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Sobre as quebras mais freqüentes dos regulamentos

CAPÍTULO 3 ÉTICA, RELIGIOSIDADE, DISCURSOS

3.4 DADOS EMPÍRICOS: OBSERVAÇÕES

3.4.1 Sobre as quebras mais freqüentes dos regulamentos

O objetivo deste item da pesquisa é o de complementar os dados que não foram citados na entrevista, mas, que se referem a fenômenos que estão acontecendo nas igrejas presbiterianas de João Pessoa há mais de uma década, de acordo com a nossa memória. Nossa percepção e vivência com esses fatos e processos foram, inclusive, a nossa principal motivação para a reflexão desta dissertação como um todo. Apresentaremos então uma súmula dos fatos agora sistematizados e que foram anotados em nosso diário de campo.

Um dos fatos que mais chamaram a nossa atenção ocorreu em uma reunião ordinária do Presbitério da Paraíba realizada em uma cidade do Brejo Paraibano, logo no culto de abertura. Fomos surpreendidos com a presença de várias mocinhas, entre elas as filhas do pastor daquela igreja, dançando, como parte da liturgia do culto. Essa prática de espetacularização (DEBORD, 1997) do culto vem se alastrando por todo território nacional, o que ensejou o recente posicionamento contrário do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana.

Esta quebra dos regulamentos não é um caso isolado. Sabe-se que na prática nem todas as Igrejas Presbiterianas locais seguem criteriosamente as normas, o que tem causado o afastamento sistemático dos padrões éticos ortodoxos da Igreja. Segundo Bauman (2006), fazendo uma leitura de Lipovetski (1992), em nossos dias as pessoas não querem mais seguir princípios éticos nem cultivar valores morais. Para este autor,

a nossa era é era de individualismo não-adulterado e de busca de boa vida, limitada só pela exigência de tolerância (quando casada com individualismo autocelebrativo e livre de escrúpulos, a tolerância só se pode expressar como indiferença). A era que vem “depois do dever” só pode se admitir uma moralidade muito “minimalista” e em declínio (BAUMAN, 2006, p. 7, grifo do autor).

É esta “tolerância” que foi indicada por este autor como sendo “casada com individualismo autocelebrativo” que, no nosso entender, é uma porta aberta para ferir os princípios ético-normativos dos regulamentos presbiterianos que investigamos. Aqui na Paraíba, por exemplo, várias igrejas da Capital e do interior adotaram as “danças litúrgicas” no culto solene, momentos em que jovens com trajes e gestos considerados como sensuais supostamente “dançam para Jesus”, o que é visto com perplexidade, desconforto e mesmo revolta entre os presbiterianos mais antigos, que, por vezes, viam-se motivados a mudar de igreja.

Ao tomar conhecimento das práticas de espetacularização (DEBORD, 1997) do culto nas igrejas locais, o Supremo Concílio da IPB proibiu o chamado “ministério de dança” adotado por várias igrejas locais em suas liturgias (Anexo A). Neste momento é oportuno lembrar que, segundo a Constituição da Igreja Presbiteriana, é competência do Supremo Concílio “executar e fazer cumprir a presente Constituição e as deliberações do próprio concílio” (CI/IPB, Cap. V, Seção 5ª, Art. 97, “n”), e que a Igreja Presbiteriana adota a Confissão de Fé de Westminster, na qual está inserido o Princípio Regulador do Culto, e os Catecismos Maior e Breve como sistema expositivo de doutrina e prática (CI/IPB, Cap. I, Art. 1°).

Temos aqui uma visível imagem do conflito entre os discursos éticos presbiterianos – Constituição Interna da Igreja Presbiteriana do Brasil, Confissão de Fé de Westmnister – e a massificação-espetacularização apontada pelos teóricos desta pesquisa. Cabe então questionar: Quando os princípios éticos e a prática estão contraditórios como vimos nas entrevistas e dados das observações, será que estaria se desenhando uma mudança dos regulamentos da Igreja Presbiteriana?

