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3 REFERENCIAL TEÓRICO

3.3 SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO DE ENFERMAGEM

O processo de institucionalização da enfermagem moderna acontece na Inglaterra no século XIX, saindo do âmbito familiar, privado e domiciliar, organizando-se nos preceitos do modo de produção capitalista, desenvolvendo suas práticas no espaço institucional hospitalar já organizado de acordo com princípios empresariais, em que a divisão do trabalho garante ao proprietário o controle do processo de trabalho (PIRES, 1989; 1998).

Esses hospitais até o século XVIII eram instituições de caráter essencialmente religioso, em que os atendimentos eram destinados apenas a doentes das camadas pobres, tendo como objetivos primordiais: a redenção dos pecados e salvação da alma, tanto para pacientes quanto para quem prestasse a assistência, pois a assistência era espiritual; a separação do doente do convívio social protegendo os outros do perigo que ele representava. A assistência era prestada por religiosos, pacientes recuperados e eventualmente os físicos (PIRES, 1998; ROCHA; ALMEIDA, 1993).

O processo de mudança do caráter do hospital é contemporâneo da decadência feudal e emergência do modo de produção capitalista (aproximadamente séc. XIX), em que é deixada a compreensão do mesmo como um espaço de caráter caritativo, de abrigo aos pobres e mantido pela igreja, transformando-se agora em um espaço de instrumento terapêutico. Essa reforma hospitalar ocorreu em decorrência da necessidade de purificar o hospital de seus efeitos nocivos e da desordem tanto no âmbito da disseminação de doenças, quanto no âmbito econômico social (PIRES, 1989, 1998; ROCHA; ALMEIDA, 1993).

É nesse novo hospital que ocorre a reforma da enfermagem, consubstanciada a separação da prática religiosa à prática técnico-profissional, exigências básicas para a contribuição na modificação da qualidade e dos resultados da assistência prestada nesse novo modelo de instituição, determinando, assim, para a enfermagem, uma fundamentação no conhecimento científico e adquirindo o mesmo caráter de racionalidade e tecnologia que domina toda esfera produtiva da sociedade. Fato ocorrido a partir de 1860, quando na

Inglaterra, Florence Nightingale cria um modelo de formação e prática assistencial que é difundida por todo o mundo (MELLO, 1986; PIRES, 1998; ROCHA; ALMEIDA, 1993).

No Brasil, somente irá se pensar na enfermagem como profissão institucionalizada, na década de 1920, no intuito de atender a nova política sanitária, cujo objetivo era a tentativa de controlar as epidemias que prejudicavam as exportações e o crescimento econômico, esboço da primeira política de saúde do Estado (MELLO, 1986).

A situação de saúde dessa década se caracterizava pelos avanços tecnológicos e fortalecimento da medicina, principalmente das corporações médicas, cuja ênfase, se dava, principalmente, ao curativismo do modelo médico hegemônico, ou seja, ao diagnóstico e a terapêutica, com apoio político e econômico incondicional do sistema capitalista (suas agências internacionais), para uma maior manutenção da força de trabalho produtiva.

Em 1923, é criada a primeira escola de enfermagem no Rio de Janeiro, financiada pela Fundação Rockfeller, sob orientação das enfermeiras norte-americanas, treinadas sob o sistema nightingaleano. Posteriormente, essa escola denominou-se Escola Ana Néri e seus profissionais formados assumiam os cargos de chefias do serviço de saúde pública ou o ensino para a preparação de auxiliares, reproduzindo a base do modelo norte-americano que pregava a divisão social do trabalho na enfermagem, divisão do trabalho intelectual- ladies nurses versus o trabalho manual- nurses, para atender a um modelo político de saúde estabelecido por meio da hierarquização profissional (MELLO, 1986).

Todo esse processo que levou à profissionalização da profissão e à dicotomia do trabalho manual e trabalho intelectual determinando uma heterogeneidade da prática da enfermagem, pois, historicamente é na instituição hospitalar que a enfermagem começa a legitimação da divisão social e técnica do seu trabalho, lembrando que a divisão técnica é precedida pela própria divisão social do trabalho.

Fracolli e Granja (2005) afirmam que a enfermagem brasileira, especificamente, institucionalizou-se no bojo do processo de intensa divisão do trabalho médico na sociedade moderna, principalmente para preencher os vazios desse processo, assumindo hegemonicamente as funções administrativas, no contexto hospitalar, local privilegiado enquanto forma de organização do trabalho para a materialização do modelo clínico, centrado na prestação de serviços a indivíduos, com ênfase no cuidado curativo.

Segundo Kantorski (1997), com o avanço tecnológico crescente, muitas tarefas realizadas por médicos foram designadas à enfermagem, acarretando uma divisão entre o trabalho intelectual (médico) e o trabalho manual (enfermagem). No interior da própria equipe de enfermagem acentua-se a divisão anterior entre as nurses (cuidado direto) e as ladies-

nurses (atividades de supervisão, administração e ensino), estratificando a equipe cada vez mais em função da complexidade das tarefas a serem realizadas, da qualificação exigida, da hierarquia e da remuneração.

Essa divisão parcelada do trabalho traz consigo duas características principais, a saber: alienação dos trabalhadores pela não apropriação de todo processo de trabalho; centralização no interior da enfermagem das relações de dominação e subordinação entre seus agentes, refletindo a própria situação de classes na sociedade.

Nos dias de hoje, a prática de enfermagem mantém a divisão de trabalho original, em que cabem aos enfermeiros as atividades gerenciais e de ensino e aos auxiliares e técnicos de enfermagem as ações de cuidado. Essa cisão do trabalho tem consequências nefastas e graves para a qualidade do cuidado de enfermagem e dos serviços de saúde prestados à população (PEDUZZI; HAUSMANN, 2005).

É notório que grande parte dos enfermeiros exerce suas atividades nas áreas administrativas e de supervisão que possibilita sua função de controle no processo de trabalho de enfermagem. Segundo Lunardi et al. (2001), a característica predominante do processo de trabalho na enfermagem, está na forma como se apresenta, de modo que sua execução encontra-se distribuída entre os seus vários agentes, teoricamente determinada, de acordo com a qualificação exigida pelo grau de complexidade das tarefas que o compõe.

Essa forma de divisão do trabalho é pautada pela qualificação, que tem sua legitimação no processo de formação escolar, estabelecendo uma hierarquização de tarefas, em que os menos qualificados exercem as tarefas mais simples e, à medida que se tornam cada vez mais complexas, vão sendo assumidas por aqueles que possuem uma qualificação maior, culminando com as privativas do enfermeiro. Essa divisão exige a integração destas atividades, ou seja, seu gerenciamento que vem sendo exercido pelo enfermeiro, por ser quem detém o saber e o controle acerca de todo o processo de trabalho da enfermagem (LUNARDI et al., 2001).

Toda essa realidade, inerente ao exercício da enfermagem, é encontrada também nos cuidados à criança em todos os níveis de atenção, mas nesse momento iremos direcionar a abordagem à APS para melhor entendermos a dinâmica do trabalho da enfermagem no cuidado à criança em USF´s.

3.4 SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO DE ENFERMAGEM NO CUIDADO À