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Gidalto Pereira Dias, ou, Mestre Pé de Chumbo, como é conhecido no meio capoeirístico na atualidade76, nasceu no dia 8 de dezembro de 1964 na cidade de Floresta Azul no interior do sul da Bahia.

Como sua mãe veio a falecer durante seu parto e o seu pai (um pequeno agricultor que já possuía outros sete filhos) não tinha como cuidar do recém-nascido, Mestre Pé de Chumbo foi criado pelos avós maternos. Sua avó, Dona Brasilina Maria de Jesus (era filha de índios) dizia que queria criá-lo, afirmando que seu neto parecia com a falecida filha (mãe de Mestre Pé de Chumbo). Viveu, então, com seus avós até os 14 anos de idade entre os municípios de Ibicaraí, Itabuna e Eunápolis. Seu avô, José Domingos Filho, era um fazendeiro da pequena cidade Ibicaraí.

Foi nesta cidade que começou a praticar capoeira no ano de 1974 (portanto, com quase dez anos de idade). Estudou na “Academia Educativa Escolar Osvaldo

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Antes de ser conhecido como Mestre Pé de Chumbo (devido ao perigo que seus golpes de “pés pesados” representa), também foi apelidado de “Tiozão” porque, em Indaiatuba (década de 80), desenvolvia um trabalho com capoeira em que a clientela era constituída na sua maioria por crianças e adolescentes.

Montenegro Professora D. Valdir”. Assim, em sua adolescência, ainda no sul da Bahia, levava a vida praticando capoeira e estudando.

(...) Prá você ter uma idéia, eu nem gostava de capoeira. E não tinha na época, falar assim, angola e regional. Era capoeira. A casa da academia era na esquina, ela hoje não existe mais. O pessoal era: mestre Mita, Badega, Sérgio Alemão e Adilson (este era aluno e irmão do Mestre Mita). Então, eu não era assim, uma pessoa assim, que gostava de capoeira, eu fazia caratê na época, aí de repente é, foi com influência de briga, de luta e, moleque né, de querer ser melhor do que o outro, aí, terminei indo prá capoeira, porque eu tive uma desvantagem. Aí terminei gostando de capoeira. Que uma dessas pessoas que eu citei para você, o Adilson era irmão de um dos professores, e ele tinha a minha idade e eu fazia caratê, e ele tinha me desafiado prá falar que a capoeira era melhor, eu fui provar e terminei ficando com a capoeira, mas, e aí prá frente, fiz essa capoeira, e hoje eu vejo que a capoeira que eu fiz antes é meio parecida com a angola de hoje (...) (Mestre Pé de

Chumbo, Entrevista, 2003).

Em 1980 veio para São Paulo, mais exatamente, para Indaiatuba, morar com duas irmãs, uma vez que a sua avó havia falecido. Lá trabalhou registrado, por volta de cinco anos, como “cortador profissional” numa firma chamada “Melika Confecções”. Viajou para São Paulo (Capital) por cerca de dois anos para trabalhar e fazer seu curso profissionalizante na “Alpargatas”, uma firma no bairro da Móoca onde aprendeu desenho e corte de calças, shorts e blusas.

Morei em São Paulo, na Móoca quando eu desenvolvia um trabalho. Eu tinha um trabalho. Eu sou cortador profissional. Desenho, calça, blusa, short. Que eu aprendi na firma que eu trabalhei. E, levei a capoeira. Aí dei aula de capoeira e participava de capoeira. Prá você tê uma idéia, eu trabalhei ali, mais de dois anos, trabalhei. Que eu estudei é, estudei curso de corte e, pelo Alpargatas. Mas eu trabalhava numa firma, era registrado numa firma chamada Milica Confecções em Indaiatuba. E viajava prá lá [São Paulo], morava lá, vinha prá casa [Indaiatuba], vê minhas irmãs e voltava prá lá prá estudar e, nessa brincadeirinha eu pegava capoeira, ia aqui e tal, ia na Sé, na República e aí levei a vida. (Mestre Pé de

Chumbo, Entrevista, 2003).

Mas, Mestre Pé de Chumbo, segundo ele, acostumado ao “calorzão do interior da Bahia”, sentiu dificuldade em se adaptar tanto à frieza do clima paulista quanto à das pessoas e à própria mudança em sua vida.

Em fins de 1981 surge o interesse de Mestre Pé de Chumbo em conhecer, tanto Salvador – BA, bem como Mestre Pastinha. Vai então à Salvador, porém, não alcança Mestre Pastinha com vida.

