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O SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO E OS PENTECOSTAIS COMO NOVOS ATORES POLÍTICOS NA CONSTITUINTE DE

Em que pese a fala constante com que buscam justificar sua atuação política, de que “o estado é laico mas a sociedade é cristã”, vale destacar que a eleição de representantes de segmentos religiosos no Brasil possui dois elementos que precisam ser considerados. O primeiro deles vem sendo amplamente explorado pela literatura (Oro, 2003; Mariano; 2009; Freston, 1994; Baptista, 2009, entre outros) e envolve questões discutidas nesta tese. Está relacionado ao interesse desse segmento religioso de se fazer representar politicamente. O segundo diz respeito à possibilidade oferecida pelo sistema político brasileiro.

Embora a representação de segmentos minoritários da população possa consistir em uma das características esperadas em um estado democrático, nem sempre o sistema político em vigor assim o permite. Discuto aqui brevemente as implicações dessas opções considerando que, mesmo que esse elemento possa configurar secundário para a análise estabelecida nesta investigação, nem por isso ele deixa de ser fundamental para compreender como esse processo se efetiva. Afinal, de nada adiantaria os religiosos se organizarem politicamente e mobilizarem seus fiéis para o voto se o sistema político fosse organizado de outra maneira. Para compreender melhor esse processo, inicio este capítulo com uma breve caracterização do sistema político eleitoral brasileiro que permite a eleição de representantes de segmentos específicos como o evangélico.

73 3.1 O sistema eleitoral brasileiro

Impulsionada pelos fatores políticos conjunturais que serão apresentados na última seção deste capítulo, a entrada pentecostal na política ou na vida parlamentar, desde a década de 1980, foi facilitada pelo sistema político brasileiro em vigor e pela conjuntura social. O sistema político brasileiro é aberto à participação eleitoral de grupos minoritários, religiosos ou não, especialmente pelo fato de possuir partidos (em grande medida) frágeis (Peres, 2005) e pouco ideológicos e um sistema eleitoral em que a unidade de votação é um Estado inteiro, aumentando as chances de eleição de uma minoria geograficamente dispersa.

A conjuntura social e política desde a redemocratização iniciada na década de 1980 também é favorável. O sistema bipartidário do regime militar cede lugar ao multipartidarismo. Diversos movimentos sociais organizam-se em torno dos novos partidos políticos que surgem ou reaparecem no cenário político. Entre eles está em grande medida o segmento evangélico, mas não somente, orientados pelas lideranças da Assembleia de Deus que desponta com grandes mobilizações internas para justificar sua entrada no cenário político. As motivações que propalam esse segmento rumo à participação política, que os fazem mudar um pensamento tido como sectário e avesso à participação política para dar lugar a outro que busca inserir-se nas disputas eleitorais e na elaboração de projetos e política públicas são tratadas na próxima seção e novamente trazidas à discussão na medida em que se mostram relevantes.

Para compreender, no entanto, a participação e força política crescente desses grupos minoritários no jogo político brasileiro, é preciso entender as regras definidas pelo Código Eleitoral Brasileiro que possibilita a representatividade que alcançam. De acordo com a legislação eleitoral brasileira45, para existir legalmente, um partido político precisa registrar-se com o total de 500 mil assinaturas junto ao Supremo Tribunal Eleitoral. Para ter direito a eleger um deputado federal, o partido precisa alcançar o mínimo de

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3% dos votos na Câmara dos Deputados, distribuídos por pelo menos cinco estados, com o mínimo de 2% em cada um deles. Preenchendo essas regras, o partido fica apto a competir por um assento na Câmara dos Deputados, tanto sozinho ou em coligação, baseado no sistema representativo proporcional. O partido apresenta uma lista aberta46 de candidatos, sem definir ordem de preferência. O sistema eleitoral de lista aberta é dedicado a eleger representantes legislativos, como deputados e vereadores. As cadeiras conquistadas pelos partidos são ocupadas pelos candidatos mais votados de uma lista. Outra possibilidade são as coligações entre partidos que funcionam como uma lista única, onde os mais votados, independentemente do partido, elegem-se (Nicolau, 2006). Esse dispositivo aumenta as chances eleitorais de minorias geograficamente dispersas, como os grupos religiosos de segmentos pentecostais, objeto desta tese.

