5.6 Tecnologias Dispon´ıveis
5.6.3 Tipo de tecnologias de Cogera¸c˜ao
5.6.3.4 Sistemas de Cogera¸c˜ao com C´elula de Combust´ıvel
As c´elulas de combust´ıvel s˜ao equipamentos cujo funcionamento se baseia na hidr´olise que, ao contr´ario da eletr´olise que consiste na decomposi¸c˜ao da ´agua atrav´es da absor¸c˜ao de eletricidade, aproveita a energia qu´ımica das rea¸c˜oes entre o hidrog´enio e o oxig´enio para gerar energia el´etrica [31] [26].
De acordo com [32], teoricamente, uma c´elula de combust´ıvel possui uma vida ´util infinita pois apenas necessita do fornecimento de hidrog´enio e oxig´enio. J´a as c´elulas comuns de l´ıtio, por exemplo, consomem os seus pr´oprios el´etrodos limitando desta forma o seu tempo de vida.
Os autores de [19] referem que estes equipamentos s˜ao constitu´ıdos por dois el´etrodos e um eletr´olito. A fun¸c˜ao do eletr´olito ´e a de atuar como um meio que permita aos
5.6. TECNOLOGIAS DISPON´IVEIS 101
Figura 5.11 – Motor Stirling, configura¸c˜ao alfa. Fonte: [19].
i˜oes (H+, OH−
, O2−, entre outros) atravessarem e alternarem entre os el´etrodos.
Na parte exterior, existe uma liga¸c˜ao el´etrica entre os dois el´etrodos em que um funciona como c´atodo e o outro como ˆanodo, sendo nesta zona que se liga o recetor (carga). O ˆanodo ´e alimentado pelo combust´ıvel enquanto que o c´atodo pelo oxidante. Considerando o caso de maior simplicidade, em que o combust´ıvel ´e o hidrog´enio, as rea¸c˜oes eletroqu´ımicas que ocorrem s˜ao as seguintes [31]:
ˆ
Anodo: H2 −−→ 2 H++ 2 e–
C´atodo: O2+ 4 H++ 4 e– −−→ 2 H2O
102 CAP´ITULO 5. COGERAC¸ ˜AO E MICRO-COGERAC¸ ˜AO
el´etrico at´e ao c´atodo, originando desta forma uma corrente el´etrica cont´ınua. A rea¸c˜ao global do processo ´e a seguinte [31]:
2 H2+ O2 −−→ 2 H2O
A figura 5.12 ilustra o esquema de funcionamento de uma c´elula de combust´ıvel.
Figura 5.12 – Esquema de funcionamento de uma c´elula de combust´ıvel. Fonte: [34].
Atualmente, existem pelo menos cinco tipos de c´elulas de combust´ıvel [26]:
• C´elula de combust´ıvel de ´acido fosf´orico – PAFC (Phosphoric Acid Fuel Cell); • C´elula de combust´ıvel alcalina – AFC (Alkaline Fuel Cell);
• C´elula de combust´ıvel de carbonatos fundidos – MCFC (Molten Carbonate
Fuel Cell );
• C´elula de combust´ıvel de ´oxidos s´olidos – SOFC (Solid Oxide Fuel Cell); • C´elula de combust´ıvel com membrana de permuta prot´onica – PEMFC
5.6. TECNOLOGIAS DISPON´IVEIS 103
Na tabela 5.2 s˜ao apresentadas as especifica¸c˜oes de cada um dos tipos de c´elulas acima mencionados [31].
