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Capítulo 1 – Questões Gerais sobre Aspeto e Tempo

1.3. Sobre o Progressivo

As construções progressivas, uma forma “muito rica em português” (Oliveira, 1994: 188), tipicamente realizadas, em Português Europeu, pela construção estar a +

Infinitivo21 “são das mais interessantes e complexas estruturas, em termos aspetuais” (Cunha, 1998a: 53), sendo capazes de aceitar praticamente todos os tempos gramaticais (cf. (7))22, podendo, ainda, ocorrer com quase todas as classes aspetuais das predicações (cf. (8))23, embora existam, de facto, algumas restrições.

(7) a. O João está a ler um livro.

21 Em Português do Brasil e em outras variantes do Português Europeu (Alentejo e Açores), o Progressivo realiza-se com estar + Gerúndio.

22 Apenas são apresentados os tempos verbais estudados, todavia esta construção, conforme Cunha (1998a) aceita ainda o Pretérito Mais-que-Perfeito (O João tinha estado a ler um livro, antes de sair.), o Infinitivo (É bom estar a ler um livro.) e tempos do modo conjuntivo, como o Futuro do Conjuntivo (Se o João

estiver a ler um livro, a sua irmã está a escrever poemas.).

31 b. O João esteve a ler um livro.

c. O João estava a ler um livro.

d. A esta hora, o João estará a ler um livro.

e. O João estaria a ler um livro, se não estivesses a importuná-lo. (8) a. O João está a gostar do filme.

i. *O João está a ser alto. b. O João está a correr.

c. O João está a ler um poema. d. O gato está a morrer. e. O João está a tossir.

Segundo Cunha (2013: 608), a principal função da construção progressiva é, tal como o seu nome indica, a de “perspetivar a fase intermédia de uma situação, focalizando- a na progressão ou decurso”. Na verdade, o Progressivo associa-se a diversos conceitos que indicam as suas características e, consequentemente, os seus efeitos, ainda que, conforme Cunha (1998a), de uma forma relativamente informal. Ou seja, o autor argumenta que situações no Progressivo remetem para um certo “desenvolvimento”, “progresso” ou “decurso”, estando, deste modo, na base destes conceitos o de “progressão”. Além disso, “progressão” associa-se a “duratividade” e “incompletude”, uma vez que estando uma eventualidade em decurso, há a implicação de que haja uma certa duração, porém, se se apresenta em decurso, não atingiu ainda o ponto de culminação, podendo continuar ainda (cf. Leal, 2001).

Cunha (1998a: 56; 2007) argumenta a favor de que as construções progressivas, “manifestam diversas propriedades que permitem fundamentar a hipótese de que estamos perante estruturas tipicamente estativas”, uma vez que “the progressive should be seen as a stativizer – that is, an operator which converts a non-stative sentence into a stative one” (Glasbey, 1998: 105). O verbo estar está, deste modo, relacionado com estas construções, devido às suas características inerentes. Efetivamente, este verbo ocorre, por norma, em predicações estativas, tais como ‘O João está doente.’, não manifestando outro tipo de comportamento aspetual. De acordo com o autor, é de prever que, devido à origem do verbo, as construções progressivas se aproximem da estatividade, transformando processos em estados (Leal, 2001). De facto, o Progressivo não participa em construções progressivas, rejeitando-as, tal como as predicações estativas (cf. (9)). Vlach (1981: 274)

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justifica a não ocorrência do Progressivo em construções progressivas, afirmando que “when an apparent stative occurs in the progressive, as in John is being stupid, it is said to be use in a nonstative sense. If progressives are statives then there is an explanation for the fact that statives do not take the progressive. The function of the progressive operator is to make stative sentences, and, therefore, there is no reason for the progressive to apply to sentences that are already stative.” Além disso, o Progressivo também não é compatível com a maioria dos testes de agentividade24 (cf. (10)): não aceitam construções com o

Imperativo, não ocorrem em orações com verbos do tipo de obrigar e persuadir, nem admitem estruturas do tipo “o que X fez foi”. Porém, aceitam a comparência de adverbiais que remetem para a agentividade (cf. (11))25.

(9) *O João está a estar a ler um livro. (10) a. *João, está a ler um livro!

b. *A mãe obrigou o João a estar a ler um livro. c. ?? O que o João fez foi estar a ler um livro. (11) O João esteve a ler um livro deliberadamente.

No entanto, estas construções admitem, tal como os estados quando combinados com o Presente do Indicativo, uma leitura de presente-real, ao contrário, como vimos anteriormente, dos eventos que denotam uma leitura de habitualidade. O Progressivo, deste modo, tem uma leitura de presente real e não habitual (cf. Cunha, 2013), nas estruturas com o Presente do Indicativo (cf. O João está a ler um livro agora.). Ao mesmo tempo, em estruturas encabeçadas por quando, “as frases progressivas comportam-se como os estativos, i.e., “englobam” a oração pontual e são mais “naturais” com o Imperfeito” (Cunha, 1998a: 60) (cf. O João estava a ler um livro, quando eu entrei. versus ??O João esteve a ler um livro, quando eu entrei.).

