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3. O C ASO DO A LGODÃO NA OMC

3.2. Sobre a ABRAPA e a primeira tentativa de questionar os subsídios ao

Fundada em 1999, a ABRAPA conta com nove associadas estaduais: a Abapa (Bahia), a Acopar (Paraná), a Agopa (Goiás), a Amapa (Maranhão), a Amipa (Minas Gerais), a Ampa (Mato Grosso), a Ampasul (Mato Grosso do Sul), a Apipa (Piauí) e a Appa (São Paulo). São, ao todo, mais de 1.600 produtores associados, o que representa 96% de toda a área plantada, 99% da produção e 100% da exportação de algodão do Brasil58.

O algodão, tradicionalmente, sempre foi um produto de relativo valor no cômputo do total das exportações brasileiras. Na década de 1980, no entanto, a praga do bicudo59 trouxe diversos prejuízos à cotonicultura do país. Dessa forma, na metade da década de 1990, o Brasil chegou a ser um dos maiores importadores de algodão do mundo, tendo, só no ano de 1996, segundo o ex-Ministro da Agricultura, Pratini de Moraes (2004), importado cerca de US$ 1 bilhão em algodão.

A ABRAPA, portanto, foi criada em um cenário de crise do setor e no contexto de reformulação institucional do comércio exterior brasileiro, conforme visto no capítulo anterior. A associação obteve grande êxito na expansão da produtividade do algodão, pois, de acordo com dados fornecidos pela instituição, em doze anos, a área plantada duplicou (alcançou 1,07 milhão de hectares), e a produção total de pluma triplicou (alcançou um volume superior a 1,6 milhão de toneladas). A produtividade da lavoura cresceu 90%, pois passou de 750 kg/ha para 1.487 kg/ha, uma das maiores do mundo.

58 Disponível em <http://www.abrapa.com.br/institucional/Paginas/A-ABRAPA.aspx>. Acesso em fev.2012. 59 De acordo com Karen Regina Vilarinho, “em 1972, a imprensa do estado de São Paulo denunciou a importação de

780 toneladas de caroço de algodão boliviano, contaminado pelo bicudo, embora a carga tenha entrado com certificado de sanidade. Inspeções realizadas por técnicos da Secretaria da Agricultura do estado de São Paulo revelaram a presença de insetos suspeitos, o que acabou gerando expurgo do material com hexabenzeno de cloro. Desde então, essa praga vem causando graves problemas fitossanitários para a cultura do algodoeiro e pode-se dizer que foi um dos fatores que contribuiu para o período conhecido como a década perdida para a cotonicultura brasileira, correspondente à década de 80” (2007).

86 A abertura comercial promovida na década de 1990 foi feita sem uma estratégia bem definida. Isso gerou a diversos produtores locais, inclusive àqueles do agronegócio, prejuízos em razão da competitividade internacional. O algodão foi um produto bastante prejudicado pelos subsídios norte-americanos. A ABRAPA, dessa forma, surgiu da necessidade de incrementar a representação do setor junto ao governo, além de ser uma forma organizada para buscar o aumento da produtividade do algodão. Para se ter uma ideia, o Brasil, antes da crise da década de 1980, era o quinto exportador mundial do produto. Com a praga do bicudo e a concorrência internacional, caiu para a sétima posição. Após a criação da ABRAPA, o país conseguiu alcançar o terceiro lugar:

