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2. OS FANZINES DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

2.1. Sobre os fanzines

Surgidos nos Estados Unidos na década de 1930, no bojo da comunidade de fãs de ficção científica a partir de algumas revistas de contos como a Amazing Stories, que em suas seções de cartas publicavam o nome e endereço completo dos correspondentes permitindo os leitores da mesma se comunicaram diretamente entre si. Essa comunidade postal seria o caldo de cultura no qual nasceriam os fanzines. Os fãs unidos por uma causa e visão de mundo comum, compartilhavam conhecimentos uns com os outros, formulavam parâmetros críticos e incentivavam-se mutuamente a escrevem suas próprias histórias e editarem suas próprias publicações:

Em sua correspondência, divertiam-se com uma espécie de propaganda pessoal disfarçada de paródia. Piadas internas e um humor ácido os aproximavam (...). Exigiam categorias claramente definidas. Promoviam discussões intermináveis e obsessivas, tentando chagar a uma conclusão sobre a ficção científica (...). Eles rotulavam, listavam, classificavam, incluíam, excluíam e colecionavam como uma paixão

58 pela meticulosidade – já que esse ordenamento hiper-racional era a forma mais divertida de manter a desordem da vida e das emoções sob controle108.

Os primeiros fanzines que se tem registro são Cosmic Stories de Jerry Siegel de 1929109, editado individualmente, The Comet, criado em Maio de 1930 por Ray Palmer e editado pelo Science Correspondece Club e de julho do mesmo ano, The Planet, editado por Allen Glasser para o The New York Scienceers110. Fora dos circuitos comerciais, feitos amadoristicamente e voltados a um público pequeno, mas seleto, os fanzines eram distribuídos dentro de suas comunidades postais, raramente atingindo alguém fora do próprio grupo de fanzineiros.

O fanzines, contração dos termos ingleses fan e magazine, são publicações independentes nas quais os editores detêm o domínio de todo o processo de produção, indo da coleta de informações, diagramação, composição, paginação, montagem até a impressão, divulgação, distribuição e a venda. Via de regra os fanzines não possuem objetivo de lucro e são custeados pelos próprios editores com eventual ajuda de anunciantes ou doações, podendo ser vendidos, trocados ou doados111. Qualquer publicação amadora, feita sem intenção de lucro, pelo simples amor pelo objeto de interesse poderia ser considerado fanzine, mas cabe uma diferenciação importante: boletins e informativos de associações comerciais ou religiosas, organizações ou empresas não são considerados fanzines pois seu objetivo não se encerra à atividade cultural promovida112.

Através do fanzine pode-se tratar de qualquer assunto de interesse do editor, sem nenhuma restrição temática. O objetivo não comercial aparece junto do diletantismo apaixonado como as principais características do fanzine, responsável por sua liberdade temática e estética. Sem compromisso com vendagem e sem a necessidade de retorno financeiro, o editor fica livre para realizar experimentalismos, publicar o que lhe interessa, alterar formato, periodicidade numeração, tamanho, número de páginas, colaboradores, preço ou qualquer outra característica da publicação. Para Edgard

108 JONES, Gerard. Homens do Amanhã: geeks, gangsters e o nascimento dos gibis. São Paulo: Conrad,

2006, p. 56-57

109 JONES, Gerard. Homens do Amanhã: geeks, gangsters e o nascimento dos gibis. São Paulo: Conrad,

2006, p. 59-60

110 MAGALHÃES, Henrique. A nova onda dos fanzines. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2004, p. 11 111 MAGALHÃES, Henrique. Op cit, p. 13

112 Interessa notar que o termo fanzine só começou a ser usado no Brasil a partir de meados da década de

59 Guimarães, um dos mais importantes editores do país, a diferença entre o fanzine e as revistas comerciais é que:

A revista profissional é feita em função de um mercado pré-existente. Como precisa vender para se sustentar, a revista profissional tenta oferecer aquilo que uma parcela do público leitor quer, ou seja, a revista profissional é feita em função do leitor. O fanzine, ao contrário, é a forma de expressão do editor, ou grupo de editores113.

Há muitas razões que incitam um editor a começar um fanzine tais como divulgar sua coleção, manter contanto com outros fãs, promover o debate sobre algum assunto, divulgar suas próprias produções artísticas ou de outrem, mas todas as razões passarão obrigatoriamente pelo engajamento emocional com o objeto de interesse.