Sobre esta questão o Supremo Concílio, na sua competência, não flexibilizou e enviou cartas às igrejas locais proibindo as práticas de espetacularização do culto (Ver Anexos A e B), estranhas ao ordenamento bíblico e às normas da Igreja. Nestas cartas, pastores e suas igrejas são admoestados no sentido de reconsiderar as suas práticas litúrgicas, resgatando a herança protestante na área fundamental do culto de acordo com as Escrituras Sagradas, cujas doutrinas encontram-se sistematizadas nos símbolos de fé adotados pela Igreja Presbiteriana. Porém, nem todas as igrejas de João Pessoa/PB seguiram as deliberações do Supremo Concílio. Novamente encontramos um conflito e respectiva contradição, o que confirma a idéia de Bauman (1997) sobre a ambivalência entre a unidade e diversidade dos códigos éticos.

Outra proibição do Supremo Concílio da IPB que não foi considerada por muitos adeptos das igrejas presbiterianas em João Pessoa diz respeito à participação em eventos como “Marcha para Jesus”, “Caminhada para Jesus” ou atividades do gênero. De acordo com o posicionamento do Supremo Concílio, estes eventos, que podem ser identificados com blocos carnavalescos, paradas gays, ou manifestações de protesto como as marchas dos sem- terra e outras afins, não devem contar com a participação das igrejas (Anexo B). Note-se que estas práticas são também massificadas e espetacularizadas, o que Pierucci (2006), alerta como sendo típicas do processo de diluição da identidade das instituições religiosas tradicionais como a Igreja Presbiteriana do Brasil.

Sobre este caso particular, entre os criadores da “Marcha para Jesus” em João Pessoa encontram-se pastores de igrejas presbiterianas da Capital. Neste evento, uma vez por ano, os evangélicos percorrem toda a Avenida Epitácio Pessoa - a maior avenida da cidade - até o Busto de Tamandaré, na orla marítima, em Tambaú. Em 2011 a marcha incluiu o bispo católico D. Aldo Pagotto e o pastor Estevão Fernandes, tido como líder dos evangélicos batistas.

Em um evento passado, o prefeito municipal fez a entrega simbólica da chave da cidade para os evangélicos, ajoelhou-se diante dos pastores na hora do culto, e estes fizeram uma “oração poderosa” pedindo “capacitação divina” para uma administração municipal

“justa”. Esta parte do ritual pode ser interpretada como uma troca utilitária para ambas as partes, sendo que o poder religioso tornou o prefeito mais “benquisto” pelos fiéis – visando talvez futuros votos -, e os pastores se tornaram “simpáticos” aos poderes públicos e fortalecidos diante dos devotos.

Mesmo após a proibição do Supremo Concílio, os pastores presbiterianos criadores do evento continuaram na sua coordenação em 2010, e a “Marcha para Jesus” foi mantida neste ano de 2011. Sobre o evento, recebemos e-mail (Anexo C) convidando a participar de uma reunião de planejamento, enviado pela Associação dos Pastores Evangélicos da Paraíba - APEP, da qual não fazemos parte, cujo presidente é um pastor presbiteriano, criador da “Marcha para Jesus” em João Pessoa. Fica evidente que os pastores criadores da Marcha não acataram as determinações do Supremo Concílio e até o momento não lhes foi imputada qualquer punição, o que gera uma situação de difícil questionamento pelos demais líderes em função da sensação de impunidade gerada por este “silêncio”.

Observamos também a questão da quebra da ética presbiteriana relacionada ao poder de atração dos pregadores da televisão. Uma devota, membro de uma igreja Presbiteriana local, mesmo ocupando cargo de liderança na sua igreja, declarou não estar mais indo aos cultos. Ela afirma estar sendo alimentada com a Palavra de Deus através das pregações do padre Fábio Melo na televisão – e não mais na igreja pelo seu pastor. Este fato confirma o fenômeno da “santa missa em seu lar”, em que as pessoas deixam de ir à igreja para ficar em casa assistindo a missas e a cultos massificados e mercantilizados, que não têm a identidade com a tradição, tal como Pierucci (2006) definiu. Esta prática está se tornando cada vez mais freqüente entre os presbiterianos em geral.

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