Cada cidadão tem a opção de votar em um candidato ou partido/coligação. O voto é obrigatório para todos os cidadãos com idade entre 18 e 69 anos. Após a eleição, o Tribunal Superior Eleitoral calcula o coeficiente eleitoral, excluindo os votos brancos e nulos. Após o cálculo, todos os candidatos do mesmo partido ou coligação são somados para determinar o número de assentos que cada partido/coligação terá direito. As vagas de cada partido/coligação são distribuídas para aqueles candidatos que obtiveram as maiores votações individualmente.

É justamente essa particularidade do sistema proporcional com lista aberta, vigente no Brasil, que possibilita a eleição dos parlamentares evangélicos. Isso porque eles conseguem se eleger com os votos de eleitores que se identificam com suas propostas mesmo que dispersos geograficamente

46 Os estudos sobre o sistema de lista aberta no Brasil, de modo geral procuram compreender a formação das preferências eleitorais: podem ser exploradas sobre o ponto de vista da atuação parlamentar, bem como das decisões legislativas. Estas investigações procuram compreender como as regras do jogo influenciam o comportamento político dos deputados. Diversos autores, ancorados na teoria da escolha racional, atribuem às práticas clientelistas (pork-barrel) um reforço na estratégia parlamentar, que por sua vez resultaria em deputados mais ambiciosos (Ames, 1995, 2001; Carey e Shugart, 1995; Figueiredo e Limongi, 2002; Leoni, Pereira e Rennó, 2007; Samuels, 2003; Snyder e Samuels, 2001), o que causaria impacto em suas carreiras políticas. (Madeira, 2006; Pereira e Rennó, 2007).

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dentro do mesmo estado da federação. O sistema distrital, diferentemente, delimitaria uma região geográfica que poderia não concentrar número suficiente de eleitores de um segmento e a lista fechada privilegiaria os escolhidos pelo partido. O deputado federal Arolde de Oliveira (PSD/RJ) defende o sistema proporcional representativo vigente e denuncia que acredita haver um projeto de desconstrução social que, para inibir a eleição dos evangélicos, estaria propondo modificações no sistema político através da reforma política.

Uma das propostas da reforma política é o voto em lista ou então o voto distrital porque dentro desse conjunto de desconstruções, os ideólogos da desconstrução perceberam que os evangélicos são a cidadela mais forte da resistência e para desmontar isso nada melhor do que o voto em lista ou o voto distrital, porque se fizer aí o voto em lista a gente não consegue, um ou outro por acaso vai conseguir se eleger porque vai entrar numa lista que quem vai decidir é o presidente, é o dono do partido, percebeu? E se for voto distrital, a mesma coisa, porque dentro do distrito a eleição é majoritária, e quem decide quem são os candidatos são os partidos, quer dizer tira toda a nossa, fortalece o partido e tira o poder proporcional do segmento. Então eu acredito que hoje o voto melhor para a sociedade dentro dos parlamentos seja aqui, sejam Assembleias Legislativas, sejam as Câmaras de Vereadores é esse voto que nós temos, o voto proporcional. É o que melhor representa.

Como veremos adiante nesta tese, os parlamentares evangélicos, como bem definiu Arolde de Oliveira, posicionam-se contra a reforma política, especialmente no que se refere a mudanças que possam limitar sua eleição e participação política.

Apesar do grande número de partidos com representação no Congresso Nacional, desde 1994 dois partidos principais (PT e PSDB) vêm polarizando as eleições majoritárias para a presidência da república. No âmbito legislativo, no entanto, desde as eleições de 1986, o número de partidos que consegue eleger candidatos tem crescido a cada pleito. Naquela ocasião, doze partidos garantiram vaga na Câmara dos Deputados. Em 1990 foram dezoito partidos, em 2002, dezenove, em 2006 vinte e um; em 2010, vinte e dois e, em 2014,

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vinte e oito partidos elegeram pelo menos um candidato à Câmara dos Deputados47.

Com relação aos pleitos presidenciais, o quadro a seguir apresenta os dois principais candidatos com os respectivos partidos que os apoiam, em cada uma das disputas.

Quadro 1: Principais candidaturas e apoios partidários nos pleitos presidenciais de 1989 a 2014.

