• Nenhum resultado encontrado

Sobre a Lei Maria da Penha: “[...] então ela torna crime violência contra a mulher”

CAPÍTULO 3: ANÁLISE DOS DADOS

3.1 Materialização de ideologias na constituição do gênero feminino

3.1.4 Sobre a Lei Maria da Penha: “[...] então ela torna crime violência contra a mulher”

Nesta SOT do dia 15 de outubro de 2014, o par que também falou sobre o aborto, conversou sobre uma outra situação que faz parte da vida de muitas mulheres ainda hoje. Neste excerto, as parceiras estão falando sobre as campanhas dos candidatos à presidência do Brasil, das eleições de 2014, quando a brasileira 6 (B6F) fala sobre o modo como os candidatos se tratam durante o debate. Para ela, o candidato Aécio Neves zomba da candidata Dilma Rousseff durante o debate presidencial. Os desdobramentos da conversa são bastante relevantes para as discussões no âmbito do gênero feminino e seu novo papel na sociedade.

EXCERTO 5

111 B6F: Foi estranho, porque teve uma hora que ela perguntou...é...sobre a lei Maria da Penha, você viu? 112 E6F: Isso é a lei das mulheres?

113 B6F: É, é a lei é...de defesa da mulher. 114 E6F: Aham...

115 B6F: Que é violentada ou qualquer coisa assim.

116 E6F: Como, como se...eu lembro de [INCOMPREENSIVEL], mas não lembro o nome da lei, qual era? 117 B6F: Quer que eu escreva? É lei Maria da Penha, é o nome de uma mulher.

118 E6F: Lei Maria da pi...p-e-n-h?

119 B6F: Isso. E/e tipo, pra quem não sabe isso foi uma provocação, porque existe boatos de que ele bateu

na mulher, então...

120 E6F: Ele bateu uma mulher?

121 B6F: Na mulher dele, na esposa dele. Tem boato, aí, eu acho que ela perguntou por causa disso, entendeu!?

122 E6F: Ah...que horrível! Eu não, não sabia disso, é confirmado?

123 B6F: Eu também não. Descobri ontem. Eu, eu não sei se é confirmado, a menina que...a que mora comigo, ela falou, ela que me falou, eu não sabia também, daí eu fiquei "por isso que ela perguntou!" (risos). Então não sei se é confirmado, eu acho que existe boatos...

124 E6F: E lei, a lei da...da Maria da Penha é para, para ah...prevent? 125 B6F: É, é previne.

126 E6F: Prevenir a violência.

127 B6F: Na verdade, é uma lei que protege as mulheres, então ela torna crime violência contra a

mulher.

128 E6F: Protege as mulheres viole...desculpa...violência contra as mulheres. Como se escreve violência? 129 B6F: Assim (escreve no chat).

130 E6F: Brigada!

131 B6F: É...então, eu acho que foi um provocando o outro assim...e é meio absurdo...tipo...

A discussão entre o par sobre os candidatos à presidência, nas eleições de 2014, remete a uma problemática existente na vida de muitas mulheres, na qual o candidato Aécio Neves foi o protagonista, quando discutem sobre existirem boatos de que o candidato bateu em sua mulher (enunciados 119, 120 e 121). Neste caso específico, parece tratar-se de uma notícia veiculada por alguns blogs e pelo jornal Hora do Povo15 do dia quatro de novembro de 2009. Nesta notícia,

15 Link de acesso à primeira página do jornal Hora do Povo: <<http://www.horadopovo.com.br/2009/Novembro/2814-04-11-09/CAPA/grande.htm>> e com a página da

o repórter C.L. conta que Aécio Neves, na época governador do estado de Minas Gerais, deu um tapa na namorada que o acompanhava numa festa, ela caiu no chão, levantou e revidou a agressão. Aparentemente, a mídia abafou o caso, além de não ter havido nenhuma denúncia contra o governador. Por esse motivo, a brasileira ao falar sobre o assunto, demonstra não ter certeza da veracidade das informações, quando relata que “existe boatos” (enunciado 119) e que não sabe “se é confirmado” (enunciado 123).

A brasileira afirma que os candidatos à presidência visam a provocação, como quando a brasileira atesta que um candidato fica “provocando” o outro (enunciado 131). Neste caso, segundo a brasileira, a candidata Dilma Rousseff em tom de “provocação” (enunciado 119) fala sobre a lei Maria da Penha para o candidato Aécio Neves, visto que, segundo a interagente, ele bateu na mulher16. Ao assistir ao vídeo do debate, não vejo o tom provocativo da candidata Dilma Rousseff ao questionar o candidato Aécio Neves sobre a violência contra a mulher, ao contrário do que explicita a brasileira (enunciado 119). Ainda assim, o fato é que o próprio questionamento vem para colocar em questão o papel ambíguo do candidato à presidência, que deve prezar pela segurança de todos os brasileiros, mas que numa festa, aparentemente (pois o boato não foi confirmado), bateu em sua namorada, sem nenhum tipo de consequência.