Tabela 5.2 – Especifica¸c˜oes das diferentes c´elulas de combust´ıvel. Adaptado de: [31]. Tipo de Eletr´olito Portador Temperatura Combust´ıvel Eficiˆencia Intervalos c´elula da Carga de Opera¸c˜ao El´etrica de Potˆencia
Hidrog´enio
AFC KOH OH- 60–90oC Puro 55–60% <7 kW
Pol´ımeros Hidrog´enio
PEFMC s´olidos H+ 70–90oC Puro, 35–45% 5 – 250 kW
tolera CO2
´
Acido Hidrog´enio
PAFC Fosf´orico H+ ≃ 200oC Puro, 35–45% 200 kW
tolera CO2
L´ıtio e H2,
MCFC Carbonato CO2−3 600–650oC CO, 45–55% 2–3 MW
de Pot´assio CH4
Eletr´olito H2,
SOFC de ´oxido O2− ≃ 1000oC CO, 45–55% 50kW – 5MW
s´olido CH4
Os dois principais tipos de c´elulas de combust´ıvel desenvolvidos para Micro- Cogera¸c˜ao s˜ao as PEMFC e as SOFC [24] [35].
Nas figuras5.13e5.14est˜ao ilustrados os esquemas de funcionamento das tecnologias PEFMC e SOFC, respetivamente.
104 CAP´ITULO 5. COGERAC¸ ˜AO E MICRO-COGERAC¸ ˜AO
Figura 5.13 – Esquema de funcionamento de uma c´elula PEFMC. Fonte: [36].
Figura 5.14 – Esquema de funcionamento de uma c´elula SOFC. Fonte: [37].
5.6.3.5 Sistemas de Cogera¸c˜ao com ciclo Rankine orgˆanico
O principio de gera¸c˜ao de eletricidade utilizando o processo do ciclo de Rankine orgˆanico corresponde praticamente ao ciclo de Rankine convencional, tendo apenas como diferen¸ca o facto de que, em vez de ser usada ´agua, ´e utilizado um fluxo orgˆanico com um ponto de ebuli¸c˜ao inferior ao da ´agua. Desta forma, ´e poss´ıvel aproveitar o calor a partir de fontes com temperaturas mais baixas [32].
5.6. TECNOLOGIAS DISPON´IVEIS 105
O flu´ıdo de trabalho ´e injetado no evaporador ocorrendo a sua evapora¸c˜ao por aplica¸c˜ao de calor. O vapor resultante ´e conduzido ´a turbina onde ´e expandido e, no final do processo, condensado, recorrendo a um fluxo de ´agua fria ou atrav´es de contacto com o ar ambiente. O fluxo condensado ´e conduzido novamente para o evaporador fechando desta forma o ciclo termodinˆamico [32].
A figura 5.15ilustra o esquema de funcionamento de um sistema que implementa o ciclo de Rankine.
Figura 5.15 – Esquema de funcionamento do ciclo Rankine. Fonte: [38].
Segundo [32], este tipo de equipamentos ´e mais frequentemente utilizado na ind´ustria de processamento de madeira e em redes de DHC (District Heating and
Cooling). Para sistemas de dimens˜oes muito pequenas ´e complicado obter valores
106 CAP´ITULO 5. COGERAC¸ ˜AO E MICRO-COGERAC¸ ˜AO
5.6.4
Compara¸c˜ao
entre
as
diferentes
tecnologias
de
Cogera¸c˜ao
Tendo em conta que a sele¸c˜ao da tecnologia de Cogera¸c˜ao a implementar num determinado projeto ´e um fator crucial para o sucesso do mesmo, ´e necess´ario uma an´alise cuidada uma vez que a decis˜ao depende de diversos fatores. Cada tecnologia tem os seus pr´os e contras, impostos pelas suas caracter´ısticas. Na tabela
5.3apresentada de seguida s˜ao enumeradas as principais diferen¸cas e vantagens entre cada uma das tecnologias descritas neste cap´ıtulo [19] [20] [24] [26] [27]:
5 .6 . T E C N O L O G IA S D IS P O N ´IV E IS 1 0 7
Tabela 5.3 – Vantagens e desvantagens das diferentes tecnologias de cogera¸c˜ao em estudo. Adaptado de: [19] [20] [24] [26] [27].
