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Sobre as entrevistas em profundidade e critérios para estabelecer os

As entrevistas são importantes instrumentos de exploração e escuta no objetivo de “seguir os atores” (LATOUR, 2005, p. 12), e de buscar alguma profundidade e aprendizado junto aos que engendram a rede.

O formato em profundidade se mostra a opção mais pertinente, uma vez que esta pode revelar pistas objetivas e não-objetivas sobre as relações, percepções e papeis dos atores, possibilitando maior aprendizado por meio das vivencias e impressões destes actantes, à medida

em que estes também descrevem suas atitudes, externalizando um pouco da dinâmica a partir das interações que realizam junto aos demais elementos desta rede.

Como explica Jorge Duarte, nesta técnica privilegia-se a intensidade e o aprofundamento, além da identificação de microinterações e detalhes, buscando entender como determinado fenômeno é percebido pelo conjunto de entrevistados sendo de grande utilidade para problemas complexos (DUARTE, 2012 p.62, 63). Ademais, sua característica flexibilidade parece apropriada para a perspectiva da TAR que exige do pesquisador adaptabilidade, aproximações e afastamentos para a construção do seu processo descritivo.

Quanto à tipologia, esta se constitui como tipo semiaberto, partindo de um roteiro que norteia algumas questões centrais indagadas aos diferentes atores, de maneira a cobrir alguns tópicos essenciais à pesquisa. Como explica Augusto Triviños, esta se vale de algumas hipóteses e teorias iniciais para cercar algumas questões, mas ganham amplitude à medida que as respostas vão sendo dadas. (TRIVIÑOS APUD DUARTE, 2012, p.66), aliando assim um direcionamento inicial, mas sem amarras para novas questões que mereçam exploração.

Tendo em vista este ritmo inerente à modalidade escolhida, serão estabelecidas algumas poucas questões centrais e suficientemente amplas para abordar os entrevistados. Estas serão aplicadas a todos os entrevistados; contudo, como recomendado por Duarte, para manter a naturalidade e possibilitar exploração mais completa de cada questão, serão detalhados alguns tópicos para condução do processo. (DUARTE, 2012, p.67)

Abaixo há uma lista geral das questões centrais e o objetivo destas para pesquisa, sendo estas aplicadas para todos os grupos, com as devidas adaptações:

Quadro 6 – Perguntas base das entrevistas

PERGUNTA OBJETIVO

1 Quais atores ou fatores você identifica como determinantes para a criação dos critérios de distribuição de verbas publicitárias?

Confirmar atores já destacados e levantar outros talvez não tão evidentes.

2 Qual a relação/impacto dos critérios na sua atuação como/ com ...?

Descrever a aplicação prática, identificar personalismos na relação com o tema (especialmente no grupo de servidores públicos).

3 O que objetivou a criação de tais critérios? Identificar algum distanciamento entre a visão conceitual que se tem dos critérios e a sua aplicação. 4 Quais os impactos da implementação destes

critérios no que tange o cenário midiático e no cenário político?

Evidenciar tensões e controvérsias percebidas pelos atores, o que pode apontar conexões entre os diferentes grupos.

Fonte: Elaborado pela autora, com informações da Secom-PR.

Um ponto importante no que concerne a confiança e relevância das entrevistas é a seleção dos entrevistados. A seguir detalhamos os parâmetros que determinam a relevância dentro de cada grupo:

Órgão da Administração direta ou indireta:

Primeiro, foram estabelecidos os órgãos que serão ouvidos a principal fonte é a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Esta SECOM desempenha papel crucial nesse contexto, atuando inclusive no estabelecimento de normas, e frente às demandas de comunicação do órgão se voltam mais a questões de utilidade pública e institucionais, faltando assim um olhar sobre as limitações e os impasses relacionados à aplicação dos critérios, no âmbito da comunicação mercadológica.

As demandas de quem precisa competir por participação no mercado impõem diferentes desafios e dinâmicas, que englobam, inclusive, a cobrança e mensuração de resultados. Trata- se de um contexto diferente, dada a especificidade e a possibilidade de tangibilizar conversões resultantes da comunicação publicitária. Assim, optou-se por também pontuar questões inerentes as demandas das estatais ao escopo desta pesquisa, ambicionando abarcar também as particularidades que envolvem a comunicação mercadológica, embora com menos profundidade.

Em seguida, se fez necessário estabelecer os contatos, quem seriam as pessoas ouvidas, entrevistadas, originando dados mais sólidos. Respeitando o recorte histórico da pesquisa, chegou-se a um primeiro nome: Roberto Borcony Messias, ex-secretário-executivo da Secom, que atuou durante as gestões da ministra Helena Chagas, do ministro Thomas Traumann e do ministro Edinho Silva. Com ele, foi realizada a primeira entrevista, no dia 14 de outubro de 2016. Esta se estabeleceu como primeira ida a campo e ajudou na construção do instrumento

