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1.3 S ISTEMAS PENITENCIÁRIOS

1.3.3 Sistemas progressivos

1.3.3.3 Sistema de Montesinos

Em 1835, Manuel Montesinos e Molina foi nomeado governador do presídio de Valência, onde implantou um sistema voltado às relações com os reclusos, baseadas na confiança e no estímulo, o que os levava a desenvolver sua autoconsciência.

Montesinos, impondo sua autoridade com responsabilidade, reduziu drasticamente o rigor outrora utilizado nos castigos contra os reclusos, optando por uma disciplina racional. Dava extrema importância à dignidade do preso, desprezando veementemente os castigos corporais, entendendo que estes apenas contribuíam para uma degradação dos que a eles eram submetidos.

A boa ordem dos presídios era garantida por um código interno, o que atualmente é conhecido por regulamento interno disciplinar, prevendo como deveriam ser tratadas as faltas dos reclusos, que já não ficavam mais à mercê do arbítrio dos administradores carcerários.

A disciplina deste sistema, que levou o nome de seu fundador, apesar de caracterizar-se pela severidade, era concomitantemente humana. Montesinos constatou que a disciplina era necessária, mas deveria respeitar os princípios da legalidade e da dignidade da pessoa humana para alcançar bons resultados como, de fato, foram obtidos. A taxa de reincidência no presídio de Valência antes da administração de Montesinos chegou a atingir 35% (trinta e cinco por cento), percentual este que foi incrivelmente reduzido para 1% (um por cento) (BITENCOURT, 2000, p. 89-90).

Outro fator que tinha muita importância no sistema de Montesinos era o trabalho do recluso, cuja fundamentação passou a ser mais humana, buscando uma ressocialização efetiva dos presos. Aqui, o trabalho era considerado o melhor caminho para a reabilitação dos condenados, devido à sua função terapêutica, principalmente.

Como estímulo ao preso, determinou-se que o trabalho deveria ser remunerado, não se resumindo mais a uma forma de dominação, mas sendo verdadeira profissionalização que lhe trazia benefícios inúmeros. Os resultados foram tão bons que os artesãos da cidade começaram a queixar-se da competição que o trabalho prisional estava acarretando. Os produtos confeccionados na penitenciária eram de alta qualidade e não estavam sujeitos aos impostos e taxas, tornando a concorrência desleal.

Infelizmente, o governo teve que atender às reivindicações dos artesãos e, a partir daí, nasceu a errônea idéia de que o trabalho penitenciário deve ser ineficiente, marginal e improdutivo, para não atingir o meio social. A própria sociedade passou a pressionar o Estado para que a prisão fosse, tão-somente, um meio de isolamento.

Ora, tal pensamento vai de encontro à função ressocializadora e reabilitadora da pena, vez que estes fundamentos não existem senão para readaptar e reinserir com sucesso os egressos na sociedade.

A despeito disso, Montesinos persistiu nas suas convicções de que o confinamento celular significava a condução do apenado à morte, tendo em vista que o isolamento absoluto impossibilitava sua socialização.

Partindo da confiança nos reclusos, Montesinos foi pioneiro ao admitir que eles saíssem do presídio por motivos diversos. Percebendo que ter a confiança do governador do presídio apenas lhes trazia vantagens, os presos tornaram-se obedientes (BITENCOURT, 2000, p. 93).

De forma diversa da que ocorria nos outros sistemas, aqui os presos não eram rigidamente divididos em grupos classificados por periculosidade, mas colocados em grupos em que seus diversos graus apresentassem-se mesclados. Não se constatou qualquer inconveniente na implantação desta idéia, muito pelo contrário, a convivência nesses grupos demonstrou que uns integrantes serviam de estímulo para a melhora dos outros.

Na prisão de Valência, percebia-se, ainda, o que foi considerado um importante antecedente da prisão aberta: as fechaduras e os portões poderiam ser facilmente derrubados pelos condenados e os agentes carcerários fisicamente não se apresentavam nada intimidadores. Os reclusos permaneciam no estabelecimento prisional apenas pelos hábitos de subordinação e moralidade que lhe foram impostos, vivendo praticamente em regime aberto (Ibid., p. 94).

Montesinos aperfeiçoou, ademais, a liberdade condicional, reduzindo um terço da pena caso o condenado apresentasse boa conduta dentro do presídio. Esta determinação, inclusive, tinha respaldo legal, estando prevista na Ordenação-Geral dos Presídios do Reino, de 1834 (Ibid., p. 84-5).