Ainda assim, tal como as predicações estativas, o Progressivo parece “obedecer às mesmas restrições típicas no que respeita aos operadores aspectuais” (Cunha, 1998a: 60), não aceitando verbos de operação aspetual como começar a (cf. *O João começou a

estar a ler um livro.), rejeitando, ainda, operadores que limitam a situação (a x tempo; em

24 No entanto, de acordo com Cunha (2007: 144), “de um modo geral, poderemos afirmar que as estruturas progressivas são compatíveis com elementos portadores de “marcas” ou de “traços” de agentividade.” 25 Exemplos baseados em Cunha (1998a).

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x tempo) (cf. ?/*O João esteve a ler um livro às duas horas.), contudo, aceitam operadores

durativos (durante x tempo), típicos dos processos (cf. O João esteve a ler um livro durante dois meses.) ou dos estados (cf. O João esteve doente durante dois anos).

Na verdade, “tal como os estados, o Progressivo apresenta uma estrutura durativa, homogénea, intrinsecamente atélica e não é fácil determinar fases no seu interior” (cf. Leal, 2001: 123), levando a um problema muito estudado na literatura: o fenómeno do Paradoxo do Imperfectivo (cf. Dowty, 1979). O Paradoxo do Imperfectivo “remete-nos para certas assimetrias verificadas ao nível das inferências que se podem estabelecer (ou não) entre as formas progressivas e as suas correspondentes não progressivas” (Cunha, 1998a: 62, 2004, 2007). Segundo Cunha (1998), se um determinado evento é verdadeiro no momento da enunciação, continuará a ser verdadeiro quando é perspetivado no futuro e, logicamente, também o é no passado, mas isto não é possível em construções progressivas, pois “o progressivo é interpretado por eventos incompletos aos quais é possível acrescentar novas fases.” (Oliveira (1994: 180); Meulen (1987)). Isto é, a verdade de ‘O João está a ler um livro’ não implica que ‘O João leu um livro’ seja necessariamente verdadeiro, ou ainda, em ‘O João está a morrer’ não há a implicação de que ‘O João morreu’, porém, em enunciados do tipo ‘O João está a correr’ é possível retirar que ‘O João correu’. De facto, “o paradoxo reside no facto de a verdade das formas progressivas, que se combinam com dados eventos, não implicar necessariamente a verdade das suas correspondentes mais neutras no que diz respeito ao Aspecto” (cf. Cunha, 1998a: 63), podendo estar na base das dissemelhanças comportamentais de determinadas classes aspetuais, relativamente às implicações do Progressivo, a estrutura interna de cada uma delas. Ora, os processos (correr) que são homogéneos, isto é, cada parte que o integra é idêntica ao seu todo e, por isso, a verdade de cada parte implica a verdade da ocorrência de um processo do mesmo tipo, pelo contrário, os processos culminados (ler um livro) e as culminações (morrer) não o são, pois cada parte é “diferente do evento completo: nesse sentido, a verdade de “parte” da realização de tais eventos não pode implicar necessariamente a verdade da concretização do seu “todo”” (cf. Cunha, 1998a: 64). Assim, o Progressivo retira às culminações duas das suas características base: telicidade e instantaneidade e com processos culminados apenas é selecionada uma parte da situação, uma vez que com as construções progressivas, as

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eventualidades não só ganham duração como se tornam incompletas (não atingem uma meta) (cf. Cunha, 1998; 2007).

Com efeito, destaca-se que “o facto de o progressivo, apesar de ser um estado, ter uma origem eventiva (mesmo quando tem na origem um estado lexical, esse estado teve que passar a processo (o seu ‘input’) antes de transitar para o estado progressivo), justifica a existência de algumas propriedades que são tipicamente de eventos, como um certo dinamismo, a agentividade e a possibilidade de pausas” (cf. Leal, 2001: 126). Assim, verifica-se que a construção progressiva, é, de facto, um operador que induz mudança aspetual, “the eventualities described by progressive forms of a verb v are of the type which is represented by that of the schema corresponding to the Aktionsart of v which terminates in, but does not include, the culmination point”, de acordo com Kamp & Reyle (1993: 566), sendo capaz de converter processos (input) em estados progressivos (output) (cf. Moens (1987); Cunha (1998a)). Assim, graças a todas as transformações possíveis (os estados passam a processos, as culminações agregam processos preparatórios (perdendo a culminação), os processos culminados perdem a culminação e os pontos passam a eventos iterativos), é possível que todas as classes aspetuais se combinem com o Progressivo, tal como é possível verificar na Rede Aspetual de Moens (1987).