Tecnologia Vantagens Desvantagens
M ot or es alt er n at iv
os ◮Custos de investimento baixos; ◮Manuten¸c˜oes frequentes; ◮Eficiˆencia elevada em carga parcial ◮Motores ruidosos;
◮Tempos de arranque reduzidos; ◮Gases emitidos extremamente poluentes; ◮Elevado tempo de vida; ◮Elevado n´ıvel de vibra¸c˜oes.
◮Elevada fiabilidade;
◮Tecnologia plenamente desenvolvida;
M ic ro -t u rb in
as ◮Dimens˜oes e peso reduzidos; ◮Custos elevados;
◮Pouco poluente; ◮S´o disponibilizam calor a baixas temperaturas; ◮N˜ao necessitam refrigera¸c˜ao; ◮Tecnologia ainda em fase de matura¸c˜ao; ◮Elevado tempo de vida;
◮Manuten¸c˜oes reduzidas; M ot or es S ti rl in
g ◮Manuten¸c˜ao reduzida; ◮Custos elevados;
◮Baixos n´ıveis de ru´ıdo; ◮Fiabilidade ainda em d´uvida;
◮Emiss˜oes reduzidas de poluentes; ◮Tecnologia ainda em fase de matura¸c˜ao; ◮N˜ao precisa de caldeira suplementar;
◮Elevado rendimento te´orico
P ilh as co m b u st ´ıv
el ◮Baixos n´ıveis de ru´ıdo; ◮Custos muito elevados; ◮Pouco poluente; ◮Fiabilidade duvidosa;
◮Dimens˜oes compactas; ◮Necessitam pr´e-processamento de combust´ıvel; ◮Modularidade; ◮Tecnologia em fase de matura¸c˜ao;
◮Manuten¸c˜oes reduzidas; ◮Temperaturas altas nas SOFC; ◮Necess´aria cont´ınua sa´ıda de calor;
C ic lo R a n ki n
e ◮Eficiˆencia muito elevada; ◮Elevado n´ıvel de vibra¸c˜oes;
◮F´acil arranque e paragem; ◮Invi´avel para instala¸c˜oes com necessidades ◮Pouca manuten¸c˜ao; energ´eticas diminutas;
◮Tempo de vida longo;
108 CAP´ITULO 5. COGERAC¸ ˜AO E MICRO-COGERAC¸ ˜AO
Na tabela 5.4 apresentada de seguida s˜ao enumeradas algumas caracter´ısticas de opera¸c˜ao e custos t´ıpicos de algumas das tecnologias de Cogera¸c˜ao [19] [20] [24] [26] [27]:
Tabela 5.4 – Caracter´ısticas de opera¸c˜ao e custos t´ıpicos de algumas das tecnologias de cogera¸c˜ao em estudo. Adaptado de: [19] [20] [24] [26] [27].
Tipo de Turbinas Motores Otto Motores Turbinas Micro- Pilhas de Tecnologia a g´as a G´as Natural Diesel a vapor turbinas Combust´ıvel Rendimento 15-35% 22-40% 25-45% 10-40% 18-29% 35-45% El´etrico Rendimento 40-60% 40-60% 40-60% 40-60% 40-60% 20-50% T´ermico Rendimento 60-85% 70-80% 70-85% 60-85% 55-75% 55-90% Global Potˆencia 0,2-100 0,05-5 0,015-30 0,5-100 0,03-0,35 0,01-0,25 T´ıpica (MWe) Rela¸c˜ao 1,25-2 0,4-1,7 0,4-1,7 2-10 1-2,5 1,1 Pt/Pe Desempenho
Mau M´edio Bom Bom M´edio Muito Bom
a Carga Parcial Custo de 600-800 700-1400 700-1400 700-1900 1300-2500 >2500 Investimento (e/kWe) Custos de 2-7 7-15 6-12 3 10 2-12 O&M (e/MWhe) Intervalos de 30000 - 24000 - 25000 - >50000 5000 - 10000 - Manuten¸c˜ao (h) 50000 60000 30000 40000 40000 Tempos de 10m-1h 10s 10s 1h-1d 1m 3h-2d arranque
Ru´ıdo M´edio Alto Alto Alto M´edio Baixo
Densidade de
20-500 35-50 35-50 >100 5-70 5-20
6
Valoriza¸c˜ao de Sub-Produtos
em ETAR
6.1
Estabiliza¸c˜ao Anaer´obia
6.1.1
Considera¸c˜oes gerais
O tratamento de ´aguas residuais conduz `a produ¸c˜ao de lamas como subprodutos dos processos f´ısicos, qu´ımicos e biol´ogicos que ocorrem numa ETAR. A figura 6.1
apresenta um diagrama de uma linha convencional de ´aguas residuais urbanas, com especial destaque para as opera¸c˜oes das quais resulta a produ¸c˜ao de lamas, bem como a sequˆencia de tratamento da fase s´olida.