“Os produtores do cerrado, mestres na cultura da soja, passaram a investir no algodão, inicialmente no incentivo à pesquisa, por meio dos fundos de apoio ao algodão (Facual, Fialgo, Fundeagro e Pluma), depois estimulando a melhoria da qualidade, por intermédio de Proalmat, Proalgo e Proalba e, por fim, reunindo-se em entidades de defesa de seus interesses estratégicos, a exemplo da Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão (AMPA) e organizações dos outros estados produtores (Agopa, Abapa, Amipa, Ampasul, Acopar e APPA), e da sua representação nacional, a Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão). Com esta organização, os produtores passaram a influir em todos os elos da cadeia no Brasil e no exterior, possibilitando a expansão da produção com menos riscos, inclusive pela eliminação de intermediários, pela industrialização nas fazendas e pela mecanização total da lavoura de algodão. Rapidamente, a produção cresceu, até que o Brasil se alçasse à condição de terceiro exportador do mundo, com vendas de 500 mil toneladas, aproximadamente” (Sérgio Rodrigues Costa e Miguel Garcia Bueno, 2004, p. 23). Antes de a ABRAPA ser fundada, houve uma primeira tentativa de questionar os subsídios norte-americanos ao algodão, feita pelo Grupo Maeda, um dos maiores do ramo, com lavouras em Mato Grosso e na Bahia (estados brasileiros com grande produção cotonicultora). Em 1992, o grupo deu início a uma ação antidumping e a outra de direitos compensatórios, mas, de acordo com Jorge Maeda (2004, p. 54), ex-presidente da ABRAPA e do grupo que leva seu sobrenome, eles não contavam ainda com uma adequada representatividade do setor, além de não estarem devidamente amparados por bons profissionais; logo, a iniciativa foi frustrada.

Pode-se acrescentar, ainda, como fator que contribuiu para o fracasso dessa primeira tentativa, o fato de a OMC estar em vias de constituição, de forma que não havia, no sistema internacional, até aquele momento, um fórum viável para contenciosos comerciais entre países. Cabe lembrar, como estudado no Capítulo 1, que a sistemática do GATT-1947 não era eficiente.

87 Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e ex- Secretário de Produção e Comercialização do MAPA, elaborou a ação de direitos compensatórios junto ao Grupo Maeda. Ele narra o quanto ficou aborrecido ao perderem a ação. Afirma que não foi possível demonstrar, naquele período, que o prejuízo ao setor cotonicultor brasileiro fora causado pela política norte-americana de subsídios. Para ambos, Jorge Maeda e Pedro de Camargo Neto, essa primeira tentativa serviu de aprendizado para o que deveria ser a posterior iniciativa perante a OMC (2004, p. 83 e 84). Assim expressa Camargo Neto sobre esse primeiro momento de contestação aos subsídios:

“Eu montei um processo de algodão, junto com o Jorge Maeda, presidente da Abrapa, em 1992 ou 1993. Antes de ir à OMC, a Abrapa moveu um processo antidumping e um processo de medidas compensatórias, que foram importantes. Fizeram-se dois processos independentemente do Ministério da Agricultura, porque correram no Ministério da Indústria e do Comércio, responsável por analisar direitos compensatórios e antidumping. Eu havia feito, em 1993, uma ação de direitos compensatórios de algodão, que perdemos. Na época, era presidente da Sociedade Rural Brasileira. Foi na crise anterior do algodão. Isto é cíclico: houve uma crise grande em 1991/92, na qual os preços baixos desmontaram a produção de algodão de São Paulo e do Paraná. São Paulo parou de produzir e o Paraná reduziu muito o volume produzido. O Maeda plantava em São Paulo nessa época e já havia uma pequena produção em Mato Grosso. Independentemente dos preços baixos, os Estados Unidos continuaram produzindo, pois eles têm aquela política de que, à revelia do preço internacional, eles produzem, pois recebem subsídios de qualquer jeito. Nós perdemos o processo de direito compensatório, e eu, na época, fiquei muito aborrecido, pois achava que a decisão foi errada. Mas tínhamos de perder mesmo, pois o processo tinha de ser levado à OMC e não ser feito aqui no país. No Brasil, provava- se que os preços estavam baixos, que o setor estava tendo prejuízo e que existiam subsídios nos Estados Unidos. Mas não se conseguia provar que o prejuízo era causado pela política americana do algodão, porque o Uzbequistão e a África vendiam-no pelo mesmo preço dos Estados Unidos. Então, esse veredicto contrário deixou muito claro e evidente que o foro deveria ser a OMC”(2004, p. 84).

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