1989 Lula (PT) Collor (PRN)

PT, PSB, PCdoB PRN, PSC, PTR, PST

1994 Lula (PT) Fernando Henrique Cardoso (PSBD)

PT, PPS,PSB, PC do B, PV PSDB, PFL, PTB

1998 Lula (PT) Fernando Henrique Cardoso (PSDB)

PT, PDT, PSB, PC do B, PCB PSDB, PFL, PPB, PTB, PSD

2002 Lula (PT) José Serra (PSDB)

PT, PL, PMN, PCB, PC do B) PSDB, PMDB, PFL

2006 Lula (PT) Geraldo Alckmin (PSDB)

PT, PMDB, PRB, PC do B PSDB, PFL, PPS 2010

Dilma (PT) José Serra (PSDB)

PT, PMDB, PDT, PC do B, PSB, PR,

PRB, PSC, PTC, PTN PSDB, DEM, PPS, PMN, PT do B 2014

Dilma (PT) Aécio Neves (PSDB)

PT, PMDB, PSD, PP, PR, PDT, PRB,

PROS, PC do B PSDB, SD, PMN, PEN, PTN, PTC, DEM, PT do B, PTB

Fonte: Composição própria a partir de dados oficiais coletados nas páginas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP)

Importa salientar que nos pleitos presidenciais de 1989, 1994 e 1998, a candidatura do Partido dos Trabalhadores concentrava suas coligações somente com partidos vinculados a correntes de esquerda no espectro ideológico partidário. Tal tendência muda visivelmente a partir do pleito de 2002, quando o Partido dos Trabalhadores amplia sua base de apoio para outros partidos de corrente ideológica de centro e direita. Juntamente com essa ampliação, vieram os apoios das lideranças e políticos evangélicos que, desde

47 Fonte: http://www2.camara.leg.br/deputados/liderancas-e-bancadas/bancadas/bancada-na- eleicao

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1989 demonizavam48 a candidatura de Luis Ignácio Lula da Silva (Freston, 1994; Mariano, 1999; Mariano, 2009; Oro e Mariano, 2010)

Ainda que deputados estaduais e federais possam ser eleitos com votos de segmentos opositores aos grupos religiosos, como no caso de feministas e homossexuais49, defensores da descriminalização do aborto e do casamento homoafetivo, por exemplo, a atividade parlamentar dos representantes desses grupos pode ser dificultada na medida em que os parlamentares religiosos colocam efetivas resistências internas para a aprovação dos projetos cujas bandeiras possibilitaram a eleição pelos votos de uma parcela minoritária. Além disso, assessores entrevistados revelam o caso de parlamentares que não se reelegeram porque defendiam projetos considerados polêmicos, como aqueles que previam direitos civis à população LGBT e, especialmente o caso do PLC 122/2006, que previa a criminalização da homofobia e, após intensos embates que serão apresentados mais adiante nesta tese, foi apensado ao projeto de reformulação do Código Penal.

Nas eleições majoritárias à Presidência da República, a necessidade de negociação e formação de alianças com segmentos opostos surge ainda no período da campanha eleitoral. É nesse momento que representantes dos mais diversos movimentos vão buscar o comprometimento dos candidatos com relação às suas reivindicações. Sendo eleito, o governante passa a receber a cobrança das promessas firmadas durante a campanha eleitoral.

Importante frisar que o Brasil adota o sistema político conhecido como presidencialismo de coalizão. Cientistas políticos explicam os efeitos desse

48 A demonização, pelos pentecostais, do Partido dos Trabalhadores e da candidatura de Lula

nas eleições de 1989, 1994 e 1998 tem sido amplamente mencionada pelos pesquisadores da relação entre religião e política. Caberia destacar os trabalhos de Freston (1994), Mariano (1999 e 2009), Pierucci, 1996; Baptista, 2009, Oro e Mariano (2010), entre outros.

49 Uma rápida análise na composição do perfil dos parlamentares eleitos para o Congresso

Nacional revela que tanto o movimento feminista quanto o movimento homossexual não possuem representantes na proporção de sua população. A deputada federal Iara Bernardi (PT/SP) em entrevista concedida em 2013 define que “isso não dá voto, pelo contrário, tira”. Outra assessora entrevistada (ateia) também confirma que o “movimento LGBT não consegue eleger seus representantes, porque não tem dinheiro para campanha” e também porque “o movimento está escondido, nos guetos”. Além disso, outro assessor entrevistado (católico) confirma que “o movimento é muito dividido, há muitas organizações (...) e o movimento não consegue lançar e sustentar um candidato”.