Por casos como esse, em 2006, foi instituída a lei Maria da Penha que consiste em criar “mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica contra as mulheres”; “preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social” e assegurar “as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 2006). Não é difícil conhecer uma mulher que tenha passado por algum tipo de violência17, considerando que, segundo a lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), a violência vai além da agressão física e do estupro. Pode ter relação com a opressão, a exposição da vida íntima, o

reportagem que conta como foi a agressão: <<http://www.horadopovo.com.br/2009/Novembro/2814-04-11-09/P3/pag3a.htm>>.

16 Link de acesso ao vídeo do debate presidencial – parte na qual os candidatos falam sobre a violência contra a mulher: <<http://www.horadopovo.com.br/2009/Novembro/2814-04-11-09/P3/pag3a.htm>>.

17 Link de acesso ao site com casos de violência contra a mulher que repercutiram o mundo, segundo o Portal Terra: <<https://noticias.terra.com.br/mundo/veja-casos-de-violencia-a-mulheres-que-repercutiram-no-mundo,d0a35abd9a936410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html>>.

controle financeiro ou de qualquer outro tipo, como o mental, por exemplo e até a diminuição da autoestima. Ao compreender a violência contra a mulher, observando também estes aspectos, entendo que a lei Maria da Penha refuta ideologias oficiais patriarcais que explicitadas na sociedade, como sistemas ideológicos já formados, a partir de uma ideologia do cotidiano sistematizada e fixada, bem como explica Volochínov (2013, p. 156). Assim, esta lei busca amparar o novo papel social do gênero feminino sobre o qual falamos no excerto 2, dando suporte jurídico, ou seja, construindo uma ideologia jurídica vigente que apoia as ideologias do gênero feminino materializadas nos contatos do cotidiano na sociedade.

Em casos como esse, depreendo que a luta do gênero feminino que vive esse momento de transformação na sociedade, e que começa nos contatos do cotidiano como o TTD, já influencia as ideologias oficiais vigentes que vão se transformando e se adequando às novas necessidades do grupo. A criação desta lei que ampara o gênero feminino vem para confrontar sujeitos que ainda se manifestem a partir de discursos machistas, patriarcais e sexistas.

Neste excerto, as interagentes assumem o papel social do gênero feminino que se opõe à violência contra a mulher. Além disso, pelo modo como falam sobre o debate, identifico a ideologia política materializada entre as parceiras, visto que estão tratando da campanha presidencial no Brasil. Elas expõem o posicionamento político contrário ao candidato Aécio Neves, realçando a violência aparentemente cometida por ele contra a, na época, namorada (enunciado 119, 120, 121 e 122). Ainda que não se mostrem totalmente favoráveis à candidata Dilma Rousseff, já que se utilizam da palavra “provocação” (enunciado 119) para falar sobre o modo como a candidata abordou o assunto violência para com o candidato e a brasileira demonstra desagrado em relação às provocações entre os candidatos durante os debates, ao relatar que para ela isso é um “absurdo” (enunciado 131).

Nesta parte da análise, considerando os cinco excertos, infiro a materialização de novas ideologias do gênero feminino e a refutação de ideologias oficiais vigentes que podem ser explicitadas como tipos de violência, visto que ideologias como a patriarcal e até a religiosa, por exemplo, oprimem, julgam e condenam os comportamentos que fogem às regras impostas por elas. É em refutação à esse molde constituído a partir de ideologias como estas que o gênero feminino luta e, consequentemente, vai constituindo, nos contatos do cotidiano, novas formas ideológicas que entram em conflito com as ideologias vigentes e tentam, de algum modo, revolucioná-las, para que elas se tornem mais adequadas às necessidades dos grupos sociais. Conforme explica Bezerra (2005, p. 193), algumas formas ideológicas podem ser consideradas

tipos de violência, que devem ser enfrentadas de modo revolucionário em benefício do indivíduo.

Haja vista esta relação entre as ideologias explicitadas nos contatos do cotidiano, como as SOT desta dissertação, e as ideologias oficiais vigentes, na segunda parte desta análise, abordo a materialização do posicionamento ideológico dos interagentes no que concerne às ideologias religiosas vigentes, a partir de 6 excertos retirados das SOT coletadas.