formal utilizado na pesquisa para entrevistas subsequentes. A dinâmica se baseava apenas em alguns questionamentos iniciais, que envolviam o histórico profissional de Messias e o relato do que ele pudesse rememorar sobre a construção dos critérios e impasses que detectou durante sua atuação. Ao final de quase 1 hora e 40 minutos, com o mínimo de intervenção e condução, tem-se um relato pessoal e de protagonismo nessa construção, que assume a narrativa como fruto da ação do entrevistado e de sua equipe, escolhida a dedo, segundo ele, remetendo-se a todo momento ao tecnicismo, à formação de parâmetros que defendem o bom uso do dinheiro público e à conduta ilibada dos servidores que atuam no setor de publicidade. Outras nuances e o detalhamento dessa gravação serão melhor apresentados posteriormente, mas cabe ressaltar que esse primeiro movimento evidenciou a necessidade de dialogar com pessoas que estavam na linha de frente da aplicação dos critérios, nas operações do cotidiano, de maneira a enxergar melhor as limitações e os embates práticos. A realização dessa primeira entrevista foi proposta fundamentalmente para começar a desenrolar o fio da meada dessa rede, observando quem são os principais atores e quais pistas devem ser seguidas para compreendê-la melhor.

O período de estudo, inicialmente restrito aos anos de 2003 a 2015, passou a considerar também o primeiro ano de gestão do presidente Michel Temer: 2016. Depois do desenrolar do processo de impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, tornou-se mandatório entrevistar pessoas atuantes na atual gestão, por isso também o equilíbrio entre entrevistados que acompanharam boa parte do histórico da gestão do PT e agentes que ainda desempenham suas funções profissionais no cenário atual, de maneira a tentar rastrear mudanças percebidas por estes funcionários do governo.

Políticos:

Entre os membros deste grupo, a intenção era a de ouvir figuras-chave, especialmente, os ministros da Secom-PR, envolvidos nos diferentes estágios de criação, aprimoramento e implementação dos critérios e instrumentos legais que orientam a publicidade na Administração Pública. Hierarquizando os interlocutores prioritários, identifica-se que Ministro Franklin Martins, como nome mais recorrentemente associado à criação e implementação dos “critérios técnicos” na publicidade, embora o instrumento formal mais detalhado sobre estes tenha sido criado apenas na gestão posterior, também se destaca por ter tido uma das atuações mais duradouras na Secretaria, entre 2007 e 2011.

Embora o ministro já tenha realizado, via imprensa, pronunciamentos que evidenciam suas impressões, acredita-se que um contato que ao menos possibilitasse complementar alguns

pontos foi de grande valia para o desenho temporal das ações que construíram os critérios, assim como auxiliarão na reconstrução das grandes questões e problemas de natureza pública e prática, que estão na gênese dos critérios, como uma ação intencional promovida pelo governo, impactando diferentes agentes nesta cadeia.

Há, ainda, no cenário da política, alguns projetos de lei em tramitação, que buscam normatizar, de forma ainda mais contundente, a questão da desconcentração e regionalização da mídia programada com verbas oficial, como o Projeto de Lei (PL) 178, de 2013, do senador Inácio Francisco de Assis Arruda (PCdoB-CE), que prevê a destinação de, pelo menos, 40% das verbas de publicidade a microempresas ou empresas de pequeno porte de comunicação e empreendedores individuais de comunicação ou o PL 1677/2015 da Deputada Maria do Rosário (PT) que também propõem estabelecer que 20% da verba de publicidade seja assegurado a veículos regionais. Contudo não foi possível interpelar estas figuras políticas. Assim, a pesquisa buscou ao menos elencar estas propostas e o estágio em que se encontravam até o término deste estudo.

O grupo em destaque merece especial observação, ainda, por ser sabido que há grande número de políticos detentores de veículos de comunicação, não raro, grandes conglomerados regionais, como é o caso das famílias Magalhães, na Bahia, e Sarney, no Maranhão. Sendo assim, consideramos fundamental observar alguns desses interlocutores que atuam ambiguamente, figurando tanto no papel de donos da mídia quanto a “serviço do povo”.

Veículos comerciais de grande e pequeno porte:

Considerando a vastidão de possibilidades neste grupo, identificou-se a opção por representá-los via associações de veículos que, em nossa avaliação, constitui-se no melhor caminho para compreender a diversidade de interesses desses atores. Optou-se, assim, por buscar contato com a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), associação representativa do setor de rádio e televisão, que conta com a Rede Globo como sua associada mais proeminente.

Fundada ainda nos tempos de grande poder dos Diários Associados, no início dos anos 1960, a ABERT notabilizou-se em 2009, ano em que o Secom-PR promoveu a primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que pretendia debater o cenário da Comunicação Social brasileira como importante espaço democrático. A ABERT, no entanto, retirou-se da conferência antes mesmo de seu início, alegando que a Confecom ameaçava a

liberdade de imprensa e a livre iniciativa34, falácia recorrentemente utilizada por grandes grupos quando a questão diz respeito à regulação e regulamentação da comunicação.

Buscando retratar a perspectiva dos pequenos veículos, optou-se por contatar a Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom), que já defendeu por diversas vezes a proposta que versa sobre a distribuição de verbas publicitárias, recomendando que 30% deste recurso sejam destinados às pequenas empresas de comunicação35.