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sistema para a democracia brasileira. Inicialmente o termo foi cunhado pelo cientista político Sérgio Abranches, para quem

O Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o ‘presidencialismo imperial’, organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei (...) ‘presidencialismo de coalizão` (...) É um sistema caracterizado pela instabilidade, de alto risco e cuja sustentação baseia-se, quase exclusivamente, no desempenho corrente do governo e na sua disposição de respeitar estritamente os pontos ideológicos ou programáticos considerados inegociáveis, os quais nem sempre são explícita e coerentemente fixados na fase de formação da coalizão” (Abranches, 1988: 22-27). Sérgio Abranches (1988) retrata um sistema presidencialista com poder parlamentar distribuído entre vários partidos, levando o presidente eleito a firmar alianças que seriam mais comuns no sistema parlamentarista. Assim, é preciso construir alianças com os diferentes partidos no sentido de estabelecer uma maioria que venha a formar a base de sustentação do governo. Justamente por reunir partidos e lideranças com orientações políticas diversas, a coalizão revela forte disputa interna e contradições nas ações realizadas quando comparado com o programa inicial do governo eleito. Deste modo abrigando uma pluralidade de interesses heterogêneos, o sistema é descrito pelo autor como um dilema institucional brasileiro. A idéia de dilema vem do fato de que, diferente do sistema parlamentarista, no presidencialismo, a legitimação ao cargo máximo da nação vem através do voto direto. No entanto, isso não torna o governo independente. Ao contrário, ele precisa construir uma maioria de apoio no Congresso para poder governar. O Congresso por sua vez, ainda que tenha poder para influenciar na condução do governo, não possui força política o suficiente para conduzir o governo como deseje. Ou seja, os dois poderes são interdepentendes.

De acordo com o cientista político inglês Timothy Power (2011), o presidencialismo de coalizão não é exclusividade do sistema brasileiro na medida em que governos de coalizão são encontrados em 78% dos países que adotam o sistema parlamentarista e 66% dos países presidencialistas. No caso brasileiro, a pesquisa de Power (2011) demonstra que a maioria dos parlamentares, apesar de apoiar o sistema, o associa com práticas negativas como o clientelismo, corrupção, rotatividade partidária, morosidade nas

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decisões e até mesmo incerteza quanto ao resultado das urnas, na medida em que o eleitor escolhe o presidente mas não prevê as alianças que serão formadas e que caracterizarão o futuro governo. Para Power,

essa mistura entre atitudes positivas e negativas em relação à governança coalizacional ecoa o veredito dado por Kurt Weyland em sua recente avaliação do regime político brasileiro como um todo: ‘a crescente sustentabilidade de uma democracia de baixa qualidade no Brasil’. (Power, 2011: 25.)

Diferentemente da conceitualização proposta por Abranches (1988) que pontua diversos fatores institucionais promotores de risco de instabilidade política entre o executivo e o legislativo através desse sistema, autores como Figueiredo e Limongi (1999; 2003) e Santos (2003) sugerem que o Brasil consolidou um sistema político que, a exemplo do parlamentarismo, garantiria ao executivo um domínio sobre a agenda do parlamento. Segundo Moisés (2011),

Os constituintes de 1987-88 decidiram manter as prerrogativas outorgadas ao presidente da República pelo regime autoritário de 1964- 1985 no que tange ao direito de iniciar legislação. A exemplo do antigo decreto-lei, eles institucionalizaram o poder exclusivo do executivo de emitir medidas provisórias capazes de alterar de imediato o status quo; confirmaram a prerrogativa unilateral dos presidentes de introduzir legislação tributária e o orçamento da união e, no mesmo sentido, ampliaram a sua competência quanto à organização administrativa do Estado, as decisões sobre os efetivos das forças armadas e as medidas de política externa, como tratados internacionais. Em poucas palavras, as análises mostraram que os presidentes brasileiros podem iniciar com exclusividade legislação em áreas específicas e forçar unilateralmente a sua apreciação pelo legislativo, utilizando-se para isso tanto de prerrogativas constitucionais – pedidos de urgência na votação de matérias do seu interesse ou emissão de medidas provisórias com força de lei -, como de procedimentos regimentais que centralizaram o processo de tomada de decisões no Congresso Nacional em mãos das mesas diretoras e do Colégio de Líderes. Os presidentes podem, assim, impedir que eventuais minorias parlamentares venham a se constituir em veto-players capazes de dificultar ou bloquear as suas iniciativas. Além disso, o executivo tem em mãos, além da distribuição de cargos aos partidos que formam a sua base de apoio, a liberação das emendas individuais dos parlamentares apresentadas quando da aprovação do orçamento federal (Abranches, 1988; Amorim Neto, 2006; Santos, 2003). (Moisés, 2011: 8-9)

