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A CNUDM previu a criação de órgãos específicos para a resolução de litígios decorrentes da aplicação, ou interpretação das normas, ou em razão do descumprimento dos princípios previstos na Convenção, além de prever a possibilidade de acionamento da Corte Internacional de Justiça. Assim, os órgãos designados para o julgamento das controvérsias são os seguintes: a) Tribunal Internacional do Direito do Mar (Anexo VI da CNUDM); b) Corte Internacional de Justiça; c) tribunal arbitral, conforme o Anexo VII e d) tribunal arbitral especial, nos termos do Anexo VIII (Artigos 287, § 1 e 288, § 2)308.

Como observa Menezes , a jurisdição do Tribunal é imperativa, salvo a possibilidade de o Estado escolher outro órgão julgador309, dentre os relacionados no artigo 287 da CNUDM. Cabe salientar que a escolha pelo órgão julgador pode ser feita em qualquer momento, de forma escrita, independentemente da prévia existência de controvérsia, podendo ser até mesmo no momento da assinatura da Convenção e, em havendo revogação, ainda persistirá por três meses, não afetando os processos em tramitação. Por outro lado, em havendo diferença entre os tribunais escolhidos pelas partes, o processo deve ser encaminhado ao tribunal arbitral (Anexo VII). Por fim, também cabe destacar que, em razão da especialidade, a opção pelo tribunal não afasta a competência da Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos do Tribunal Internacional do Direito do Mar (Artigo 287, §§ 1, 2, 5, 6, 7)310, sendo uma opção à liberdade de escolha do órgão julgador.

305 RANGEL, Vicente Marotta. Direito e Relações Internacionais: legislação internacional anotada. 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 281.

306 Idem.

307 Ibidem, p, 282.

308 RANGEL, Vicente Marotta, op. cit., p. 335.

309 MENEZES, Wagner. O Direito do Mar. Brasília: Funag, 2015, p. 216. 310 RANGEL, Vicente Marotta, op. cit., p. 335-336.

Apresentada a síntese das opções dos órgãos órgão julgadores das controvérsias, passa-se à abordagem individual dos órgãos.

O primeiro dos órgãos elencados é o Tribunal Internacional do Direito do Mar (Artigo 287, § 1, a). Conforme observa Menezes , esse tribunal busca disciplinar a utilização e delimitação do mar, meio economicamente relevante conforme referido, alvo de disputas entre os povos, além de ser um espaço com biodiversidade essencial para a manutenção das espécies, inclusive a humana, bem como, também, tem competência consultiva referente a Acordos Internacionais relacionados às finalidades da CNUDM311. Nos termos do Artigo 1, § 2, do Anexo VI da CNUDM, a sede do Tribunal fica em Hamburgo, Alemanha312.

A composição do Tribunal é feita por 21 juízes, com mandatos de 9 anos, renováveis, e renovação periódica do Tribunal de 7 membros a cada 3 anos, sendo estes eleitos em votação secreta, com base na reputação de imparcialidade, integridade e reconhecida competência sobre o direito do mar (Artigo 2, § 1, Anexo VI) 313, sendo que não poderá haver mais de um juiz da mesma nacionalidade e devendo haver, ao menos, 3 membros de cada um dos cinco grupos geográficos (Artigos 3, 4, §4 e 5, §1)314 África, Ásia, América Latina e Caribe, Europa Ocidental e Europa Oriental e outros grupos315, não havendo impedimento se um dos juízes for da mesma nacionalidade de uma das partes litigiosas, nesse caso a outra parte poderá designar uma pessoa para participar como membro do Tribunal, ou ainda, em não havendo a inclusão de um membro nacional das partes, cada uma também poderá indicar uma pessoa para atuar como membro do Tribunal, porém, também deve ter reconhecido saber e conduta ilibada, não pode ter participado na questão que está sob análise anteriormente, seja como advogado ou como juiz de outro tribunal e deve prestar declaração solene de imparcialidade ( Artigo 17, §§ 1, 2, 3 e 6, Anexo VI)316.

Conforme aponta Menezes , o Tribunal dispõe da Câmara de Procedimento Sumário, a quem compete análise de medidas cautelares, Câmara para disputas sobre a pesca; Câmara para o meio ambiente marinho; Câmara para disputas de delimitação marítima; Câmara de controvérsias sobre fundos marinhos ad hoc, que é composta por 3 juízes e a Câmara especial, sobre a conservação e exploração sustentável do Oceano Pacífico317.

311 RANGEL, Vicente Marotta. Direito e Relações Internacionais: legislação internacional anotada. 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 213 e 216.