Geralmente, as lamas s˜ao o resultado das opera¸c˜oes de decanta¸c˜ao e de oxida¸c˜ao biol´ogica da mat´eria orgˆanica. De acordo com os autores [39], as lamas produzidas tˆem que ser sujeitas a tratamentos espec´ıficos e adequados para:
• reduzir o seu conte´udo em ´agua e, consequentemente, o volume ocupado;
• estabilizar a mat´eria orgˆanica;
• possibilitar o cumprimento das disposi¸c˜oes legais relativas ao destino final das 109
110 CAP´ITULO 6. VALORIZAC¸ ˜AO DE SUB-PRODUTOS EM ETAR
Figura 6.1 – Diagrama esquem´atico de uma linha de tratamento convencional de ´aguas residuais. Adaptado de [2].
lamas, quer para valoriza¸c˜ao agr´ıcola, quer para deposi¸c˜ao em aterro sanit´ario ou central de compostagem.
Segundo [40] e [41], o processo de estabiliza¸c˜ao anaer´obia permite:
• a estabiliza¸c˜ao bioqu´ımica das lamas;
• a destrui¸c˜ao de parte significativa dos microrganismos patog´enicos presentes nas lamas;
• a produ¸c˜ao de biog´as;
• a limita¸c˜ao da emiss˜ao de odores provenientes da mat´eria orgˆanica em decomposi¸c˜ao;
• o favorecimento da eficiˆencia da etapa de desidrata¸c˜ao.
No entanto, apesar do processo de estabiliza¸c˜ao anaer´obia apresentar diversas vantagens, est˜ao tamb´em associadas algumas limita¸c˜oes, tais como [39]:
6.1. ESTABILIZAC¸ ˜AO ANAER ´OBIA 111
• decomposi¸c˜ao parcial da mat´eria orgˆanica;
• velocidades de rea¸c˜ao lentas, o que exige a constru¸c˜ao de digestores volumosos e dispendiosos;
• vulnerabilidade do processo a inibidores;
• produ¸c˜ao de sobrenadante com concentra¸c˜oes elevadas de s´olidos vol´ateis e compostos azotados;
• presen¸ca de humidade e de contaminantes no biog´as, como di´oxido de carbono e sulfureto de hidrog´enio;
• presen¸ca de siloxanos vol´ateis no biog´as que podem danificar os equipamentos de convers˜ao energ´etica (motogerador, caldeira, entre outros) pela forma¸c˜ao de micro-cristais de s´ılica.
6.1.2
Caracteriza¸c˜ao do processo
Segundo os autores de [2], a estabiliza¸c˜ao anaer´obia ´e um processo que se baseia na decomposi¸c˜ao da mat´eria orgˆanica e inorgˆanica na ausˆencia de oxig´enio, resultando biomassa estabilizada e uma mistura gasosa composta maioritariamente por metano e di´oxido de carbono. No decorrer do processo, a mat´eria orgˆanica vol´atil presente nas lamas ´e convertida em gases, representando uma quantidade que pode variar entre 45 e 55%, de acordo com a rea¸c˜ao qu´ımica apresentada de seguida [42]:
C5H7O2N + 3 H2O −−→ 5
2CO2+ 52CH4+ NH3
em que a primeira parcela (C5H7O2N) representa a mat´eria vol´atil biodegrad´avel.