As idéias de Manuel Montesinos transformaram sobremaneira a realidade carcerária da Espanha e marcaram o início de uma nova tradição penitenciária que se expandiu, à época, por todo o mundo e ainda tem influência direta na atualidade.

A Lei de Execução Penal (LEP), considerando-se a adoção do sistema vicariante pelo ordenamento jurídico pátrio, visa ao cumprimento efetivo das determinações contidas na sentença penal condenatória ou absolutória imprópria. Preza, portanto, pela devida aplicação da pena – seja ela privativa de liberdade, restritiva de direito ou de multa – ou da medida de segurança – seja ela tratamento ambulatorial, internação em hospital de custódia ou tratamento psiquiátrico.

A execução penal nada mais é do que uma fase do processo penal, inclusive não necessitando de nova citação – exceto no caso de pena de multa –, tendo em vista que o condenado já tem ciência da ação penal contra ele movida que culminou com a sentença penal condenatória ou absolutória imprópria. Com o trânsito em julgado da decisão, esta se torna título executivo judicial, transmutando-se o processo de conhecimento em processo de execução.

O objetivo da execução penal não se resume à punição do agente – em seu caráter retributivo, portanto –, mas também à sua prevenção – tanto à geral como à especial – e à humanização, devendo buscar a reintegração social do condenado e do internado. A prevenção a que se refere é a de caráter multifacetado, ou seja, na versão positiva e na negativa.

A promoção da prevenção geral positiva dá-se através da demonstração da eficiência do Direito Penal, sua existência, legitimidade e validade, enquanto a negativa serve para intimidar os que cogitam a possibilidade de delinqüir, mas deixam de fazê-lo para não enfrentar as conseqüências. No tocante à prevenção especial, com a positiva busca-se a reeducação e a ressocialização do sentenciado na medida do possível e de sua aceitação e submissão, enquanto com a negativa justifica-se o recolhimento do delinqüente ao cárcere para que não venha a violar a proteção estatal aos bens jurídicos legalmente tutelados.

Quanto à medida de segurança, especificamente, a prevenção especial consubstancia-se na finalidade de prevenir a ocorrência de novos delitos através da garantia da cura do agente quando se constata sua inimputabilidade ou semi-imputabilidade.

O processo executório penal, como não poderia deixar de ser, possui peculiaridades intimamente relacionadas ao alcance desses objetivos. Geralmente, seu início é determinado de ofício pelo juiz da vara de execuções e não se vislumbra o cumprimento espontâneo da pena pelo condenado, o que será tutelado pelo Estado no exercício do jus puniendi que lhe incumbe.

Sua natureza jurídica, apesar das controvérsias, deve ser considerada complexa, ou seja, tanto jurisdicional como administrativa, vez que trata tanto de questões eminentemente de direito processual como de atividades administrativas.

Certo também é que o poder Judiciário e o Executivo trabalham juntos na execução penal através dos órgãos jurisdicionais e dos estabelecimentos penais, respectivamente. Enquanto o Judiciário profere os comandos para o cumprimento da pena, o Executivo é o responsável por sua efetividade nos estabelecimentos penitenciários, que apesar de fiscalizados pelo juiz, seu corregedor, são administrativamente autônomos, assim como os hospitais de custódia e de tratamento.

Para que a execução penal seja efetivada é necessário um instrumento que a viabilize, qual seja o processo. Assim sendo, todas as garantias constitucionais devem ser observadas na execução, tais como os princípios do (a): legalidade, jurisdicionalidade, devido processo legal, verdade real, imparcialidade do juiz, igualdade das partes, persuasão racional ou livre convencimento, contraditório e ampla defesa, iniciativa das partes, publicidade, direito à prova, direito de não se auto-incriminar, oficialidade e duplo grau de jurisdição, dentre tantos outros.

Especial atenção, no entanto, merecem os princípios da dignidade da pessoa humana, da humanização e da individualização da pena, da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade da lei prejudicial ao réu, do devido processo legal – bem como todos os seus corolários –, e da intranscedência ou da personalidade quando se trata especificamente de execução penal a fim de não se afastar das finalidades reeducadora e ressocializadora da punição do agente.

Dentro de toda essa concepção humanista determinada pela LEP para a execução penal, vislumbra-se o papel de extrema importância conferido ao trabalho a ser realizado pelos reclusos dentro ou fora dos estabelecimentos prisionais, sobre o qual se versará com maior propriedade ao longo deste capítulo, abordando-se todos os benefícios advindos da sua implantação efetiva na realidade carcerária.

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