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Snuff, Holocausto Canibal e o início do found footage cinematográfico

2.1 AFINAL, O QUE É ESSE TAL DE FOUND FOOTAGE?

2.1.1 O found footage no cinema, antes de A Bruxa de Blair

2.1.1.1 Snuff, Holocausto Canibal e o início do found footage cinematográfico

- Você já ouviu falar dessa fita de vídeo que te mata quando você a assiste? - Que tipo de fita? - Uma fita. Uma fita comum. As pessoas alugam, eu não sei. Você começa a assistir, e é como se fosse o pesadelo de alguém. Então de repente, essa mulher aparece, rindo para você, certo? Vendo você através da tela. E assim que acaba o seu telefone toca. Alguém sabe que você assistiu. E o que eles dizem é: "você vai morrer em sete dias". O Chamado (The Ring, 2002, direção: Gore Verbinski)

A fala acima é do filme O Chamado (The Ring, 2002, direção: Gore Verbinski), que conta a história dessa fita de vídeo misteriosa que causa a morte daqueles que a assistem.

20 Tradução minha. Original: "allowing us to speculate what it might be like to watch 'real' death with the moral

Trata-se de um longa-metragem que ilustra bem a cultura de certas “fitas malditas” que permeou a imaginação dos jovens que cresceram nas décadas de 1980 e 1990. Nesse período pré-internet era comum se ouvir falar, por exemplo, de fitas que supostamente mostravam mortes reais, que ficaram conhecidas como snuff movies. Não se tem comprovação de que tais fitas existiram, mas mesmo como uma lenda urbana, elas fizeram parte do imaginário popular durante muito tempo, e influenciaram a produção de diversos filmes de ficção (tais como 8mm e Testemunha Muda) que partiam do pressuposto de que os tais snuff movies eram reais, mas se escondiam em um submundo próprio e pouco acessível.

Estes falsos-snuff movies assemelham-se bastante ao found footage, especialmente pela maneira como dependem de uma estética de filmagem aparentemente amadora para que se possa construir o realismo, da mesma maneira que incluem as tecnologias de captação (câmera, microfone, etc.) dentro do seu universo narrativo (Heller-Nicholas, 2014). Ainda assim, os falsos-snuff se diferenciam do found footage – ou ao menos do found footage atual – pelo uso de violência explícita, assemelhando-se mais à estética do cinema pornô. "Dito sem rodeios, a estética snuff é a estética pornográfica, na qual a estética de filmagem amadora é focada em corpos abertos, sejam eles reais ou falsos" (HELLER-NICHOLAS, 2014, p. 58)21. Desta forma, é correto definir o snuff como localizado na “intersecção entre filme, morte e ‘o real’” (HELLER-NICHOLAS, 2014, p. 59)22.

Um exemplo claro disso é uma ficção chamada justamente Snuff (1975, direção: Michael Findlay, Horacio Fredriksson e Simon Nuchtern). Originalmente filmado pelo casal Michael Findlay (diretor) e Roberta Findlay (diretora de fotografia) na América do Sul, o longa era chamado de The Slaughter e era um exploitation baseado nos assassinatos cometidos pela "família" liderada por Charles Manson. A produção foi adquirida pelo distribuidor Allan Shackleton, que não conseguiu distribui-la por conta de problemas de áudio. Assim, Shackleton contratou o diretor Simon Nuchtern para filmar uma cena a mais, que seria adicionada ao final de The Slaughter. A grande jogada de marketing do distribuidor foi dizer que essa última cena era um assassinato real, chegando até mesmo a incluir notícias falsas envolvendo as polêmicas relacionadas a essa cena. Com isso, The Slaughter convenientemente se transforma em Snuff. A necessidade de criar uma polêmica em cima do produto era tanta, que o pôster do filme estampava os dizeres: "O filme que só poderia ser

21 Tradução minha. Original: “Put bluntly, snuff aesthetics are porn aesthetics, where the aesthetics of amateur

filmmaking are focused on opened bodies, be they real or fake”.

feito na América do Sul... onde a vida é BARATA!"23. E "quando a farsa foi exposta, era tarde demais: Snuff tinha capturado o interesse do público, e uma lenda urbana tinha nascido" (HELLER-NICHOLAS, 2014, p. 65)24.

