• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I CAPITALISMO E A QUESTÃO AGRÁRIA: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

1.2 O processo das transformações capitalistas no campo

1.2.4 Sobre a modernização do campo: conservadora e dolorosa

Tendo feito tais considerações sobre a fase neoliberal do capital, agora se torna necessária a consideração de dois conceitos a serem utilizados no trabalho:

“modernização” conservadora e “modernização” dolorosa. O primeiro conceito a ser

analisado refere-se à “modernização” conservadora, conceito que surge da análise de processos de desenvolvimento da revolução burguesa da Alemanha e do Japão. Para Pires e Ramos (2009, p. 2),

O termo modernização conservadora foi cunhado primeiramente por Moore Junior [...] para analisar as revoluções burguesas que aconteceram na Alemanha e no Japão na passagem das economias capitalistas e industrial. Neste sentido, o eixo central do processo desencadeado pela modernização conservadora é entender como o pacto político tecido entre as elites dominantes condicionou o desenvolvimento capitalista nesses países, conduzindo-os para regimes políticos autocráticos e totalitários.

No Brasil o conceito de “modernização” conservadora foi aplicado e compreendido como resultado da imposição dos princípios da Revolução Verde na agricultura a partir da década de 1960 e, entre outras consequências, aumentou a dependência brasileira da economia internacional. Conforme Pires e Ramos (2009, p. 2). Já no caso brasileiro, este pacto político entre a burguesia nascente e os terratenentes condicionou a formação de uma burguesia dependente, que não conseguiu apresentar um projeto de poder autônomo e hegemônico para a nação, conduzindo-a, portanto, para os trilhos de uma economia dependente da dinâmica dos países centrais: subdesenvolvida em termos estruturais e autocrática.

Essa combinação de “modernização”, desenvolvimento e dependência econômica e política resultaram do pacto da classe dominante nacional com os interesses da classe dominante das principais economias dos países centrais, principalmente dos Estados Unidos da América. A “modernização” foi realizada sem mexer na estrutura fundiária; é um exemplo clássico de como foi aplicado esse conceito no caso brasileiro, que, para Guimarães (1977, p. 3), pode ser entendido a partir da estratégia de “modernização”: “A ‘estratégia de “modernização” conservadora’, assim [é]chamada, porque, diferentemente da reforma agrária, tem por objetivo o crescimento

da produção agropecuária mediante a renovação tecnológica, sem que seja tocada ou grandemente alterada a estrutura agrária”.

O processo de “modernização” conservadora seguiu a dinâmica e a lógica da terretorialização do capital no tempo e no espaço. O território goiano foi receptáculo desse processo e sofreu implicações socioeconômicas que continuam em andamento, mesmo que de forma heterogênea, a partir das condições e dinâmicas regionais. Nesse sentido, Estevam (2014, p. 4) afirma que:

O Estado de Goiás sofreu consideráveis transformações na sua estrutura socioprodutiva, A técnica de produção foi alterada pelos segmentos industriais a montante (indústrias vendedoras de máquinas e insumos) e a jusante (indústrias transformadoras da matéria prima agropecuária) e a redução do tempo de trabalho necessário/período de produção modificou as relações socioeconômicas regionais eminentemente no centro-sul do Estado.

A “modernização” conservadora no território goiano está em curso. Goiás está localizado num espaço geográfico de expansão do modelo do agronegócio brasileiro. Existe um pacto de poder das forças políticas e econômicas nacionais e estaduais para garantir um conjunto de politicas e programas tanto do Governo Federal, assim com do Governo do Estado, orientados para atender o modelo hegemônico do agronegócio. Nesse sentido, o Estado é o principal agente de articulação e dinamização da

“modernização” conservadora.

O segundo conceito que ajuda a compreender este processo de desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro e goiano é o conceito de

“modernização” dolorosa. Trata-se de conceito desenvolvido por Silva (1982), para

analisar o processo de “modernização” da agricultura nos estados de São Paulo e Paraná, mas que podem servir de referência teórica para análise desse processo em Goiás, com ressalvas de suas particularidades e da dinâmica que é parte do desenvolvimento e das contradições do capitalismo. Assim, o referido autor apresenta um conjunto de elementos tanto de análise dos limites, como das consequências desse processo:

Esta analise aponta para a relativa debilidade das transformações capitalistas na agricultura. Isso significa que o capital não tem conseguido realizar a expropriação completa do trabalhador, nem revolucionar o processo de produção de modo amplo e dinâmico. Longe disso, a agricultura brasileira espelha avanços e recuos de uma lenta e, por isso dolorosa modernização em alguns setores específicos, modernização essa em sua maior parte sustentada pelos subsídios estatais (SILVA, 1982, p. 33).

Ao caracterizar a natureza do processo de “modernização” dolorosa e analisar os principais limites e contradições do processo, o autor apresenta quatro pontos fundamentais de sua análise:

a) o papel determinante que assume a propriedade da terra; b) na persistência (e mesmo recriação) da “pequena produção” (pequenos proprietários, posseiros, parceiros e arrendatários); c) no auto grau de exploração a que se submete quer a mão- de- obra familiar, quer a mão-de-obra assalariada; e, finalmente, d) no fato de que, por maiores que sejam os meios e recursos envolvidos, os instrumentais de politicas agrícola não têm conseguido maiores progressos, a não ser em algumas culturas especiais e regiões privilegiadas. (Idem, p. 33).

Essa combinação de elementos que compõem o processo de “modernização” dolorosa ainda em curso no Brasil deixa um rastro de destruição e gera um desequilíbrio. Essas

situações vão ampliando as contradições ao aumentarem a concentração de terra e a migração campo-cidade; destroem e desarticulam o modo de vida camponês; ampliam a exploração da força de trabalho e inviabilizam a cidade, principalmente aquelas com maior concentração demográfica. Nesse processo de “modernização” dolorosa o Estado se apresenta como agente

principal de toda a trama. Ao se articularem as políticas, programa-se garantir segurança jurídica ao capital. Nessa perspectiva, pensar a superação requer, necessariamente, repensar o papel do Estado como agente articulador e dinamizador. Essa análise, contudo, na perspectiva da superação, será mais aprofundada no terceiro capítulo deste trabalho.

Por final, pode-se dizer que o processo de imposição da “modernização” da agricultura se refere a um conjunto combinado de elementos que vão desde as técnicas utilizadas na produção de matérias primas, passando pela agroindustrialização e pelo controle do mercantil, É parte de um projeto e de uma concepção de campo e de sociedade, em que a lógica do capital prevalece, de forma que a “modernização” dolorosa é a face perversa da “modernização” conservadora, inscrita nas contradições como chagas sociais e ecológicas de

um modelo que privilegia poucos em detrimento do sofrimento de muitos. Portanto, são lacunas que só poderão ser preenchidas com mudança paradigmática estrutural, num repensar do fazer agricultura, uma perspectiva socioecológica e socioeconômica em que o interesse da sociedade esteja como o elemento central.

CAPÍTULO II – A EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO E AS ESPECIFICIDADES