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SISTEMAS LIVRES DE GAIOLAS: CAGE-FREE, FREE RANGE, A PASTO OU PASTOREIO E CAIPIRA, COLONIAL OU CAPOEIRA

198 MOLENTO, Carla Forte Maiolino; HAMMERSCHMIDT, Janaina. Perícia em bem-estar animal nos crimes de maus-tratos contra animais. In: TOSTES, Raimundo Alberto; REIS, Sérvio Túlio Jacinto; CASTILHO, Valdecir Vargas (Org.). Tratado de Medicina Veterinária Legal. Curitiba: Medvep, 2017, p. 351.

199 GORDILHO, Heron José de Santana. Abolicionismo animal. Salvador: Evolução, 2008, p. 141-148. 200 MOLENTO; HAMMERSCHMIDT, op. cit., 2017, p. 355.

Como visto acima, no sistema de criação convencional, o de gaiolas em baterias, as galinhas poedeiras passam a vida toda presas em gaiolas superlotadas, não têm acesso ao ambiente externo e não podem expressar seu comportamento natural – acocorar-se, caminhar, correr, voar, abrir e esticar as asas, ter acesso a pastos e pastejar, ciscar, forragear, tomar banho de areia, tomar sol, botar ovos em ninhos e empoleirar-se –, o que causa estresse e desconforto enormes para aves.

Considerando-se que tal sistema de criação foi proibido na UE, conforme detalharei melhor no próximo capítulo, os países-membros desenvolveram sistemas de criação de poedeiras livre de gaiolas, nos quais as aves ficam alojadas em galpões201, podendo realizar diversos comportamentos naturais que são importantes para o bem-estar da espécie, tais como caminhar, voar, botar ovos em ninhos, tomar banhos de areia, abrir e esticar as asas, ciscar, empoleirar-se e, dependendo do tipo do sistema, ter acesso a pastos202.

Esses sistemas são cage-free, a pasto ou pastoreio, free-range e caipira, colonial ou capoeira. Neles, com exceção do primeiro, as aves têm acesso a uma área externa, embora passem a maior parte do tempo num galpão.

No sistema cage-free as galinhas não ficam presas em gaiolas, porém não têm acesso a áreas externas. Elas ficam soltas nos galpões, com acesso a ninhos, poleiros, local para banho de areia, além de espaço para fugas203. Todavia, esse sistema de criação impede o exercício de alguns comportamentos naturais básicos ao bem-estar das aves, tais como pastejar, forragear, ciscar e tomar sol, de modo que, embora melhores do que as gaiolas em bateria, não proporcionam bem-estar de acordo com os padrões vistos no tópico precedente e nos que serão vistos no último capítulo. Quanto ao espaço mínimo exigido por galinha nesse sistema, varia de 0,09 metros quadrados a 1,14 metros quadrados por ave, dependendo do tipo de alojamento204.

A criação a pasto ou pastoreio é aquela em que aves adultas são mantidas, durante os doze meses do ano, em uma área externa com vegetação viva. As aves têm acesso ao pasto a partir de saídas de alojamentos móveis ou fixos, nos quais são mantidas fechadas durante a noite para proteção contra predadores, sendo “proibido mantê-las fechadas continuamente 24

201 CARVALHO, Larissa Carrion. et al. Bem-Estar na Produção de Galinhas Poedeiras – Revisão de Literatura. Revista Científica de Medicina Veterinária - Ano XIV - Número 28 – Janeiro de 2017. Disponível em: <http://revistas.bvs-vet.org.br/rcemv/article/view/32575/40831>. Acesso em: 24 out. 2017, p. 06.

202 BAUDUCCO anuncia política livre de gaiolas. Fórum Animal. 2018. Disponível em: <https://www.forumanimal.org/single-post/2018/03/29/Bauducco-anuncia-pol%C3%ADtica-livre-de-

gaiolas>. Acesso em: 29 mar. 2018. 203 CARVALHO, op. cit., 2017, p. 07.

horas do dia sem acesso ao pasto por mais de 14 dias consecutivos”205. É de um hectare para mil aves o espaço mínimo de área externa exigida pelos Padrões de Cuidado Animal para Criação a Pasto206, o que significa 0,10 metros quadrados por galinha.