Caso similar aconteceu com a produção italiana Holocausto Canibal (Cannibal Holocaust, 1980) [figura 10], dirigida por Ruggero Deodato. O filme conta a história de um grupo de documentaristas que decide adentrar a floresta amazônica em busca de tribos indígenas – e canibais – nunca antes vistas pelo homem branco. Quando o grupo desaparece na floresta, um professor de antropologia é chamado para liderar uma pequena expedição em busca dos documentaristas. Ele próprio, então, adentra a floresta e depois de algum tempo encontra os restos mortais dos jovens, mortos e devorados por uma tribo de canibais. O professor negocia com os índios e consegue de volta os rolos de filmes captados pelos documentaristas. De volta à civilização, ele assiste a esses filmes, como forma de preparação para um especial de TV sobre o tema. Porém, o conteúdo violento das filmagens – tanto dos índios contra os documentaristas, quanto dos documentaristas contra os índios – faz a emissora desistir de exibir o programa. Um executivo ordena ao projecionista de plantão que destrua o negativo, porém, os dizeres finais do longa afirmam que o tal projecionista foi condenado e teve que pagar uma multa por ter roubado o material.

Dessa forma, levantou a discussão sobre a veracidade daquelas imagens mostradas no “filme dentro do filme” de Deodato. Dez dias após a estreia em Milão, o filme foi apreendido pelos tribunais da Itália, que condenaram o diretor Ruggero Deodato por obscenidade. Pouco tempo depois, o diretor também foi acusado de ter matado os atores na frente das câmeras, e poderia pegar prisão perpétua por isso. Acontece que o elenco tinha assinado um contrato no qual ficava explícito que eles deveriam "desaparecer" por um ano, para manter essa ilusão de que eles tinham mesmo morrido nas filmagens. Foi somente quando os atores apareceram, a pedido do diretor, que este se livrou das acusações de assassinato.

É possível entender os motivos que causaram tal confusão. Além dos dizeres finais a respeito da suposta prisão do projecionista, outras escolhas narrativas utilizadas pelo seu realizador causaram esse tipo de discussão. Enquanto o restante do longa é fotografado e montado de maneira eficaz, as filmagens dos jovens documentaristas são apresentadas de maneira crua, muitas vezes sem som. E parte da violência vista nessas filmagens é mesmo verdadeira. Todas as mortes de animais mostradas ao longo dos rolos são reais e são

23 Tradução minha. Original: “The film that could only be made in South America... where Life is CHEAP!” 24 Tradução minha. Original: “By the time the hoax was exposed, it was too late: Snuff had captured the interest

mostradas de maneira explícita. Em certo momento, por exemplo, os jovens matam uma tartaruga e abrem seu corpo, expondo as vísceras. Em outro, um macaco é decapitado. Em outro ainda, um porco é morto com um tiro. Tudo isso, até onde se sabe, é verdadeiro (o diretor se “justificou” dizendo que todos os animais mortos foram consumidos pela população local). Porém, toda violência empreendida contra os protagonistas é falsa. Foi encenada de maneira extremamente realista, utilizando-se de efeitos de maquiagem e de uma filmagem propositalmente amadora como forma de reafirmar a “realidade” dos “fatos” ali apresentados25.

Figura 10 – Holocausto Canibal (1980)

Fonte: http://www.imdb.com/title/tt0078935/mediaviewer/rm1596005120 (2017)

Outros trabalhos que se utilizaram da violência como indicativo de realidade foram os filmes da franquia japonesa Guinea Pig (1985 - 1988), cuja falsa violência – vendida como verdadeira – causou grande impacto nas plateias, tanto na época do seu lançamento quanto um tempo depois, com a distribuição das "fitas malditas" entre pequenos círculos de interessados nesse tipo de produção. Assim como no found footage contemporâneo, o aparente amadorismo da produção ajudou a criar essa ilusão de realidade, fazendo com que as pessoas acreditassem que as mortes vistas no filme eram mesmo reais – ou seja, que se estava assistindo a um verdadeiro snuff movie. Diz a lenda que o ator Charlie Sheen chegou a contatar o FBI após ter assistido a um desses filmes, acreditando que fosse verdadeiro. Ao