Segundo v´arios autores, de entre os quais [39], [43], [44] e [45], o processo de estabiliza¸c˜ao anaer´obia pode ser dividido em quatro fases distintas, em fun¸c˜ao da natureza dos microrganismos que atuam no processo e do tipo de processamento
112 CAP´ITULO 6. VALORIZAC¸ ˜AO DE SUB-PRODUTOS EM ETAR
do substrato. Estas quatro fases s˜ao designadas por hidr´olise, acidog´enese, acetog´enese e metanog´enese.
A figura 6.2 apresentada de seguida representa um diagrama do processo de estabiliza¸c˜ao anaer´obia de forma simplificada.
Figura 6.2 – Diagrama simplificado do processo de estabiliza¸c˜ao anaer´obia. Adaptado de [44] e [45].
• Hidr´olise: a mat´eria orgˆanica insol´uvel e os compostos com elevado peso molecular (p.e., prote´ınas, l´ıpidos, entre outros) s˜ao degradados em substˆancias orgˆanicas sol´uveis (p.e., amino´acidos e a¸c´ucares). A degrada¸c˜ao destes compostos ´e efetuada a partir da liberta¸c˜ao de enzimas extra-celulares
6.1. ESTABILIZAC¸ ˜AO ANAER ´OBIA 113
(celulases, amilases, proteases e lipases) por bact´erias anaer´obias que decomp˜oe as mol´eculas complexas em compostos mais simples [2] [46].
• Acidog´enese: os mon´omeros formados na etapa anterior podem, deste modo, entrar nas c´elulas das bact´erias anaer´obias para se proceder `a sua fermenta¸c˜ao, bem como `a oxida¸c˜ao dos ´acidos gordos de cadeia longa e alco´ois a ´acidos gordos vol´ateis [2] [47].
• Acetog´enese: ocorre a decomposi¸c˜ao dos produtos da acidog´enese, nomeadamente os ´acidos gordos vol´ateis, em acetato, di´oxido de carbono e hidrog´enio, e tamb´em do pr´oprio di´oxido de carbono e hidrog´enio em acetato [45] [47] [2].
• Metanog´enese: corresponde `a convers˜ao do ´acido ac´etico e da mistura composta por hidrog´enio e por di´oxido de carbono, em metano [2].
6.1.3
Tipos de digestores
6.1.3.1 Caracteriza¸c˜ao geral
O processo de estabiliza¸c˜ao anaer´obia ´e realizado em reatores, tamb´em denominados digestores, onde os microrganismos (biomassa) entram em contacto com a mat´eria orgˆanica a estabilizar (substrato) em condi¸c˜oes de ausˆencia de oxig´enio molecular [2].
Quanto ao modo como os reatores s˜ao alimentados e quanto `a forma de extra¸c˜ao dos res´ıduos digeridos, os digestores podem ser classificados como descont´ınuos (batch) ou cont´ınuos. Os digestores descont´ınuos s˜ao alimentados alternadamente com a descarga do res´ıduo digerido. Os digestores cont´ınuos mantˆem uma quantidade constante de res´ıduo em digest˜ao, sendo que a quantidade de res´ıduo inserida ´e igual `a quantidade de res´ıduo extra´ıda [47].
