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1. CAPÍTULO

3.2. Sobre o que é literatura

A literatura [...] é um mergulho pra dentro de nós mesmos. Cinderela (2013)

Sabemos que a história da humanidade tem na literatura seu suporte mais fiel. A narrativa literária vem pelo menos desde a antiguidade contando e recontando a história do homem no mundo. Seus movimentos, sua saga pela sobrevivência, seus amores, seus conflitos, suas guerras. Somos herdeiros de um arcabouço literário em que o mito, a poesia, a comédia, o drama, as narrativas heroicas nos transportam no tempo e no espaço confirmando a nossa condição humana.

Dessa forma, as experiências com a leitura literária proporcionam ao leitor conhecer o mundo e a ele mesmo.

Antonio Candido (2012) em seu ensaio O direito à literatura desenvolve uma reflexão no sentido de demonstrar que a literatura se constitui como um bem da humanidade e uma

necessidade universal. Essa afirmação nos deixou extremamente sensibilizadas ao nos depararmos com o discurso dos professores entrevistados. Em todos, encontramos um traço do pensamento de Candido. Por isso o primeiro saber que abordamos no capítulo das análises trata-se justamente da Literatura como fator de humanização.

Para os entrevistados, o texto literário deve ser leitura constante na sala de aula, porque a literatura é transdisciplinar, formativa e lúdica. Com o texto literário, o professor ensina para a literatura e pela literatura, razão pela qual os docentes argumentam em defesa da leitura literária na escola.

Segundo Morin (2010), um ensino educativo tem por missão transmitir uma cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre.

Essa compreensão de ensino nos parece muito favorável ao entendimento de que a literatura possibilita essa abertura. Ao favorecer a interlocução com outras áreas de conhecimento, a literatura propicia também outras formas de experiência humana. Seja em uma obra de arte, em um romance, na poesia ou em um filme ela revela a universalidade da condição humana. Por isso Morin (2010) afirma que “é na literatura que o ensino sobre a condição humana pode adquirir forma vívida e ativa, para esclarecer cada um sobre sua própria vida” (MORIN, 2010, p. 49).

Dessa forma, sob a luz das ideias de Candido (2012) e de Morin (2010), trazemos o fragmento de fala da professora Sininho sobre a importância de a leitura literária fazer parte da formação do leitor. Como fator de humanização, a docente afirma que a leitura literária favorece ao aluno

compreender a dialética [...] social. Compreender [ele] mesmo como ser humano, [...] o que gera [a] diversidade de convivências, de relações.[...] O que geram os conflitos. O que [ele] não consegue superar [...] a literatura [...] proporciona isso.

Portanto, como já salientamos, para esses profissionais a leitura literária se faz tão presente e tão necessária na sala de aula. Ela solicita ao leitor seja o professor ou o aluno, atenção, imaginação, escuta, prática do diálogo, interação. No jogo ficcional que a literatura propõe, afirma Candido (2002)

[...] o leitor ao se nivelar ao personagem [...], se sente participante de uma humanidade que é a sua, e deste modo, pronto para incorporar à sua experiência humana mais profunda o que o escritor lhe oferece como visão da realidade (CANDIDO, 2002, p. 89-90).

Além disso, “ela se manifesta desde o devaneio amoroso ou econômico no ônibus até a atenção fixada na novela de televisão ou na leitura seguida de um romance.” (2012, p. 23) Daí compreendermos como o pensamento do autor ecoa no entendimento dos professores entrevistados.

Baldi (2009), ao citar Aguiar (2011), diz que em geral quando o professor pensa em desenvolver um trabalho com o texto literário na sala de aula, tem vários propósitos que vão desde a ampliação do vocabulário, melhoria da escrita, aquisição de informações, entre outros. Todavia, afirma a autora, outras razões devem ser pensadas, visto que

[...] a leitura aciona uma cadeia humana em direção à imaginação (...) Lendo me ligo a todos aqueles que vieram antes de mim e projetaram o tempo em que vivo, no que ele tem de resistência à dor, à violência e à injustiça. Isso porque se o dia a dia ensina a viver o que tenho pela frente, o livro literário desempenha para mim outras realidades, possíveis de acontecer e, portanto, verdadeiras (AGUIAR, 2011, p. 1).

Por tudo isso, a literatura para esses professores representa:

 O mundo que nos cerca. (Bela, Flora)  Um mergulho interior. (Cinderela, Mérida)

 A possibilidade de transitar em outras leituras. (Fauna)  Toda forma de expressão artística. (Chapeuzinho)  O relato de vida do homem. (Maria)

 Fonte de saber. (Pocahontas, Wendy))

 Exercício de imaginação. (Peter Pan, Alice, Fiona)  Produção escrita com prazer. (Mulan)

 Conjunto de saberes sobre a leitura. (Dorothy)  Diversidade textual. (Iracema)

 O encantamento do pensamento. (Branca de Neve)  Informação para a vida. (Primavera, Sininho)

 A possiblidade de reflexão com o outro e para o outro. (Rapunzel)

Os sentidos que os entrevistados dão à literatura são variados, mas todos convergem para o entendimento da necessidade de que esses profissionais têm de incorporar em suas práticas de ensino o livro literário. Se observarmos os dados contidos nas análises e confrontá- los com o que aqui apresentamos, veremos que em nada diferem do que eles disseram sobre como exploram em sala de aula a leitura literária no processo de formação de leitores. São leituras voltadas para o ensino de conteúdos, para a formação de valores, para a produção de textos, para o gosto pelo ato de ler. Leituras que objetivam fomentar a discussão, o diálogo, a reflexão, o encantamento.

Portanto, entendemos que a leitura literária é incentivada pelos docentes em sala de aula permeada pela representatividade que eles têm sobre a literatura.

Nesse sentido, comungamos com Dalvi (2013) na defesa de que na escola “é necessário instituir a experiência ou vivência de leitura literária, bem como a constituição de sujeitos leitores, como fundantes e inerentes (também) ao ensino de literatura” (DALVI, 2013, p. 68).

Em todo caso, é para o professor que converge a grande responsabilidade de semear leitores de literatura na escola, visto que ele é a referência de leitor para o aluno. Portanto as concepções que têm sobre a literatura são elas que nortearão sua prática, suas escolhas e consequentemente sua ação educativa com o texto literário.

Apropriando-nos das palavras de Dalvi (2013), é a leitura do professor que deve guiar o aluno com segurança, com delicadeza e discrição, de modo que esse aluno seja efetivamente um leitor com identidade própria, que leia com sua memória, sua imaginação, sua experiência vital, suas expectativas e seus conhecimentos linguísticos e literários. Nessa perspectiva, as emoções e os afetos são indissociáveis do conhecimento de mundo, da vida e de si próprio que o texto literário possibilita e ajuda a desenvolver no leitor.

Encontrar no discurso dos professores entrevistados ecos dessa compreensão nos faz ter a certeza de que no caminho para a formação de leitores de literatura algumas setas já foram lançadas e que é salutar continuar acreditando que embora a tarefa não seja fácil, não é impossível.