25 Um caso curioso aconteceu com o filme brasileiro Vidas Secas (1963), dirigido por Nelson Pereira dos Santos.

Na ocasião do lançamento do filme no Festival de Cannes, levantou-se a polêmica de que a cadela Baleia tivesse realmente morrido em cena, como é visto no longa. A polêmica cresceu tanto que tiveram que enviar a cachorrinha de avião até a França para provar que ela ainda estava viva. Isso, porém, não foi suficiente para convencer a todos. Houve quem afirmasse que aquela não era a cachorra do filme, já que, conforme diziam, cachorros vira-latas são todos iguais (Fonte: AdoroCinema).

todo, foram produzidos seis filmes da franquia Guinea Pig, todos recheados de violência e realizados com aparente amadorismo. Supostamente, uma das fitas da série foi encontrada na coleção pessoal de Tsutomu Miyazaki, conhecido serial killer japonês, e na época especulou- se que ele havia reencenado algumas das cenas vistas nos filmes.

Nos EUA, outra franquia utilizava muitos desses mesmos artifícios para se vender como verdadeira. Trata-se de As Faces da Morte (Faces of Death, 1978 – 1999, direção: John Alan Schwartz). Supostamente composta de cenas de mortes reais, As Faces da Morte empregava um formato que automaticamente se relaciona com a ideia de realismo – o documentário –, além de utilizar alguns dos mesmos artifícios de Holocausto Canibal, ao misturar cenas reais de mortes de animais com outras encenadas, nas quais eram vistas as supostas mortes de pessoas. Apesar de terem sido produzidos antes mesmo do filme de Deodato (o primeiro As Faces da Morte é de 1978), estes filmes ganharam notoriedade ao longo das décadas de 1980 e 1990, com a ascensão das vídeolocadoras. Curiosamente, muitas locadoras não sabiam como classificar essas produções. Algumas os colocavam nas prateleiras destinadas ao terror, e outras ao lado dos documentários. Ao todo, foram produzidos quatro filmes diferentes da franquia As Faces da Morte, além de outros três compilados com os seus "melhores momentos" – lançados com os títulos de The Worst of Faces of Death (1987), Faces da Morte V (Faces of Death V, 1995) e Faces da Morte VI (1996) – além de um último “documentário”, intitulado Faces of Death: Fact or Fiction? (1999), sobre a produção do primeiro filme.

A utilização do formato do documentário como forma de simular a realidade rendeu também o polêmico longa-metragem belga Aconteceu Perto da sua Casa (C'est arrivé près de chez vous, 1992), dirigido pelo trio Rémy Belvaux, André Bonzel e Benoît Poelvoorde. Utilizando-se o formato de documentário e o aparente amadorismo – resultado de um orçamento muito limitado –, misturado com a temática dos filmes de serial killer, este é um dos exemplos mais significativos dessa época pré-Bruxa de Blair. A trama acompanha uma equipe de documentaristas que segue o serial killer Ben (Benoît Poelvoorde) enquanto ele comete os seus crimes. Os documentaristas começam a se envolver cada vez mais na vida de Ben, e logo passam a participar dos seus crimes. Além do formato e da trama se assemelharem em alguns pontos com A Bruxa de Blair, outras escolhas narrativas aumentam ainda mais essa semelhança. É o caso, por exemplo, do final de ambos os filmes. "Como A Bruxa de Blair sete anos mais tarde, o plano final de Aconteceu Perto da sua Casa é sugestivo

da morte de toda a equipe do filme quando a câmera fica no chão, filmando da sua posição descartada" (HELLER-NICHOLAS, 2014, p. 36)26.

Ernest Mathis (2008b) destaca o realismo da produção ao afirmar que, “filmado em película preto-e-branco granulada, empregando trabalho de câmera de mão e som direto, Aconteceu Perto de sua Casa parece um documentário de cinéma vérité” (MATHIS, 2008b, p 817). Como seu próprio nome sugere, o longa é uma crítica à própria audiência que consome essas imagens violentas (HELLER-NICHOLAS, 2014). "É, sem dúvidas, um filme horrível e perturbador, mas, pegando lições de Holocausto Canibal, Aconteceu Perto da sua Casa sabia como combinar mais efetivamente ambiguidade e autenticidade" (HERLLER-NICHOLAS, 2014, p. 36)27.