312 Ibidem, p. 349. 313 Ibidem, p. 349-350. 314 Ibidem, p. 350-351.

315 United Nations Regional Groups of Member States. 2014. Disponível em: <http://www.un.org/depts/ DGACM/RegionalGroups.shtml>. Acesso em: 07 mar. 2017.

316 RANGEL, Vicente Marotta, op. cit., p. 352-353.

No que tange ao processo, as disputas são encaminhadas através de petição escrita ou por notificação de acordo especial, devendo haver a indicação das partes e o objeto da controvérsia, sendo o pedido direcionado Escrivão. Recebido o pedido, o Escrivão deve notificar, imediatamente, todos os interessados, bem como todos os Estados-partes, podendo ser decretadas medidas provisórias (medida cautelar), se for o caso (Artigos 24 e 25 do Anexo VI) 318.

As audiências devem ser dirigidas pelo Presidente ou pelo Vice-presidente ou até pelo juiz mais antigo, sucessivamente, em caso de ausências, devendo ser públicas, salvo solicitação das partes ou por decisão ex officio do Tribunal (Artigo 26, Anexo VI)319.

A tramitação do processo, a forma e prazos são decididos pelo Tribunal. Preliminarmente, o tribunal deve analisar o processo quanto à própria competência, bem como se há fundamentação de fato e de direito. Também é de destacar-se que o não comparecimento de uma das partes ou a ausência de defesa não impede o prosseguimento do processo, sendo que a outra parte pode pedir o julgamento à revelia (Artigo 28, Anexo VI) 320.

Referente às decisões, as mesmas são tomadas por maioria dos membros presentes e, em caso de empate, o voto que decidirá será o do Presidente do Tribunal ou de quem o esteja substituindo. As decisões devem ser fundamentadas, constando o nome dos membros do Tribunal que decidiram o caso e, na hipótese de divergência, é possível juntar o voto em apartado. Dessa decisão cabe um pedido de intervenção, caso afete o direito de terceiro Estado-parte, sendo que a decisão favorável será obrigatória ao interveniente. A sentença do Tribunal é definitiva, não havendo grau recursal e deve ser acatada pelas partes da controvérsia, tendo força obrigatória somente para as partes. Na hipótese de desacordo sobre o sentido ou desacordo da sentença, as partes podem peticionar para que o Tribunal a interprete, à semelhança dos embargos de declaração. Por fim, no que se refere às custas dos processos, cada parte arcará com as mesmas, salvo decisão em sentido contrário do Tribunal (Artigos, 29 ao 34 do Anexo VI)321.

O Tribunal Internacional de Direito do Mar também dispõe da Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos, composta por 11 membros, representantes dos principais sistemas jurídicos e com distribuição regional equitativa, com mandato de 3 anos, com a possibilidade de reeleição, sendo que os processos pendentes devem ser julgados pela

318 RANGEL, Vicente Marotta. Direito e Relações Internacionais: legislação internacional anotada. 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 354.

319 Idem.

320 Ibidem, p. 355. 321 Ibidem, p. 355-366.

formação original. No que diz respeito à câmara ad hoc, anteriormente referido, se as partes não concordarem com a composição, cada parte indicará um membro e o terceiro deve ser indicado por ambos, em comum acordo. Em não havendo acordo ou designação o Presidente da Câmara deve promover as designações após a consulta às partes. Deve ser salientado que os membros da câmara ad hoc não podem ser nacionais das partes ou estar a serviço delas (Artigos 35 e 36 do Anexo VI )322.

Conforme Menezes o Tribunal Internacional do Direito do Mar se distingue pelo fato de ser acessível “aos Estados-membros, entidades, empresas privadas, órgãos governamentais ou empresas governamentais, pessoas naturais ou jurídicas, alargando assim seu poder de atuação”323.

Outra possibilidade de solução de controvérsias é através da arbitragem especial, nos termos do Anexo VII da CNUDM. Basicamente, a submissão à arbitragem pode ser feita mediante notificação escrita à outra parte, com a exposição da pretensão e dos motivos. A composição do tribunal é feita com 5 árbitros, devendo a parte que iniciar o procedimento escolher um membro, preferencialmente a partir da lista de árbitros mantida pelo Secretário- Geral das Nações Unidas, podendo ser da mesma nacionalidade da parte autora, devendo essa indicação também constar na notificação inicial. Por sua vez, a parte demandada tem 30 dias, a partir do recebimento da notificação, para escolher um membro do tribunal, nos mesmos moldes dos requisitos previstos para a parte autora, sendo que os demais 3 membros devem ser designados por acordo entre as partes. As decisões, questões preliminares, revelia (Artigo 28, Anexo VI)324, interpretação da decisão, e caráter definitivo da sentença seguem os moldes do procedimento referido em relação ao Tribunal Internacional de Direito do Mar, porém, com a possibilidade de apelação, caso as partes assim tenham combinado previamente (Artigo 11)325.

