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1 INTRODUÇÃO

1.1 FUNDAMENTOS DA PESQUISA

1.1.3 Sobre a relevância dessa pesquisa

Há algumas décadas o tema do Estado tem ocupado lugar de destaque nos debates políticos e intelectuais, seja em concepções à direita ou à esquerda. Esta tem sido uma tendência geral do mundo, sobretudo devido aos processos recentes de mundialização, ou globalização no linguajar mais midiático.

Estas discussões também envolveram particularmente a América Latina. No final dos anos 1980, o debate sobre o Estado era uma necessidade imprescindível devido ao fim das ditaduras cívico-militares que haviam arrebatado durante anos praticamente toda a região. O Estado era abordado, portanto, no âmbito da transição da ditadura para os regimes democráticos, na formação de novas constituições nacionais, etc.

Já a partir dos anos 1990, com a volta da democracia formal e nos marcos da ascensão dos governos neoliberais, o debate se intensificou devido às drásticas

transformações pelas quais passaram as políticas governamentais e a própria estrutura administrativa dos Estados. Privatizações, abertura comercial, desnacionalização, acordos de livre comércio, maquiladoras e a dívida galopante, passaram a ser temas recorrentes.

No entanto, segundo Jaime Osório, nos estudos sobre o Estado desenvolvidos durante essa época:

Tende a predominar uma visão que – com argumentos variados – defende que as mudanças derivadas da mundialização provocam a deterioração ou inclusive a desintegração do Estado, a morte anunciada do Estado-Nação, em especial porque se nota uma crescente perda da soberania, uma espécie de atomização do poder político, seja pela emergência de novos centros de poder, seja pelo surgimento de diferentes novos atores (multinacionais, capital financeiro, sociedade civil, organizações não-governamentais, novos movimentos sociais, etc.). (OSORIO, 2014, p. 09).

Pensamos, ao contrário dessas teses, que o Estado é cada dia mais central na reprodução da sociedade capitalista. De fato, “não se pode conceber a etapa neoliberal do capitalismo sem ter em conta que sua implementação e expansão durante os anos 1980 e 90 dependeu da presença e intervenção do Estado” (SOTELO VALENCIA, 2009, p. 114). Isto desmistifica a ideia propagada de Estado mínimo, uma vez que não é condizente com o que de fato significou: um estado continuamente reestruturado, em movimento, para atender os interesses do capital em cada época.

O Estado foi, e é, o principal agente que desestruturou a regulação da força de trabalho por meio da legislação trabalhista e de contrarreformas sociais. Ele foi, e é, o principal promotor da flexibilização das relações de trabalho e o realizador direto das privatizações e incentivos às multinacionais, além de reproduzir, a partir de suas políticas econômicas austeras, as desigualdades estruturantes que persistem na história do desenvolvimento capitalista dependente latino-americano.

Assim, ao “contrário do que se propaga, a intervenção do Estado capitalista, e não o mercado, é hoje mais importante que no passado para garantir a reprodução do sistema” (SOTELO VALENCIA, 2009, p. 113).

Mas isso, como já vimos, não significa que o chamado “mercado”, ou melhor dito, o capital, não tenha nada que ver com esses processos. Pelo contrário, isto porque compreendemos que o Estado, assim como disse Marx, não é outra coisa que não “um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa” (MARX; ENGELS, 2010a, p. 42).

De fato o Estado é uma importante força estrutural e espaço estratégico da sociedade capitalista sob controle da burguesia. Sua principal função é garantir a reprodução ampliada

do capital de maneira que para isto é imprescindível assegurar a valorização do capital e a reprodução da força de trabalho segundo suas necessidades, como veremos mais adiante.

Mas para garantir a permanência da reprodução das relações de exploração, é indispensável a reprodução das relações de dominação. Assim que desde a compreensão da sociedade por meio da perspectiva da luta de classes, a reprodução das relações sociais é também reprodução da dominação: reprodução ampliada do domínio de classe. E este “é um processo eminente político, em que as classes dominantes têm no Estado o instrumento privilegiado de exercício de seu poder” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p. 74).

Este espaço privilegiado exercido pelo Estado reside:

[...] em sua constituição mais íntima como árbitro soberano sobre as leis e, por tanto, acima da lei. [...] Os “estados de emergência” podem ser sempre decretados quando as condições da crise em intensificação tornarem tal curso de ação a “maneira adequada”, mesmo sem qualquer envolvimento militar. (MÉSZÁROS, 2015, p. 58). É assim que o Estado é para Mészáros (2015), junto ao trabalho e o capital, um dos três pilares do sistema capitalista. O trabalho é a fonte de toda a riqueza; o capital, a apropriação do trabalho alheio; e o Estado, o garantidor da apropriação do trabalho alheio pelo capital.

Este trabalho tem importância, portanto, diante da centralidade da categoria Estado no capitalismo e na dinâmica da luta de classes, tanto estruturalmente quanto na conjuntura mais recente, bem como pela centralidade que teve e tem o Estado na consolidação do capitalismo dependente, portanto da superexploração da força de trabalho e das políticas que a solidificam.

Tem importância também diante do fato de que o sistema capitalista mundial, em seu desenvolvimento desigual e combinado, formou diferentes regiões (centro e periferia) onde a reprodução do capital segue determinadas particularidades. Assim, as discussões sobre o Estado na América Latina não podem ser levadas adiante sem as devidas mediações impostas pela particularidade do capitalismo dependente. De fato, os processos políticos recentes que depuseram os presidentes de Honduras (2009), Paraguai (2012), Brasil (2016) e Bolívia (2019), e o uso indiscriminado da categoria Estado de exceção para tratar nossas realidades, evidenciam esta debilidade.

No âmbito da Teoria Marxista da Dependência, alguns trabalhos buscaram avançar nesse sentido, como os estudos de Ruy Mauro Marini sobre o Estado de contrainsurgência, categoria desenvolvida por ele para tratar das ditaduras cívico-militares latino-americanas, ou

mais recentemente, o livro de Jaime Osório O Estado no centro da mundialização30. Apesar dos méritos, essas são contribuições ainda insuficientes para esgotar o tema.

Por outro lado, a conjuntura recente também tem reforçado a importância do Estado para a acumulação capitalista. O caso do crescimento da dívida pública31, verificado no Brasil principalmente desde o Plano Real de 1994, e as disputas pelo excedente32 através do Estado, seja por meio da contrarreforma da previdência ou do corte em políticas sociais, são exemplos disso.

30 Dentre as gerações mais novas, vale a pena mencionar a tese de doutorado de Maíra Bichir “A questão do Estado na

Teoria Marxista da Dependência”.

31 Sobre este tema, recomendamos para o caso brasileiro acompanhar o trabalho da Auditoria Cidadã da Dívida

(ACD).

32

Sobre o conceito de excedente econômico ver BARAN, Paul A.. A Economia Política do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972.