Um ano antes do lançamento de A Bruxa de Blair, outro filme foi produzido em moldes similares. Trata-se de The Last Broadcast (1998), escrito e dirigido por Stefan Avalos e Lance Weiler. O filme conta a história de uma equipe de filmagem que se aventura por uma floresta em busca de um ser mítico conhecido como "Jersey Devil". Porém, após esse passeio pela floresta, apenas uma pessoa retorna, sendo acusada do assassinato dos demais. Após o acusado morrer na cadeia, um documentarista resolve investigar melhor as evidências do caso, e se depara com uma fita desaparecida que pode revelar o rosto do assassino. Apesar de a história ser bastante semelhante, as diferenças entre os dois filmes são vistas principalmente na sua narrativa.

The Last Broadcast é um mockumentary. Durante boa parte da projeção, o filme se vende como documentário investigativo, trazendo imagens de jornais, mapas da região, entrevistas, trilha sonora e um narrador onisciente. Outra grande diferença é que em seus minutos finais, ao revelar o rosto do assassino, o longa abandona completamente o estilo de narrativa empregado até então. Deixa de ser um falso documentário e passa a ser um filme convencional de terror. Mesmo tendo sido produzido antes de A Bruxa de Blair, The Last Broadcast teve o seu lançamento atrasado em mais de um ano, e na época tentou repetir o sucesso do longa posterior. Muitas das estratégias de marketing usadas na distribuição do filme foram as mesmas de A Bruxa de Blair, tais como o uso de cartazes falsos de pessoas desaparecidas contendo fotos dos membros do elenco. Porém, como veremos mais para

26 Tradução minha. Original: “Like The Blair Witch Project seven years later, the final shot of Man Bites Dog is

suggestive of the death of the entire film crew as a camera lies on the floor, filming from its discarded position”

27 Tradução minha. Original: "It is unquestionably a gruesome and disturbing film, but taking lessons from

frente, o longa de Sanchez e Myrick tinha uma narrativa condizente com essas alegações de veracidade, uma vez que foi construído por imagens aparentemente inalteradas.

É claro que, além dos títulos citados aqui, existiram outros filmes que flertaram com o subgênero do found footage antes mesmo da sua criação. Foi o caso, por exemplo, dos telefilmes Ghostwatch (1992, direção: Lesley Manning), programa britânico sobre investigações paranormais que foi gravado com antecedência e exibido como se fosse ao vivo, e Alien Abduction: Incident in Lake County (1998, direção: Dean Alioto), no qual dois irmãos são perseguidos por alienígenas; mas essas e outras produções não tiveram tanta repercussão. Percebe-se, então, que o conceito de found footage dentro do cinema de ficção não surgiu isoladamente em 1999, com o lançamento de A Bruxa de Blair. Ao longo dos anos, diversas manifestações de um estilo de cinema similar ao que é hoje conhecido como o subgênero do found footage já haviam acontecido, e assim como as confusões das videolocadoras em relação à As Faces da Morte, elas não tinham uma classificação específica, um gênero no qual poderiam se apoiar. O que A Bruxa de Blair fez foi estabelecer algumas das “regras de conduta” desse novo subgênero, tornando-se um parâmetro para comparação em relação a tudo o que viria a ser produzido no formato dali em diante. A revolução começou perto da virada do milênio.

2.1.1.1.1 1999 e o futuro do cinema de terror

- A câmera pode ver. E o que a câmera pode ver, a audiência pode ver. - Que audiência? - Sempre há uma audiência para o terror; para o terror crível. Mas quem vai acreditar em uma múmia se a sua maquiagem está toda descascada? - Quem vai acreditar em uma múmia pra começo de conversa? Diário dos Mortos (Diary of the Dead, 2007, direção: George Romero)

O ano de 1999 foi um ano influente na história do cinema americano, não necessariamente pela quantidade de bons filmes lançados, mas pela grande repercussão que alguns poucos títulos que estrearam naquela época ganharam com o passar do tempo. Foi o ano do lançamento comercial de Três É Demais (Rushmore, 1998), longa que lançou ao estrelato o cineasta indie Wes Anderson. Também foi o ano do subversivo Clube da Luta (Fight Club, 1999, direção: David Fincher), pouco visto nas salas de cinemas, mas que

ganhou status de cult ao chegar nas locadoras, dos efeitos especiais revolucionários de Matrix (1999, direção: The Wachowskis) e do último filme do mestre Stanley Kubrick, De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut, 1999).