Figueiredo e Limongi (2003) revelam a eficiência do sistema em impor restrições à atuação especificamente legislativa dos parlamentares, limitando

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assim a sua eficácia institucional. Segundo os autores, o Congresso Nacional teria amarrado as próprias mãos, ao aceitar uma configuração institucional que delega a iniciativa e o poder de agenda ao executivo. Ainda assim, os autores afirmam que os parlamentares podem ou não aprovar as iniciativas dos governos. Moisés (2011), no entanto, sugere que desde a Constituinte o que mais tem acontecido é o Congresso desempenhar um papel mais reativo ao invés de propostivo. E as poucas iniciativas que lançam limitam-se a poucas políticas distributivistas, localistas e simbólicas, em grande parte incapazes de alterar o sistema vigente ou de introduzir políticas públicas relevantes. Em razão disso, diagnostica um processo de “encarceramento ou travamento” do parlamento, comprometendo parte de sua autonomia e capacidade de ação (Santos, 2003). Para Moisés,

A supremacia do executivo sobre o parlamento tem sido tão grande, após a democratização, que acabou por transformá-lo – e não o Congresso Nacional – no grande legislador no Brasil. (Moisés, 2011: 8)

O autor defende ainda que essa delegação da maioria legislativa ao executivo

traduz as expectativas do contingente majoritário dos eleitores, mas as minorias – como as eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010 demonstraram – podem somar perto de 50% dos eleitores; assim, a pluralidade de interesses que constitui as sociedades complexas implica em que, quando os governos majoritários não incluem as preferências das minorias em suas iniciativas, alguns setores da sociedade têm de apoiar-se – afora ações na esfera do poder judiciário – nas instituições de representação para expressar as suas preferências a respeito das políticas públicas relevantes, mesmo se essas não corresponderem aos objetivos ou à vontade imediata do executivo. (Moisés, 2011: 10)

Considerando esses fatores, o autor sustenta a democracia representativa brasileira como de baixa qualidade no sentido de o poder legislativo possuir menos autonomia para de fato exercer as funções de representação da sociedade, bem como a fiscalização e controle do poder executivo. Nesse aspecto, destaca-se de extrema importância para os parlamentares evangélicos aqui estudados, a aproximação e alianças com o executivo no sentido de garantir que a presidência da república esteja

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comprometida com a implementação de política públicas afinadas aos interesses desse segmento social.

Com relação à filiação partidária desses parlamentares evangélicos, há dois partidos que merecem destaque na medida em que concentram grande número de evangélicos e assim, nos auxiliam a compreender a atividade religiosa na política democrática brasileira. Trata-se do PSC (Partido Social Cristão) e do PRB (Partido Republicano Brasileiro), os quais apresento brevemente a seguir.

3.1.1 O Partido Social Cristão (PSC)

O Partido Social Cristão (PSC) é criado em 1985 e obtém seu registro definitivo em 1990, quando elege o governador do estado de Alagoas - Geraldo Bulhões. Inspirado pelos ideais do ex vice-presidente da república Pedro Aleixo50, o PSC nasce

sustentado na Doutrina Social Cristã, inspirado nos valores e propósitos do Cristianismo, em busca de uma sociedade justa, solidária e fraterna. O Cristianismo, mais do que uma religião, representa para o PSC um estado de espírito que não segrega, não exclui nem discrimina. Aceita a todos, independentemente de credo, cor, raça, ideologia, sexo, condição social, política, econômica ou financeira.51

Já em 1989, o PSC integra a coligação que elege Fernando Collor de Mello pelo PRN (Partido da Renovação Nacional) como presidente do Brasil, contra o candidato Luiz Ignácio Lula da Silva do PT (Partido dos Trabalhadores). Desde as eleições de 2002, o PSC tem representado em sua sigla parte importante dos parlamentares que compõem a Frente Parlamentar Evangélica. Para a assessora Daniela (membro da Igreja do Evangelho Quandrangular) da Frente Parlamentar Evangélica, “o PSC nasceu para abrigar esse povo”. Segundo ela, embora a maioria dos partidos considere a objeção

50 Pedro Aleixo foi constituinte em 1934, apoiador do golpe que instituiu o Estado Novo em

1937 e um dos fundadores da UDN (União Democrática Nacional). Liderança civil no golpe de 1964, filiou-se à Arena e se tornou ministro da Educação e Cultura no governo Castelo Branco em 1966 e vice-presidente da República na gestão de Artur Costa e Silva, no período de 1967