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Sistemas de remuneração e tempo de trabalho

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2. NOVOS DIREITOS

2.2. Sistemas de remuneração e tempo de trabalho

As propostas relacionadas aos sistemas de remuneração e tempo de tra- balho serão tratadas conjuntamente, pois a maior parte das empresas faz o pagamento dos trabalhadores considerando o tempo utilizado para executar determinada atividade.

Algumas empresas que adotam o trabalho sob demanda por meio de apli- cativos, como a Uber, têm um sistema de remuneração e de distribuição de ati- vidades opaco, em que há poucas informações disponíveis ao trabalhador sobre os seus ganhos e a demanda por atividades. As dificuldades são expressivas: (i) quando uma tarefa é oferecida, o trabalhador não tem conhecimento do valor que receberá e do tempo que gastará se aceitar executá-la; (ii) não se tem qualquer

590 PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises and perils of work in the gig econo-

my. cit., p. 112.

dado concreto sobre os fatores que influenciam o aumento do valor da tarefa quando há excesso de demanda em um certo local; (iii) os trabalhadores não têm acesso aos dados sobre a média da demanda relacionada aos locais e horários do dia em que os clientes solicitam o serviço. Ou seja, percebe-se que há uma elevada imprevisibilidade no tocante à quantidade de trabalho disponível, aos momentos em que haverá demanda e aos ganhos que terão.

Para rebalancear a discrepância de poderes entre os trabalhadores e as em- presas, concebem-se as seguintes medidas: (i) divulgação do tempo e do valor estimados para a execução da tarefa no momento em que for apresentada a oferta; (ii) divulgação dos fatores que influenciam na definição do valor da atividade nos casos em que a oscilação da demanda é levada em consideração; (iii) revelar informações acerca dos padrões da demanda temporal e espacialmente.

A adoção de medidas nesse sentido traria benefícios imediatos aos traba- lhadores. Em primeiro lugar, por permitir que tivessem maiores informações para decidir se aceitam ou recusam a execução de uma tarefa. Tendo em vista que há plataformas que estabelecem taxas mínimas de aceitação de atividades para o trabalhador conseguir se manter ativo, informar o valor e o tempo da tarefa permite que as recusas ocorram de forma mais embasada e consciente. Em segundo, existindo informações sobre o funcionamento da oscilação do preço do trabalho, pode-se organizar a atividade para estar ou não estar presente quando há preço dinâmico. Por fim, sabendo de antemão a probabilidade das demandas dos clientes das plataformas, os trabalhadores podem organizar o seu tempo de forma mais efetiva, desenvolvendo atividades nos horários em que há maior pro- cura de serviços ou dirigindo-se para as áreas em que existem mais pedidos em seus momentos disponíveis para a execução de tarefas.

Outro aspecto que favoreceria os trabalhadores seria a fixação de um salário mínimo por hora, com o objetivo de garantir um rendimento que lhes possibi- litem viver dignamente e não os levem a trabalhar excessivamente para tanto. Os ganhos e a carga horária dos trabalhadores, especialmente daqueles que de- pendem das empresas para sobreviverem, como apontado nos capítulos 3 e 4, mostram a importância dessa medida.

A cidade de Nova Iorque (EUA) adotou iniciativa nesse sentido. Em agosto de 2018, foi promulgada legislação que garante aos motoristas de empresas pro- prietárias de plataforma do setor de transporte o recebimento de US$ 17,22 por hora, calculado após a exclusão das despesas. Nos casos em que o motorista não

obtiver esse valor em uma hora, a empresa deve complementar o restante. Essa lei não tratou do enquadramento legal dos motoristas592.

Nesse sentido, Janine Berg sugere a aplicação do salário mínimo no crowdwork. A remuneração nessa forma de trabalho se aproxima do salário por peça. Assim, considerando que os tomadores de serviço estipulam o tempo apro- ximado para a realização da tarefa demandada e que existem meios tecnológicos aptos a mensurar o tempo de trabalho, seria viável exigir o pagamento do salário mínimo no crowdwork. Isso se torna mais fácil para aquelas empresas, como a Amazon Mechanical Turk, que exigem a realização de todas as atividades em sua plataforma593.

Jeremias Prassl aponta que países europeus construíram respostas para horários contingentes, como a obrigação de os empregadores assegurarem um mínimo de horas de trabalho a cada semana ou mês ou o direito de os trabalhadores requererem uma carga horária mínima após um determinado período de prestação de serviços. Contudo, essas medidas podem ser insu- ficientes, especialmente se a quantidade de horas garantidas for baixa e se antes do lapso temporal para solicitar um mínimo de horas, os empregadores dispensarem os trabalhadores594.