O fanzine faz parte daquilo que denominamos folkcomunicação, que é o processo de intercâmbio de informações e manifestação de opiniões, ideias e atitudes de massa através de agentes e meios ligados direta ou indiretamente a cultura popular114. Sendo uma expressão de grupos marginalizados cultural e geograficamente, sem acesso ou representatividade nos meios de comunicação de massa, os fanzines promovem o intercâmbio de ideias que estão apartadas do chamado mainstream115 dando visibilidade a sujeitos invisibilizados nos grandes meios de comunicação. Bandas independentes, principalmente dentro do movimento punk, quadrinhistas, poetas e artistas gráficos utilizam largamente os fanzines para divulgar o seu trabalho. Não necessariamente os fanzines constituem uma “impressa alternativa”, pois não estabelecem oposição às mídias de massa, mas pelo seu caráter amador, estariam mais para uma imprensa independente, livre das amarras e da pressão do mercado.

Por sua estrutura muito simples, normalmente uma ou mais folhas de papel dobradas, com as bordas recortadas e grampeado, reproduzido em mimeógrafos ou fotocópia, em última instância o fanzine pode ser produzido por qualquer um que seja instruído no processo editorial e que esteja disposto a dedicar seu tempo e esforço a empreitada. A qualidade gráfica e editorial de uma publicação está diretamente envolvida na quantidade de tempo e recursos passiveis de serem aplicados a obra de

113 GUIMARÃES, Edgard. Fanzine. São Luís: Marca de Fantasia, 2005, p. 12

114 Luiz Beltrão, citado por Roberto Benjamim in. BENJAMIM, Roberto. Folkcomunicação no contexto

de massa. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2000, p.12

115 Termo utilizado para definir o gosto ou estética dominante em uma determinada época, normalmente

veiculado pelos grandes veículos de comunicação. O oposto de mainstream seria o underground, o que está fora do grande circuito de mídia e que rompe com a estética e temática dominante.

60 forma que, se a grande maioria dos fanzines são pequenos folhetos, algumas publicações se assemelham a revistas especializadas profissionais.

A estrutura de distribuição dos fanzines se assemelha a própria rede de contatos do editor, sendo distribuído via correio, em postos de venda especializados - como gibiterias - ou vendidos diretamente em eventos de música, quadrinhos ou cultura. Entretanto, a principal maneira de adquirir as publicações é encaminhar uma carta ao editor responsável propondo a compra ou a troca do fanzine, o que acarreta em grande parte da produção sendo trocada por outras e não contribuindo para saldar os custos de publicação e distribuição. Em busca de viabilizar esse processo com o mínimo de gastos, os editores se utilizam de vários expedientes como reaproveitar os selos postais, encaminhar como carta social de tarifa diferenciada ou mesmo pedir a terceiros que levem os fanzines para serem postados em outras cidades com menor custo postal.

A divulgação compreende o trabalho de anunciar a edição, elaborando e distribuindo malas diretas, folders e flyers. Com o tempo, foram desenvolvidos novos mecanismos de divulgação, como os fanzines repertórios Informativo de Quadrinhos Independentes e Independente ou Morte, responsáveis por divulgar os lançamentos da cena independente e como fazer para entrar em contato com os responsáveis. O cerne da divulgação de fanzines é a propaganda mútua que fazem entre si, mas que acaba ficando restrita ao próprio meio dos fanzineiros. Algumas publicações, buscando extrapolar o meio independente investem e anúncios, releases ou enviam exemplares para órgãos de impressa, mas sem grande êxito. O desafio de angariar novos públicos continua sendo uma das maiores constantes do meio e ainda se encontra sem solução.

Quase sempre os fanzines são aperiódicos e efêmeros, com um grande número de novas publicações coexistindo com o uma quantidade igualmente grande de encerramentos. Por dificuldades financeiras, falta de planejamento a médio/longo prazo, retorno insuficiente, dificuldades para conseguir informações e se diferenciar das outras publicações, demandas físicas, financeiras e de tempo exigentes, desânimo ou arrefecimento, uma parte considerável das inciativas não tem continuidade.

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