Dentro dos digestores cont´ınuos, pode ainda ser feita uma divis˜ao em trˆes grandes grupos [45]:
114 CAP´ITULO 6. VALORIZAC¸ ˜AO DE SUB-PRODUTOS EM ETAR
• digestores de biomassa suspensa: os microrganismos encontram-se suspensos no material em digest˜ao, formando grˆanulos. A sua permanˆencia no reator depende da capacidade de sedimenta¸c˜ao desses agregados de microrganismos. S˜ao mais utilizados no tratamento de lamas ou ´aguas residuais com elevadas concentra¸c˜oes de mat´eria orgˆanica biodegrad´avel em suspens˜ao. Exemplos:
— reator de mistura completa (CSTR - continuously stirred tank reactor ); — reator de leito de lamas de fluxo ascendente (UASB - upflow anaerobic
sludge blanket);
— reator de contacto;
— reator de fluxo-pist˜ao (plug-flow );
• digestor de biomassa fixa: a reten¸c˜ao dos microrganismos ´e promovida atrav´es de meios de suporte inertes nos quais se fixam, formando uma pel´ıcula fina (tamb´em designada de biofilme) conservada no interior do reator. S˜ao mais apropriados a ´aguas residuais cuja mat´eria orgˆanica se encontra maioritariamente na forma sol´uvel, por forma a evitar a sua colmata¸c˜ao. Exemplos:
— filtro anaer´obio de fluxo ascendente ou descendente; — reator de leito fluidizado ou expandido;
• digestores h´ıbridos: podem ser utilizados no tratamento de ´aguas residuais com teores de s´olidos em suspens˜ao numa faixa relativamente ampla, se bem que a sua eficiˆencia seja mais elevada para cargas orgˆanicas sol´uveis. Exemplo:
— filtro h´ıbrido.
Segundo [47], do conjunto de digestores referidos, destacam-se os reatores de biomassa suspensa, em geral, e os reatores de mistura completa, em particular, por serem os mais aplicados na estabiliza¸c˜ao de lamas em ETAR. As suas principais caracter´ısticas s˜ao:
6.1. ESTABILIZAC¸ ˜AO ANAER ´OBIA 115
• reator de mistura completa, CSTR: as lamas a digerir s˜ao misturadas com o conte´udo do digestor, sendo o contacto entre os microrganismos e o substrato proporcionado por uma agita¸c˜ao eficiente do material em digest˜ao. Uma vez que este tipo de reator n˜ao prevˆe qualquer mecanismo de reten¸c˜ao da biomassa, ´e necess´ario garantir que o tempo de reten¸c˜ao hidr´aulico ´e superior `a velocidade de crescimento das popula¸c˜oes microbianas;
• reator de leito de lamas de fluxo ascendente, UASB: a reten¸c˜ao da biomassa no digestor ´e conseguida pela tendˆencia natural que os microrganismos apresentam para formar densos agregados (entre 1 e 5 mm de diˆametro) pass´ıveis de sedimentar no interior do reator, sem necessidade de uma part´ıcula inerte de suporte inicial. Os grˆanulos de biomassa de maior dimens˜ao e velocidade de sedimenta¸c˜ao formam um manto de lamas na zona inferior do digestor, enquanto os flocos mais leves e com menor concentra¸c˜ao de biomassa se situam na zona superior. O g´as produzido e alguma biomassa flutuante s˜ao separados da fase l´ıquida por interm´edio do separador g´as-s´olido- l´ıquido instalado no topo do digestor;
• reator de contacto: a principal caracter´ıstica do processo de contacto consiste no controlo da perda de biomassa atrav´es da sua separa¸c˜ao da fase l´ıquida e recircula¸c˜ao ao digestor. Desta forma, ´e poss´ıvel manter uma concentra¸c˜ao de biomassa elevada no reator. Contudo, ´e expect´avel que durante o processo de separa¸c˜ao da biomassa (por sedimenta¸c˜ao, flota¸c˜ao ou centrifuga¸c˜ao) e posterior recircula¸c˜ao ocorra uma redu¸c˜ao da atividade metanog´enica da biomassa;
• reator de fluxo-pist˜ao: o substrato, ao ser introduzido numa das extremidades do reator, induz a desloca¸c˜ao de toda a massa no interior do digestor e a consequente sa´ıda de lama digerida em quantidade igual `a da lama introduzida. A existˆencia de zonas segmentadas no interior do reator contribui para que o tempo de reten¸c˜ao da biomassa seja superior ao tempo de reten¸c˜ao hidr´aulico do res´ıduo. Estes reatores podem ser desprovidos de equipamentos eletromecˆanicos ou podem ser agitados atrav´es de um agitador
116 CAP´ITULO 6. VALORIZAC¸ ˜AO DE SUB-PRODUTOS EM ETAR
de eixo horizontal. Geralmente, s˜ao utilizados na digest˜ao de res´ıduos pecu´arios semi-s´olidos, apresentando um rendimento idˆentico aos CSTR.