A CNUDM, em seu Anexo VIII também previu a possibilidade de submissão da controvérsia a uma arbitragem especial. Em essência, esse procedimento difere do anterior em razão do caráter restritivo quanto às matérias de competência, ou seja, a controvérsias deve ser referente à pesca, à proteção e preservação do meio marinho ou navegação, incluindo a poluição proveniente embarcações e por alijamento (Artigo 1, Anexo VIII)326. Outra diferença é que ao passo que no procedimento anterior havia uma lista de árbitros, em lista mantida pelo

322 RANGEL, Vicente Marotta. Direito e Relações Internacionais: legislação internacional anotada. 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 356-357.

323 MENEZES, Wagner. Tribunais Internacionais: jurisdição e competência. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 216. 324 RANGEL, Vicente Marotta, op. cit., p. 355.

325 Ibidem, p. 359. 326 Ibidem, p. 360.

Secretário-Geral da ONU, no presente procedimento que está em análise, são elaboradas listas de árbitros, sendo que o referente à pesca a lista fica a cargo da Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO); quanto à preservação do meio marinho a lista de peritos cabe ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA); em relação à investigação científica a lista cabe à Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI/UNESCO) e, por fim, no que se refere à navegação e poluição proveniente das embarcações e alijamento a lista de peritos cabe à Organização Marítima Internacional (OMI). Também difere do procedimento anterior, em razão de que cada parte pode designar dois peritos, sendo que o presidente do tribunal será escolhido de comum acordo entre as partes. Também é possível solicitar a realização de investigação sobre os fatos que originaram a controvérsia e, se solicitado por todas as partes, podem ser formuladas recomendações sem força decisória, servindo de base para exame pelas partes das questões de origem da controvérsia (Anexo VIII)327.

Por fim, também existe a opção pela Corte Internacional de Justiça, principal órgão judiciário da ONU, instituída pela Carta de São Francisco de 1945, com sede Haia, Holanda, formada por 15 juízes, indicados pelos Estados-membros da ONU, sendo cada juiz de uma nacionalidade e estando acessível unicamente aos Estados328, ao contrário do que ocorre com o Tribunal Internacional do Direito do Mar. Como se trata de órgão externo à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, não se entrará em maior detalhamento, sendo trazidas essas breves referências a guisa de comparação com os órgãos julgadores previstos na CNUDM e seus anexos.

Após elencar os órgãos jurisdicionais previstos para a solução de controvérsias no âmbito da CNUDM, é digno de nota que a referência para a ampla capacidade postulatória, prevista em seus Tribunais, é coerente com a universalidade dos mares no conceito de res communis, não sendo matéria, portanto, exclusivamente de política internacional.

Por outro lado, a composição do Tribunal também apresenta paridade questionável, eis que, de acordo com o artigo 3, do Anexo VI da CNUDM o fato da distribuição ser de 5 grupos, a garantia de 3 membros por grupo faz com que se garanta um mínimo, porém, não há previsão para restrição ao máximo de membros por grupo. Ou seja, em tese, seria possível que um grupo fosse representado por 9 membros.

327 RANGEL, Vicente Marotta. Direito e Relações Internacionais: legislação internacional anotada. 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 360-362.

328 MENEZES, Wagner. Tribunais Internacionais: jurisdição e competência. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 161- 162.

Também cabe destacar que, na representação da Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos, existe a exigência de que estejam presentes as representações dos principais sistemas jurídicos do mundo, ou seja, se de um lado assegura o ingresso de juízes com formação em sistemas jurídicos consolidados, por outro lado, é um critério não absolutamente preciso, podendo essa formação jurídica levar à manutenção de entendimento correspondente aos interesses das potências hegemônicas, justamente em razão do grau de desenvolvimento atingido por esses Estados.

Por fim, com a criação da Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos restou evidenciada a importância da “área”, em termos de proteção à biodiversidade, diante dos interesses econômicos, sendo esta considerada patrimônio comum da humanidade. Todavia, não há legislação correspondente à coluna de água acima dessa mesma área, em alto mar, sendo meio ambiente de absoluta importância à biodiversidade em geral e à manutenção da vida na terra, razão pela qual essa temática será abordada no capítulo seguinte.

4 O DEBATE PARA UM NOVO INSTRUMENTO JURÍDICO PARA A