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6. MEDIDAS PARA ASSEGURAR DEMOCRACIA NO PROCESSO DE

6.1. Medidas legislativas

6.1.2. Sistema de primárias

Não nos parecem democráticos os métodos atualmente empregados pelos partidos políticos brasileiros para a designação dos candidatos. A prática da escolha de candidatos mostra-se pouco

285 Cfr. artigo 5º, ‘c’, direitos políticos, especialmente o de participar de eleições - votando

e sendo votado - através de sufrágio universal e igual, direito de tomar parte no governo assim como na direção dos assuntos públicos em todos os escalões, e direito de ter acesso em igualdade de condições às funções públicas.

286 Cfr. CAMPOS, Luiz Augusto; MACHADO, Carlos. A cor dos eleitos: determinantes da sub-representação política dos não brancos no Brasil. Rev. Bras. Ciênc. Polít., Brasília, n.

16, pp. 121-151, Apr. 2015.

Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 33522015000200121&lng=en&nrm=iso>, pp. 122-123. Na nova composição da Câmara dos Deputados, decorrente do certame eleitoral de 2014, os parlamentares brancos representam mais de 70% das vagas, enquanto que os negros ocupam apenas 3,5%, não obstante o alto percentual de não brancos na sociedade brasileira.

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democrática e centralizada, alijando, muitas vezes, os próprios filiados do processo de escolha.

A ausência de democracia interna dos partidos suscita o debate sobre a conveniência e oportunidade da previsão do sistema de primárias para a designação de candidatos a cargos eletivos. Interessa saber, primeiro, se o instituto das eleições primárias colabora efetivamente para o incremento democrático no processo de escolha de candidatos. Caso positivo, se poderia ser introduzido no ordenamento jurídico brasileiro.

Antes disso, contudo, faz-se mister definir, ainda que em breves linhas, em que consiste e como se dá a dinâmica do sistema de primárias.287 As primárias têm origem nos Estados Unidos, no início do século XX, com o propósito de democratizar a escolha de candidatos, que até então era centralizada pelas elites partidárias, e, desta forma, aperfeiçoar a mediação representativa dos partidos.288289

No que diz respeito ao sistema americano, em uma primária aberta, qualquer eleitor, independentemente da filiação partidária, pode votar em candidatos democratas ou republicanos. Já numa primária fechada, apenas democratas podem votar em pré-candidatos democratas e apenas republicanos podem eleger republicanos. Há ainda outro sistema, chamado caucus (ou "convenção partidária"). Um dos mais famosos é o realizado no

287 Cfr. GALLAGHER, M. Candidate Selection. In Comparative Perspective. The Secret

Garden of Politics, Londres, 1988, pp. 239-240, as primárias, além de previstas nos Estados Unidos, são também obrigatórias na Finlândia desde 1978. Foram também obrigatórias na Turquia durante a vigência da lei de partidos políticos de 1965, assim como tem sido implementadas, ainda que sem previsão legal neste sentido, por boa parte dos partidos belgas e também, em alguma medida, na Holanda (D’66) e Inglaterra (Liberais e SDP).

288 cfr. BAUTISTA PLAZA, David. La función constitucional..., pp. 8-9, em 1886 os Estados

da Califórnia e Nova York disciplinaram legalmente o processo interno que os partidos deviam seguir na eleição de candidatos e na designação de cargos. E no começo do século XX, uma lei do Estado de Wisconsin introduz pela primeira vez a obrigação dos partidos políticos de eleger suas candidaturas para todos os cargos públicos mediante as conhecidas como <eleições primárias>”.

289 Para mais desenvolvimentos sobre as primárias, consultar, entre outros, LORELLI, A.. Ruolo costituzionale..., p. 146 e seguintes.

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estado de Iowa. Nele, os membros do partido se reúnem e discutem as razões para apoiar diferentes candidatos antes de a votação começar.