Os autores de [39] classificam ainda os digestores anaer´obios como sendo de baixa ou alta carga. No caso dos digestores de baixa carga, s˜ao mais f´aceis de conceber e necessitam de um per´ıodo de digest˜ao de 30 a 60 dias. Normalmente, as lamas em digest˜ao n˜ao s˜ao aquecidas nem agitadas. Apesar do biog´as produzido induzir alguma mistura, verifica-se a estratifica¸c˜ao dos res´ıduos digeridos nas seguintes quatro zonas de diferentes densidades: camada superficial de escumas, sobrenadante que retorna `a linha de tratamento da fase l´ıquida da instala¸c˜ao de tratamento, lamas em digest˜ao e lamas digeridas, como pode ser observado na figura 6.3.
Segundo [48], este tipo de reatores apenas s˜ao aplic´aveis em pequenas esta¸c˜oes de tratamento de ´aguas residuais.
Os digestores de alta carga diferem dos anteriores pelo facto do substrato ser aquecido e completamente misturado, e de serem alimentados a uma taxa cont´ınua. A combina¸c˜ao destes fatores concorre para a estabilidade das condi¸c˜oes do processo de digest˜ao, o que se repercute no aumento da sua eficiˆencia e permite a constru¸c˜ao de digestores de menores dimens˜oes. O esquem´atico de um digestor de alta carga pode ser observado na figura 6.4 apresentada de seguida.
Nos reatores de mistura completa, o tempo de reten¸c˜ao hidr´aulico (TRH) ´e idˆentico ao tempo de reten¸c˜ao de s´olidos (TRS). A mistura da lama em digest˜ao pode ser assegurada pela recircula¸c˜ao do g´as libertado no processo de digest˜ao, pelo seu bombeamento ou por agitadores mecˆanicos. O aquecimento das lamas em digest˜ao ´e efetuado por interm´edio de permutadores de calor. A alimenta¸c˜ao constante do reator ´e um aspeto que se reveste de particular importˆancia, especialmente para as bact´erias metanog´enicas, de modo a manter a estabilidade do processo e a evitar choques de carga [48].
Segundo [41], os processos de digest˜ao de alta carga s˜ao, geralmente, concebidos em duas fases, acoplando um digestor de alta carga a um segundo reator. Neste ´ultimo ocorre a separa¸c˜ao s´olido-l´ıquido, permitindo a acumula¸c˜ao e posterior extra¸c˜ao
6.1. ESTABILIZAC¸ ˜AO ANAER ´OBIA 117
Figura 6.3 – Diagrama esquem´atico de um digestor de baixa carga. Adaptado de [39].
das lamas digeridas e sa´ıda de sobrenadante. A figura 6.5 apresentada de seguida apresenta um diagrama esquem´atico simplificado do funcionamento do processo de digest˜ao anaer´obio em duas fases.
O autor de [49] enumera algumas desvantagens da utiliza¸c˜ao do processo em duas fases destacando-se as seguintes duas:
• as bact´erias acidog´enicas, quando presentes no reator onde ocorre a metanog´enese, induzem a flota¸c˜ao das lamas, afetando negativamente a reten¸c˜ao da biomassa no digestor e a qualidade do sobrenadante;
118 CAP´ITULO 6. VALORIZAC¸ ˜AO DE SUB-PRODUTOS EM ETAR
Figura 6.4 – Diagrama esquem´atico de um digestor de alta carga. Adaptado de [39].
• custos significativamente superiores aos custos de utiliza¸c˜ao de um ´unico reator.
Os digestores podem apresentar diversos formatos, sendo os trˆes mais comuns apresentados na figura 6.6 apresentada de seguida.
Vantagens do formato cil´ındrico:
• permite armazenar um volume significativo de biog´as;