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O conceito de Soberania foi desenvolvido pelo advogado Jean Bodin em 1576 na sua obra De Republica Libri Six29, que o define como o poder político absoluto e independente (majestas, summum imperium), não limitado na ordem interna e que, no plano internacional, só aceitava regras voluntariamente30.

Bodin considerava que a Soberania era necessariamente perpétua e absoluta para todas as pessoas, dentro e fora do Estado, “(…) Sovereignty is the most high, absolute, and perpetual power over the citizens and the subjects of the Commonweale (…). the greatest power to command”31 e que uma das suas características peculiares e essenciais era o facto de significar igualmente o direito para elaborar leis. No entanto, Bodin defendia que a Soberania devia ser entregue a um ou mais indivíduos apenas por um período predefinido, sendo o Poder posteriormente transferido para o líder seguinte.

De acordo com Adriano Moreira (1979), a expressão soberania tem uma origem medieval e feudal, plasmando “a situação de um senhor que não devia homenagem a outro e ao qual deviam homenagem todos os que dele tinham um feudo”32, supremacia que não se baseava apenas na força (Poder), mas em direitos decorrentes de costumes e leis (Legitimidade)33. No plano internacional, a Soberania é um elemento jurídico de regulamentação das relações entre Estados e reconhecido pelos mesmos, estabelecido pelo Direito Internacional, que impede a vigência da "Lei do mais forte". De acordo com Huntzinger, "(...) quer se trate dos EUA ou das ilhas Maldivas a igual soberania pertence a cada Estado a partir do momento em que existe"34. O conceito comporta, assim, dois elementos: a liberdade do

29 Traduzido para francês em 1580 como "Les six livres de la Republique". 30 BODIN, 1606 e CAETANO, 1993.

31 BODIN, 1606: 84. 32 MOREIRA, 1979: 23. 33 MOREIRA, 1979.

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Estado e a igualdade de Estados entre si, elementos patentes no artigo 2º da Carta das Nações Unidas: "A Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros"35.

Outra marca essencial da Soberania prende-se com o poder de comandar, embora o comando deva apenas partir de uma vontade única. Por outro lado, cada Estado é livre para agir no seu território, escolher o seu próprio sistema político, económico e social, estabelecer as leis cívicas e penais36. No plano internacional, os Estados devem ter em consideração as pretensões, interesses e posições manifestadas pelos seus pares, sendo que as relações diplomáticas assentam no princípio de igualdade.

Deste modo, agentes estatais com maior “peso” no contexto mundial e mais modestos a esse nível efetuam negociações diplomáticas que têm de ser positivas para todos, estimulando os mais fracos a fazer valer as suas vontades, à luz do princípio da autonomia da vontade37.

Apesar de criado no século XVI, o conceito de Soberania permanece atual, tendo adquirido um novo dinamismo após os processos de descolonização, uma vez que os jovens países recorreram a ele como um "mecanismo compensador das desigualdades de facto" que enfrentavam no contexto das relações internacionais38. A noção de Soberania económica e as suas aplicações como o direito dos Estados sobre os seus recursos naturais, a extensão da plataforma continental e a nacionalização dos ativos estrangeiros, refletem a aplicação contemporânea do conceito.

Huntzinger considera que quando uma nação desperta e toma consciência do seu destino, procura instituir um Estado para ser dotada de Soberania – que surge como a garantia de vontade coletiva de viver institucionalizado. O conceito significa, assim, a expressão jurídica da vontade dos Estados em salvaguardar a sua independência e perseguir o interesse nacional.

35 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945. 36 HUNTZINGER, 1987.

37 HUNTZINGER, 1987. 38 Idem.

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Robert Keohane, em 1984, afirmava que a Soberania tornava os princípios e as regras dos regimes internacionais tendencialmente mais fracos do que os desígnios da política interna, uma vez que corriam o risco de entrar em conflito com esta última. Não impediam a cooperação internacional, uma vez que esta envolvia ajustes mútuos e eclodia apenas de conflitos efetivos ou potenciais39. Contudo, em 2002, o mesmo autor reconhece que a Soberania é uma instituição criada para a sociedade internacional e que evolui, adaptando-se assim aos diferentes contextos.

Na OCDE, por exemplo, a Soberania tem vindo a alterar-se, passando de uma barreira definida territorialmente para um recurso de negociação40. No que respeita à cooperação no domínio da segurança, o autor defende que os Estados têm de elaborar promessas credíveis, fornecendo informação e reduzindo os custos de cooperação.

Abram e Antonia Chayes (1995), por sua vez, consideram que a Soberania já não pode ser resumida à liberdade dos Estados para agir independentemente, dado que os mesmos integram o sistema internacional. Os autores consideram que para ser um ator internacional, o Estado tem de se submeter às pressões e regulação externas, ou seja, a necessidade de pertencer a organizações e alianças internacionais constitui um fator crítico de alteração do comportamento interno e de adequação de estratégias para a prossecução do interesse nacional41. Em última análise, os autores afirmam que a Soberania é apenas uma questão de status, ou seja, a “confirmação” de que o Estado existe no sistema internacional.

Em sentido contrário, o isolamento significa que o potencial de crescimento económico e de influência política poderá não ser desenvolvido. Deste modo, integrar organizações internacionais que instituem ou têm instituídas relações integracionistas, acaba por condicionar a soberania dos Estados-membros. É o caso dos blocos regionais de integração económica, como a União Europeia (UE), por exemplo, que ao estabelecer uma zona de comércio livre conduz à abolição dos direitos aduaneiros e taxas de efeito equivalente, bem como das restrições à livre circulação de produtos originários da região, sobrepondo-se à

39 KEOHANE, 1984. 40 KEOHANE, 2002.

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política aduaneira de cada Estado-membro42. A política monetária da UE, regulada pelo Banco Central Europeu é igualmente um exemplo de condicionante da soberania dos Estados-membros, ao regulamentar o setor bancário dos mesmos por forma a garantir a estabilidade monetária e económica da União43.

No continente antártico, as manifestações de soberania efetuadas antes de 1959 encontram-se suspensas pelo Tratado da Antártida, sendo que o documento não permite novas reivindicações até à sua revisão, em 2041. No entanto, o Tratado não impediu que Argentina e Chile integrassem nos seus mapas políticos os territórios da “Antártida Argentina” e “Antártida Chilena” e que o Reino Unido incluísse o Território Antártico Britânico como parte dos seus espaços ultramarinos. Todos estes países mantêm-se especialmente ativos nas respetivas regiões, seja através da construção/utilização de bases, na promoção da investigação científica, seja no apoio logístico a equipas de investigação de outros países nas áreas reivindicadas.

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