Já na criação a pasto sazonal, as aves devem ser mantidas em área externa durante todos os meses do ano em que haja pasto disponível e a temperatura externa não gere uma preocupação para o seu bem-estar. Somente se a temperatura externa estiver abaixo de zero graus Celsius as aves podem ser mantidas continuamente em alojamento interno. A área exigida é a mesma daquela determinada para a Criação a Pasto207.

Já no sistema free-range, as aves têm acesso a pastagens quando o clima permitir, podendo se alimentar de forragem e pequenos insetos, e ficam em contato direto com o solo, realizando banhos de areia, botando seus ovos em ninhos e empoleirando-se. Assim, esse sistema possui um potencial benéfico sobre o bem-estar das aves, uma vez que não reprime seus instintos, como movimentar-se, ciscar, voar, abrir as asas, limpar as penas, pastejar. Os Padrões da HFAC determinam que “o espaço mínimo de área externa exigido pelos Padrões de Cuidado Animal para Free-Range é de 0,19m2 por ave”208, sendo que todos os outros padrões devem ser atendidos, inclusive o espaço mínimo de área interna, conforme visto anteriormente para a criação cage-free.

Por fim, de acordo com a Norma Técnica ABNT NBR 16437:2016209, o sistema de produção de ovos comerciais oriundos de galinhas caipiras (espécie Gallus gallus domesticus) é aquele em que as aves têm acesso a áreas de pastejo em sistema semiextensivo e que não recebam aditivos zootécnicos, melhoradores de desempenho e anticoccidianos profilaticamente. O espaço mínimo de área externa exigida é de 0,5 metros quadrados por ave210.

Carvalho et. al. destacam que a presença de galos, buscando garantir o comportamento reprodutivo natural à espécie, resulta em menor mortalidade e maior produção de ovos, bem como em redução do sentimento de medo das aves211. Apontam, ainda, estudos segundo os

205 HUMANE FARM ANIMAL CARE. Padrões da HFAC para a Criação de Galinhas Poedeiras. 2018, p. 13. 206 HUMANE FARM ANIMAL CARE. op cit., 2018, p. 13.

207 Ibidem., 2018, p. 13. 208 Ibidem., 2018, p. 13.

209 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16437: Produção, classificação e identificação do ovo caipira, colonial ou capoeira, Rio de Janeiro, 2006.

210 HUMANE FARM ANIMAL CARE. op cit., 2018, p. 13.

211 CARVALHO, Larissa Carrion. et al. Bem-Estar na Produção de Galinhas Poedeiras – Revisão de Literatura. Revista Científica de Medicina Veterinária - Ano XIV - Número 28 – Janeiro de 2017. Disponível em: <http://revistas.bvs-vet.org.br/rcemv/article/view/32575/40831>. Acesso em: 24 out. 2017, p. 08.

quais o bem-estar animal propicia mais saúde e melhor desempenho das aves, relacionando produtividade e viabilidade de uma exploração ao bem-estar animal212.

Para Mateus José Rodrigues Paranhos da Costa, “ao conhecer e respeitar a biologia dos animais que criamos, melhorando seu bem-estar, também obtemos melhores resultados econômicos, quer aumentando a eficiência do sistema de criação, quer obtendo produtos de melhor qualidade ou ambos”213.

Portanto, o argumento de aumento da produtividade pode e deve ser utilizado em benefício do bem-estar das galinhas poedeiras, para que os produtores se convençam de que é melhor também para o seu negócio investir no bem-estar das aves, inclusive por meio da obtenção da certificação de que tratarei no último capítulo. Exemplo disso é o Grupo Mantiqueira, que aumentou a produtividade em cinco por cento ao implementar parcialmente o sistema cage-free214.