No cinema de terror, foram lançados alguns filmes pouco expressivos e que requentavam velhas fórmulas sem muito sucesso. Porém, dois títulos de terror se destacaram na safra de 1999, e não poderiam ser dois títulos mais distintos. Enquanto um trazia consigo a elegância de um cinema clássico na sua essência, o outro aparentava ser algo novo, algo até então inédito para grande parte da plateia. Tanto O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999, direção: M. Night Shyamalan) quanto A Bruxa de Blair foram grandes sucessos, e enquanto o primeiro foi reconhecido pela crítica e até pela academia pela sua qualidade – rendendo indicações ao Oscar –, foi o segundo que ajeitou o terreno para boa parte da produção de terror do novo milênio.

A Bruxa de Blair conta a história de um grupo de jovens cineastas que se aventura pela floresta de Burkittsville (antiga Blair) com o intuito de fazer um documentário sobre a lenda da Bruxa de Blair. Supostamente os jovens desaparecem, e tudo o que foi encontrado foram as fitas e rolos de filme que eles captaram durante o tempo em que estiveram na floresta. E esse é o material que estamos assistindo, sem que nenhuma grande alteração tenha sido feita na pós-produção. Vemos os jovens nas suas intimidades, conversando, bebendo, discutindo o fazer cinematográfico, felizes com o resultado de uma cena recém-filmada. Eles fazem entrevistas com moradores do local, escutam algumas lendas a respeito da bruxa e a “influência” dela em outros casos, como o de Rustin Parr, acusado de matar crianças sob o comando do espírito da bruxa. Um dos entrevistados fala que Parr levava as crianças de duas em duas ao porão, e deixava uma virada para a parede enquanto torturava e matava a outra.

Ao irem mais longe na floresta, os jovens se perdem, e passam a ouvir sons estranhos durante a noite. Quando acordam, percebem também que algumas pedras foram empilhadas no lado de fora da sua barraca, e em certo momento encontram também alguns bonecos vodu, feitos de madeira. Eles se perdem, os dias passam, a comida acaba, e as assombrações aumentam. Um dos membros da equipe desaparece. Ao final, os dois membros que sobraram encontram uma casa abandonada. Eles se perdem um do outro. A protagonista vai até o porão da casa, em busca do colega, mas quando chega lá percebemos que ele está virado para a parede – do mesmo jeito que Parr fazia com suas vítimas – e a câmera cai no chão, simbolizando a sua morte.

Ao contrário de muitos dos exemplos citados até então, o longa dos cineastas estreantes Daniel Myrick e Eduardo Sánchez é totalmente construído para corroborar com

essa ideia de realismo à qual a trama se propõe. Durante boa parte da projeção, o que vemos é esse documentário sendo realizado. As imagens são alternadas com filmagens realizadas por uma câmera de película, em 16mm e preto e branco, e uma câmera de vídeo colorida. Esta última dá um aspecto ainda mais amador para aquelas imagens. A câmera de película deveria filmar o documentário que estava sendo rodado, conforme é explicado pela protagonista Heather, e a câmera de vídeo seria usada para o making of da gravação. Mas não é isso que acontece, uma vez que como o filme lançado nos cinemas mistura as filmagens de ambas as câmeras, ele mistura também as distinções que a protagonista tinha feito. Ou seja, transforma a sua história privada de horror em um espetáculo público (HELLER-NICHOLAS, 2014).

Heller-Nicholas (2014) destaca que na época era comum que as pessoas confundissem um filme sobre amadorismo com um filme amador. E essa confusão não só era proposital, como era a principal forma de sua campanha publicitária, que chegou a imprimir cartazes de pessoas desaparecidas com os rostos dos atores. "Ao contrário de The Last Broadcast, A Bruxa de Blair não é tanto um filme amador quanto é uma produção independente que emprega uma estética particular de cinema amador em sua busca de fazer um filme sobre cinema amador" (HELLER-NICHOLAS, 2014, p. 97)28. Com isso, a noção de segurança que o público normalmente sente ao assistir a um filme de terror – aquela que nos garante que,

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