Extinta em 2014, a ALTERCOM surgiu no cenário da CONFECOM, em 2009, justamente como movimento para defender os interesses daqueles veículos que não se sentiam representados pelas associações como ABERT e ANJ.

Agências de Publicidade:

No papel de agentes executores do planejamento e da compra de mídia, é imprescindível ouvir aqueles que lidam na prática com a execução e aplicação dos critérios propriamente ditos, bem como com o relacionamento com veículos e a necessidade de atingir os objetivos de comunicação dos demandantes, sem deixar de lado a busca por lucro.

Conforme explica Bruno Jorge Fagali, gerente de Integridade Corporativa da Nova/SB, em artigo publicado no site do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE):

[...] tanto as NPAP (item 3.1.5) quanto a Instrução Normativa nº 4/2010 da SECOM- PR atribuíram às Agências o dever de elaborar e apresentar ao Anunciante um “Planejamento de Mídia” (também chamado de “Plano de Mídia”), que consiste em um estudo que reúne os custos, as estratégias e as táticas a serem adotadas em relação à escolha dos meios e Veículos e que, segundo técnicas adequadas, assegurem a melhor cobertura dos públicos e/ou dos mercados objetivados. (FAGALI, 2016)36

Buscando compreender os percalços e conflitos implicados no cumprimento da função descrita acima, tendo em mente, ainda, que agências são empresas que, como tais, apresentam seus próprios interesses e objetivos de negócios, pareceu coerente entrevistar aqueles que atuam em conjunto com os órgãos públicos, neste espaço da publicidade Governamental, demonstrando as particularidades de se operar neste espaço.

34 Disponível em:<http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/para-abert-confecom-ameacou-liberdade-de- imprensa/>. Acesso em: 12 fev. 2017

35 Disponível em:<http://www.carosamigos.com.br/index.php/politica/945-altercom-quer-30-da-verba- publicitaria-para-pequenas-empresas>. Acesso em: 30 jan. 2017.

36 Disponível em:<http://www.ibdee.org.br/a-etica-e-as-agencias-de-publicidade-cinco-das-principais-red-flags- anticorrupcao-da-atividade/>. Acesso em: 30 jan. 2017.

Ainda no que se refere às agências, especialmente com relação ao planejamento e compra de espaços de mídia, uma questão geradora de toda sorte de questionamento e acusação diz respeito à prática de pagamento dos Planos de Incentivo, mais popularmente conhecidos como Bonificação de Volume (BV). Trata-se de percentual repassado pelos veículos às agências com base no volume que se prevê investir nestas. Embora tenha sido percebida como ato lícito pelo Conselho Executivo das Normas-Padrão (CENP), constando nas Normas Padrão da Atividade Publicitária (NPAP), o BV é questão sensível no que se refere a distribuição de verbas publicitárias, uma vez que fica subentendido que este tipo de incentivo beneficia grandes veículos, que apresentam robustez financeira para atuar com tal política, estimulando não só a concentração de investimento e a preferência e constância nos planejamentos de mídia. O tema também é constantemente debatido no que diz respeito à ética pois, embora a orientação formal do CENP indique que o plano incentivo não pode se sobrepor ao técnico e ao zelo pela eficiência na comunicação, nota-se enorme conflito de interesses. Tem-se, portanto, mais um vértice a ser adicionado à relação entre agência, publicidade governamental, distribuição de verbas e desconcentração na comunicação.

O caráter autoregulador do mercado de publicidade também será discutido com um fator a ser compreendido, especialmente na interface com um ambiente onde o rigor legal, e as orientações formais imperam, como é o caso da publicidade governamental.

Neste contexto optou-se por entrevistar Camilo Ponce Leon, Presidente do Grupo de Mídia de Brasília, entidade de congrega profissionais de diferentes agências do mercado do local e tem papel bastante atuante nas discussões do mercado e na busca por aperfeiçoamento dos profissionais que constituem este espaço. Além disso, eles foram os profissionais que trouxeram enorme contribuição para a sistematização de dados no que tange aos investimentos públicos em publicidade a partir do desenvolvimento do Anuário de Mídia Pública.

Associações/coletivos/sociedade civil:

Dentro deste grupo, dada a amplitude de representação da sociedade civil, optou-se por escutar os movimentos engajados no debate sobre a democratização comunicação brasileira, como é o caso do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Esta associação civil, organizada no período de reabertura democrática, já no início dos anos 1990, é um importante protagonista no debate sobre democratização, acessibilidade e diversidade na comunicação brasileira. Protagonista de uma agenda de ações voltada para a questão, encabeçando campanhas como a Para expressar a liberdade — que conta com um projeto de

lei (Lei da Mídia Democrática), fruto de iniciativa popular, que propõe a regulamentação para rádio e televisão brasileira —, o FNDC destaca-se também por acompanhar de perto a temática da distribuição de verbas. À época da Confecom, o movimento civil direcionou propostas a respeito da comunicação social brasileira, dentre as quais constava a necessidade de melhor distribuir os recursos oriundos da publicidade governamental.