Há que se mencionar, ainda, sistemas alternativos às gaiolas em baterias, porém que não implicam a liberdade das aves. São as chamadas gaiolas modificadas ou enriquecidas, dentre as quais se pode citar “gaiolas comuns adaptadas com fitas abrasivas, poleiros e ninhos; gaiolas com os mesmos itens citados anteriormente, porém, com área para banho de areia e capacidade de 60 aves/gaiola e gaiolas iguais ao modelo anterior, mas que abrigam de 5-10 aves apenas”215. As galinhas criadas em tais gaiolas enriquecidas, no entanto, seguem sendo debicadas, para se evitar o canibalismo, bem como “veem seus ciclos de fertilidade alterados para engordar e produzir ovos como máquinas de venda automática”216. Ademais, as gaiolas modificadas ainda impedem alguns comportamentos naturais, tais como forragear e tomar banho de areia217. Por conseguinte, as criações em gaiolas enriquecidas ou modificadas e cage-free não se coadunam com os parâmetros de bem-estar animal, tanto aqueles vistos no tópico precedente

212 CARVALHO, Larissa Carrion. et al. Bem-Estar na Produção de Galinhas Poedeiras – Revisão de Literatura. Revista Científica de Medicina Veterinária - Ano XIV - Número 28 – Janeiro de 2017. Disponível em: <http://revistas.bvs-vet.org.br/rcemv/article/view/32575/40831>. Acesso em: 24 out. 2017, p. 08.

213 PARANHOS DA COSTA, Mateus José Rodrigues. Comportamento e bem-estar de bovinos e suas relações com a produção de qualidade. Simpósio Nacional sobre Produção e Gerenciamento da Pecuária de Corte, 2006, Belo Horizonte. Anais do IV Simpósio sobre Produção e Gerenciamento da Pecuária de Corte. Belo Horizonte-MG: Escola de Veterinária da UFMG, 2006. v. 4, p. 02.

214 RIBEIRO, Cassiano. Maior granja de ovos da América do Sul dá liberdade às galinhas. Revista Globo Rural. 2018. Disponível em: <https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Criacao/Aves/noticia/2018/02/maior- granja-de-ovos-da-america-do-sul-da-liberdade-galinhas-2.html>. Acesso em: 21 mar. 2018.

215 CARVALHO, op. cit., 2017. p. 07.

216 GIMÉNEZ-CANDELA, Marita Teresa. Cuestión de huevos. dA – derecho ANIMAL – FORUM OF ANIMAL LAW STUDIES, Vol. 2, Núm. 1 (2011). Disponível em: <http://revistes.uab.cat/da/article/view/v2- n1-gimenez-candela-2>. Acesso em: 17 jun. 2018, p. 01, tradução nossa.

quanto aqueles que serão vistos no último capítulo, de modo que não poderão obter a certificação de bem-estar animal as granjas que utilizarem esses métodos.

Ressalto, ainda, que, seja qual for o sistema de criação de galinhas poedeiras – gaiolas em bateria, gaiolas enriquecidas ou modificadas, cage-free, free-range, pastoreio ou caipira – os pintinhos continuarão sendo triturados vivos, pois não interessam para a indústria de ovos, bem como as próprias galinhas continuarão sendo enviadas aos abatedouros e sua carne vendida quando não forem mais produtivas.

2 PROTEÇÃO JURÍDICA DAS GALINHAS POEDEIRAS

O capítulo precedente destinou-se a traçar o histórico da exploração animal, desde o surgimento da agricultura até o confinamento das galinhas poedeiras em gaiolas em baterias, bem como a demonstrar a crueldade e os maus-tratos que são característicos desse sistema de criação industrial.

Neste segundo capítulo, narrarei o caminho de volta do especismo, iniciando pelos primeiros pensadores que reincluíram os animais não humanos nas esferas moral e jurídica de consideração. Após, analisarei o movimento animalista, focando no Brasil atual.

Por fim, descreverei as duas principais leis mundiais de proteção animal, quais sejam, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais (DUDA)218 e a Proclamação dos Direitos dos Animais (PDA)219, bem como procurarei elaborar rol exaustivo das leis brasileiras sobre o assunto, concluindo com normas infralegais sobre avicultura e bem-estar animal.