Nessa volta minha [para a Bahia], eu era preocupado em conhecer Mestre Pastinha, e não tive a chance de conhecer, porque quando eu comprei a passagem, prá conhecer Salvador, (meus irmãos, tios moravam em Salvador, aí, eu queria conhecer né, porque o pessoal no interior falava muito da capital e tal). E eu tinha conhecido São Paulo [Capital] já, e não conhecia a capital Salvador. Aí eu tinha comprado uma passagem um mês antes da viagem prá dia 14/11. Aí, numa festa de capoeira, porque eu andava em vários lugares em São Paulo – na Sé, República – molecão, mas jogando capoeira, capoeirista tem sempre aquela fome. Aí caí em Campinas no encontro de capoeirista que era do Mestre Tarzan, aí teve a notícia que ele pediu um minuto de silêncio porque tinha falecido o Mestre Pastinha. Aí foi a mesma coisa de tirar o tapete de meus pés. E aí, eu, a pessoa que eu era fã e que queria conhecer, eu não tive condições de conhecer, porque minha passagem era pro dia 14, ele faleceu dia 13 [13/11/1981], e dia 14 era festa do Mestre Tarzan (...) (Ibid., 2003)

Mestre Pé de Chumbo conta que foi para Salvador e não alcançou nem o enterro do Mestre Pastinha, porque, além de sua passagem de ônibus ser para o dia 14/11/1981, ou seja, um dia após a sua morte, o ônibus “horrível” da empresa São Geraldo quebrou na estrada e, ele acabou ficando mais de 8 horas na espera de um outro, o que atrasou mais ainda a sua chegada em Salvador.

(...) só sei que cheguei em Salvador no dia 17 à noite, 10 ou 11 da noite não sei. Minha irmã ainda foi me encontrar na rodoviária e aí foi quando eu fiquei em Salvador, aí não queria mais voltar pro Estado de São Paulo porque me apaixonei pela cidade, pelas pessoas, porque eram também pessoas do mesmo lugar que sou, da Bahia, mas era uma turma diferente, era um povo totalmente diferente do interior, era um povo diferente de São Paulo. Era muito mais assim do que eu pensava, muito mais acolhedor, cheio de festa (...) (Ibid. 2003).

Foi no ano de 1981 que Mestre Pé de Chumbo começou a sua paixão pela capoeira angola, mas, a chamado de sua irmã de Indaiatuba, Mestre Pé de Chumbo retornou para o estado de São Paulo e continuou tentando se adaptar a uma vida de “operário padrão” que sua irmã almejava para ele, porém, nunca abandonava a sua busca pela capoeira.

Em São Paulo (na capital), conheceu grandes mestres de capoeira baianos, como o Mestre Suassuna, Mestre Brasília, Mestre Silvestre, Mestre Belisco, Mestre Miguel Machado, Mestre Pessoa, Mestre Joel, Mestre Paulo dos Anjos, Mestre Gato Preto e outros. Freqüentou as rodas da Praça da República, da Praça da Sé e, em Indaiatuba, chegou a fazer e a dar aulas de capoeira regional77.

Numa das firmas que trabalhou em Indaiatuba, na COBREQ CIA LTDA (uma grande metalúrgica de fazer peças de carro, lona, pastilha e sapata de trem), chegou a ser “cabeça de greve” e a fazer rodas de capoeira durante o movimento.

E fui um cara que brigava pelo portão (...) Aí teve altas políticas, teve aquele negócio, quando Lula tava naquelas crises, de greve e tal, aí, cê sabe, né, eu entrei também, fui um grevista, assim, participei dessas onda e fui um cabeça de greve, e eu agitei todo mundo, parou porque não achava justo. O presidente lá era o Dr. Walllan, era italiano. Aí eu agitei, a polícia veio, aí fazia roda de capoeira. Ich, era doido” (Ibid., 2003).

Segundo Mestre Pé de Chumbo, apesar de seu desejo constante “de abandonar tudo” (o trabalho “nas firmas”) e viver para a capoeira, ele reconhece que, de certa maneira, essas firmas lhe ajudaram a manter, paralelamente, seu trabalho com capoeira, seja desenvolvendo um trabalho com capoeira na própria firma ou obtendo algum recurso financeiro via salário de “operário padrão”. Das diversas vezes que ele saiu das firmas, inclusive, “largando tempo de serviço”, viajou para a Bahia, mas voltava para Indaiatuba: “Então trabalhava aqui [em Indaiatuba/São Paulo], de repente dava na cabeça: eu tenho, sabe, que ir embora. Aí largava tudo, largava é, tempo de serviço. Lá ia embora. Aí voltava, e aí voltava, e a minha irmã: mas Gil, Gil, você é maluco?”