O autor ainda apresenta uma outra alternativa para a remuneração dos tra- balhadores em contexto de imprevisibilidade da carga horária: o preço dinâmico da remuneração no capitalismo de plataforma. A proposta é que o valor da hora do trabalhador classificado como casual, ou seja, aquele que não tem um número mínimo de horas garantido por mês, seja superior em relação ao trabalhador contratado em tempo integral. A Austrália, que inspirou a proposta, adota esse mecanismo, em que o valor-hora do trabalhador casual é 25% superior em rela- ção àquele em tempo integral595.

Existem alguns motivos que justificam a adoção desse mecanismo: (i) os trabalhadores casuais recebem menos benefícios e merecem ser recom- pensados por isso; (ii) os casuais geralmente têm produtividade maior que os demais trabalhadores, considerando que atuam somente nos períodos de au- mento da demanda da empresa; (iii) trata-se de uma forma de recompensar os

592 WOLFE, Jonathan; LEVINE, Alexandra. New York today: Capping Uber. The New York Times, New York, 15 ago. 2018. Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/08/15/

nyregion/new-york-today-sunglasses-eye-safety.html. Acesso em: 01 set. 2018.

593 BERG, Janine. op. cit., p. 572.

594 PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises and perils of work in the gig

economy. cit., p. 108.

trabalhadores que estão em situação de insegurança econômica; (iv) no longo prazo, tende a motivar os empregadores a ter uma maior força de trabalho em tempo integral, a partir da mensuração e estabilização da demanda, uma vez que o valor-hora desses trabalhadores é mais barato. Um dos desafios é encontrar quão superior deve ser a hora do trabalhador casual, não devendo ser tão baixa, para não ser mais atrativo contratar somente esses trabalhado- res, nem tão alta, para que os trabalhadores em tempo integral não tentem ser reclassificados como casuais e para não tornar esse instrumento uma forma de comercialização de direitos596.

Especificamente em relação ao tempo de trabalho, a Organização Interna- cional do Trabalho divulgou, em novembro de 2016, o relatório Non-standard employment around the world: Understanding challenges, shaping prospects. O documento destacou a necessidade de, entre outras medidas, garantir para os trabalhadores sob demanda e casuais um mínimo de horas por semana e regras que assegurem previsibilidade para a programação dos horários de trabalho. O objetivo dessas regras é fazer com que os contratos atípicos não sejam adotados com o único objetivo de reduzir custos e que os trabalhadores também possam usufruir dos benefícios dessas modalidades contratuais597.

Valerio de Stefano, Antonio Aloisi e Six Silberman sugerem a regula- ção do tempo mínimo de trabalho para os trabalhadores no capitalismo de plataforma, a partir das regras para o emprego casual (ou intermitente), com inspiração no modelo holandês, em que se adquire o direito a uma quantidade mínima de horas de trabalho com base na média do tempo trabalhado nos quatro meses anteriores598.

Existem iniciativas que estabelecem restrições ao máximo de horas que os trabalhadores podem desempenhar as suas atividades. Na maior parte dos casos, essas regulações são introduzidas sob a justificativa de prevenir a fadiga do motorista, zelando por sua saúde e segurança, assim como a dos passageiros. Nos Estados Unidos e na África do Sul, a Uber estabeleceu como regra geral que, após 12 horas de trabalho, o motorista fica obrigatoriamente 6 horas se- guidas desconectado599. Em algumas cidades norte-americanas, a regulação é

596 PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises and perils of work in the gig econo-

my. cit, p. 110.

597 INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Non-standard employment around the world: Understanding challenges, shaping prospects. Geneva: ILO, 2016, p. 281-283; 338-339. 598 DE STEFANO, Valerio; ALOISI, Antonio; SILBERMAN, Six. op. cit.

599 UBER. Another step to prevent drowsy driving; Id. Introducing a new feature: driving hours

limit. Disponível em: https://www.uber.com/en-ZA/blog/driving-hours-limit. Acesso em: 12 nov. 2018.

mais restrita: em Chicago, os motoristas podem dirigir no máximo 10 horas a cada período de 24 horas e, em Nova Iorque, além dessa regra, os trabalhadores só podem realizar atividades por 60 horas na semana600. Em Portugal, a Lei n.

45/2018 previu em seu art. 13, 1 que os motoristas não podem dirigir por mais de 10 horas dentro de um período de 24 horas, independentemente do número de empresas para as quais prestem serviços. Ainda, o art. 13, 2 indica que é respon- sabilidade das empresas instituir mecanismos que assegurem a observância dos limites de jornada. Em todos esses casos, contabiliza-se como tempo de trabalho somente o período em que o motorista está transportando passageiros.