Cabe fazer a ressalva de que a designação de candidatos pelo sistema de primárias fechadas não impede que ocorra ainda uma profunda influência das cúpulas dos partidos, sobretudo caso haja uma baixa participação nas primárias. Ademais, ainda que não seja impeditivo para a adoção do sistema, é preciso ter em mente seu não tão simples encaixe em um sistema eleitoral proporcional, como é o de eleição para os cargos de Deputado Federal no Brasil.290

Registre-se que os próprios partidos podem instituir, sponte propria, um sistema de primárias, assim como foi feito na Itália, onde, mesmo diante da ausência de normas neste sentido, as primárias foram praticadas com intensidade por diversos partidos291. Nada no ordenamento ourídico pátrio obsta, muito pelo contrário, que os partidos assim procedam. Contudo, como já apontado, não se vislumbra interesse por parte dos dirigentes partidários em tornar o processo de escolha de candidatos mais democrático.

Como examinado, o princípio da democraticidade interna dos partidos admite diferentes formas de concreção. Não há, portanto, um modelo único de designação democrática de candidatos. De fato, o sistema de primárias – ainda que não possa ser assumido como modelo perfeito, tendo em vista eventuais efeitos contrários que este sistema também possa apresentar - se enquadra em um conceito de organização partidária democrática quanto a seleção de candidatos. Sendo assim, eventual previsão do sistema de primárias por meio de legislação ordinária, não esbarraria em qualquer regra ou princípio constitucional, muito pelo

290 Neste sentido, SAIZ ARNAIZ, Alejandro. Elecciones primarias..., pp. 196-197.

291 Neste sentido, SAIZ ARNAIZ, Alejandro. Elecciones primarias..., pp. 180-181 e 188-

189, que, inclusive, cita esse caso como exemplo de intervenção de modo puramente associativo.

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contrário, daria concretude ao princípio democrático quanto ao processo de escolha de candidatos pelos partidos.

Como já tratado em momento anterior, parece-nos que um modelo organizatório mínimo, em termos democráticos, deva possibilitar ao menos aos filiados a um dado partido que se manifestem, por meio de voto direto e secreto, quanto a escolha de candidatos de seu próprio partido.

Voltando às primárias, importa registrar que se encontra tramitando junto à Câmara dos Deputados um Projeto de Lei que determina a realização de prévias eleitorais para a escolha dos candidatos dos partidos à Presidência da República e aos governos dos estados e do Distrito Federal. Trata-se do Projeto de Lei nº. 6.696/16, que ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e depois seguirá para discussão e votação em Plenário.

O referido Projeto de Lei não prevê, ao menos neste primeiro momento, a realização de prévias eleitorais para a escolha de candidatos aos cargos de Deputado Federal, objeto principal do nosso trabalho, mas apenas para a escolha dos candidatos dos partidos à Presidência da República e aos governos dos estados e do Distrito Federal. Todavia, merece nossa atenção este projeto, por propor um processo mais democrático de escolha de candidatos que, sem dúvida, pode servir de parâmetro para a definição de candidaturas para outros cargos.

Pelo Projeto em tela, que altera a Lei das Eleições (Lei nº. 9.504/97), as prévias deverão ocorrer nas sedes dos diretórios municipais dos partidos ou em prédios públicos pelo menos 30 dias antes das convenções partidárias; e contarão com a participação todos os eleitores aptos a votar. Conforme o texto, o voto nas prévias será facultativo, e cada eleitor deverá escolher apenas um candidato para cada cargo em disputa (presidente e governador) em um único partido.

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Pretende-se, por meio do referido Projeto de Lei, portanto, democratizar a escolha de candidaturas para admitir que todos os cidadãos, filiados ou não a um partido político, participem da escolha dos candidatos que disputarão a eleição. Afinal, atualmente escolha dos candidatos se restringe às convenções partidárias, das quais podem participar apenas eleitores filiados ao partido político e, mesmo assim, de forma indireta, mediante representantes de determinados órgãos partidários.

Sendo assim, pelas regras atuais, um cidadão não filiado a qualquer partido político se encontra impedido de influir, ao menos formalmente, na escolha dos candidatos que concorrerão em determinado pleito eleitoral. Para esse cidadão, cuja condição corresponde a da imensa maioria da população brasileira, cabe apenas decidir entre as opções de candidatos já previamente definidas pelos próprios partidos (sequer diretamente por todos os filiados dos partidos) ou coligações.

Verifica-se, portanto, que o Projeto de Lei em comento visa expandir o espaço de debate democrático sobre as candidaturas e, desta forma, conferir mais legitimidade aos candidatos eleitos.

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