura ante a necessidade de sobrevivência da vida com dignidade.

De qualquer sorte, esse modelo de progresso, baseado na exploração veemente dos recursos naturais e na tecnologia, enfrenta diversas dificuldades, pois em grande parte do mundo em desenvolvimento, o crescimento da alta produtividade que se iniciou com a Revolução Verde está diminuindo gradativamente e, em alguns casos, até mesmo declinando, “em parte, pela falta de fertilizantes e outras substâncias químicas, mas em parte devido ao abuso dessas mesmas substâncias químicas que exauriram a capacidade produtiva do solo”, mesmo onde essa produtividade pode ser mantida o preço tem sido a contaminação de fontes de água e rios por substâncias químicas poderosas capazes de transformar baías e águas