Com o tempo, Mestre Pé de Chumbo, analisando a sua trajetória, viu que ele não era “maluco”, apenas não queria ser um “operário padrão” e, sim, viver para a capoeira e

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Mestre Pé de Chumbo ao afirmar que treinou capoeira regional em São Paulo, frisou que ele não a considerava como capoeira regional afirmando: “a capoeira regional é a capoeira do mestre Bimba, uma capoeira que

ninguém faz hoje, a não ser quem tá resgatando que nem mestre Nenéu [que é filho do Mestre Bimba] tá tentando resgatar aí, algumas coisas da capoeira regional do seu pai”.

ter sua própria academia. Nesse processo, tais viagens e abandonos das firmas eram interpretados pela sua família (irmã e esposa) como um comportamento irresponsável, “maluco”.

Mas fui um cara sempre responsável. Se eu pegava você prá desenvolver um trabalho, se eu ia embora, depois eu ficava: e a Rosa? Não. Eu tenho que tá com a Rosa, que a Rosa, eu tenho que deixar pronto, sabe? Eu não sabia abandonar ninguém. Então, era isso, que eu ficava lá e cá (Ibid., 2003).

Portanto, foi devido a essas viagens para Salvador que Mestre Pé Chumbo teve a oportunidade de conhecer Mestre João Pequeno. Aliás, antes de ser aluno de Mestre João Pequeno, Mestre Pé de Chumbo foi aluno de Mestre João Grande, um outro discípulo de Mestre Pastinha, vale salientar que Mestre Pé de Chumbo teve aulas com Mestre João Grande na própria academia do Mestre João Pequeno.

O trabalho de Mestre Pé de Chumbo, baseado na capoeira angola de Mestre João Pequeno, começou em São Paulo (Indaiatuba) em fins do ano de 1987 e se efetivou no transcorrer de 1988.

Com o objetivo de mostrar cada vez mais a angola, organizou eventos em Indaiatuba e Campinas trazendo respeitados mestres. No final de 1987, Mestre João Grande e Mestre João Pequeno foram à Campinas e também passaram por Indaiatuba. No começo de 1988, Mestre João Pequeno e uma aluna chamada Mônica, viveram durante quatro meses com Mestre Pé de Chumbo em Indaiatuba e, no final deste mesmo ano, realizou um evento no qual trouxe Mestre Boca Rica, e, novamente, Mestre João Pequeno. Em 1989, fez outro evento no qual trouxe, além de Mestre João Pequeno, Mestre Boca Rica e Jogo de Dentro. Em 1991, além de trazer novamente Mestre João Pequeno, Mestre Boca Rica, Jogo de Dentro, trouxe Mestre Cláudio pela primeira vez.

na época saia pessoas de São Paulo prá ir treinar comigo em Indaiatuba, né, as primeiras pessoas que começaram a freqüentar a academia, de São Paulo, era Peixe Crú, o Tucano Preto, que hoje é aluno Abadá, treinando hoje no grupo Abadá, é Lingüiça, que hoje não exerce mais o lado com capoeira, acho que segue uma religião, acho que Budismo, um negócio assim. É o Pingüim que também já chegou ir conhecer os trabalho, vinha gente do Rio, também, nos meu trabalho, de Petrópolis, Caxias e freqüentava o meu trabalho, assim, mas os únicos que chegaram a fazer aula assim era Peixe Crú, Tucano, aí depois foi o Marrom, que era aluno também do Meinha, aí começou aí no... pessoal de São Paulo, ele começou também eu ir prá São Paulo e, nessa onda de eu trazer muitos mestres, convidava muitos capoeiristas regional e onde o pessoal foi pegando, assim, confiança na capoeira angola (Mestre Pé de Chumbo, Entrevista, 2003).

Em 1990 se mudou para São Carlos, local onde morou predominantemente, até agosto de 2004. Em 1992 foi pela primeira vez à Europa, inicialmente para a Suécia (Estocolmo) e, depois para outros países (Alemanha, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Inglaterra etc.) para dar aulas de capoeira angola. Nesta primeira estada, permaneceu por lá cerca de oito meses.

Como diz Mestre Pé de Chumbo: “eu sempre fui cigano” se referindo ao fato dele não conseguir se fixar (pelo menos, de corpo presente, pois, praticamente todos os seus discípulos espalhados pelo mundo afora têm a certeza que o seu pensamento está fixo em cada local onde é desenvolvido um trabalho sob sua orientação/direção) em nenhum lugar.

Portanto, levando em conta a própria questão da viagem que se fez presente em toda a trajetória de vida de Mestre Pé de Chumbo (seja pela busca do aprendizado da capoeira, seja pela sua divulgação a partir dos treinos, rodas e eventos realizados em sua academia) é que pretendemos ilustrar a rede que se estabelece no grupo e sua respectiva organização. Para tanto, inicio com a descrição da academia em São Carlos, primeiro porque foi o local onde a pesquisa começou e, segundo, por ela representar a concretização de um “trabalho com capoeira angola levado a sério” desenvolvido nesta cidade desde 1990.