Ainda sobre o tempo de trabalho, há debate sobre as relações entre flexibi- lidade da jornada de trabalho, controle das atividades pelas empresas e a classi- ficação dos trabalhadores no capitalismo de plataforma.

Vili Lehdonvirta afirma que, para analisar devidamente a flexibilidade, é necessário distinguir aquela em que o trabalhador controla os seus horários da outra em que seu chefe é responsável por determiná-los. Enquanto a primeira é positiva para os trabalhadores, a segunda é negativa, dado que é fonte de incer- teza e inviabiliza o planejamento da vida do trabalhador601.

Na pesquisa que o autor desenvolveu com trabalhadores de três empresas que adotam crowdwork, incluindo a Amazon Mechanical Turk, foi identificada correlação entre o tipo de flexibilidade com a disponibilidade para trabalhar e a dependência do trabalho. No caso de ampla disponibilidade e baixa dependência, há flexibilidade controlada pelo trabalhador. Nas situações de pouca disponi- bilidade e alta dependência, a flexibilidade é controlada pela empresa ou pelo cliente. Existindo pouca disponibilidade e baixa dependência, os horários são estabelecidos conforme a coincidência de necessidade entre trabalhador e em- presa ou cliente. Por fim, quando há ampla disponibilidade e alta dependência, compartilha-se o poder de decisão dos horários entre trabalhadores e empresas ou consumidores602.

Jeremias Prassl afirma que as empresas geralmente associam a liberda- de de os trabalhadores estabelecerem os seus próprios horários de trabalho com independência, o que seria possível somente em uma relação de trabalho autônomo. A classificação dos trabalhadores como empregados afetaria essa

600 UBER. New York City TLC’s driving hours rule. Disponível em: https://www.uber.com/

pt-US/drive/new-york/resources/driving-hour-limits. Acesso em: 12 nov. 2018; Id. City of Chicago ordinance: operating hours cap. Disponível em: https://www.uber.com/pt-US/drive/ chicago/resources/driving-hour-limits. Acesso em: 12 nov. 2018.

601 LEHDONVIRTA, Vili. op. cit., p. 15-16. 602 Id. Ibid., p. 24.

característica, uma vez que o horário de trabalho invariavelmente passaria a ser controlado pela empresa603.

Cynthia Estlund, ao analisar o caso Uber, coloca que o enquadramento dos trabalhadores como empregados naturalmente aumentaria a rigidez do tempo de trabalho. Há sentido econômico nisso: em primeiro lugar, porque pode obter van- tagens com o controle da jornada dos motoristas, o que não é feito atualmente, pois a empresa os considera autônomos; em segundo, porque lhe permitiria ge- renciar os custos associados à relação de emprego de maneira mais eficiente, como não permitir a realização de horas extras604.

Benjamin Sachs discorda do argumento de Cynthia Estlund. De acordo com o autor, a flexibilidade dos horários gerenciada pelos motoristas é a razão do sucesso da Uber. A empresa depende de uma grande força de trabalho à dispo- sição para atender às constantes oscilações de demanda. A Uber não consegue gerenciar essa flexibilidade, sendo que o seu modelo de negócios foi construído a partir de uma tecnologia que lhe permite funcionar sem ter essa capacidade. Ainda, a Uber utiliza a flexibilidade como elemento central de propaganda para atrair motoristas e transmitir uma imagem positiva para a opinião pública605.

Em relação ao gerenciamento de custos, o autor afirma que a empresa pode colocar um limite máximo diário e semanal para que os motoristas não recebam por horas extras, sendo que flexibilidade não deveria significar trabalhar longas horas606. Ainda, como mencionamos, já há limitação do número de horas que os

motoristas podem dirigir em vários países e cidades dos EUA.

Benjamin Sachs afirma que não existe razão para que a Uber passe a clas- sificar os motoristas como empregados e, necessariamente, altere a flexibilidade de horários que os trabalhadores usufruem. Como exemplo, menciona o caso da empresa Instacart, em que trabalhadores fazem compras para os clientes da empresa, que os contrata como empregados e oferece grande liberdade para que decidam os seus horários de trabalho607.

603 PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises and perils of work in the gig econo-

my. cit., p. 115.

604 ESTLUND, Cynthia. Why flexibility is not just a trope. OnLabor, Cambridge, 17 may

2018. Disponível em: https://onlabor.org/why-flexibility-is-not-just-a-trope. Acesso em: 17 maio 2018.

605 SACHS, Benjamin. Uber, flexibility and employee status. OnLabor, Cambridge, 18 may

2018. Disponível em: https://onlabor.org/uber-flexibility-and-employee-status. Acesso em: 18 maio 2018.

606 Id. Ibid.

607 Id. Ibid.; INSTACART. Get paid to shop! Disponível em: https://shoppers.instacart.com.

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