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Sobre a ocorrência de Leucopternis lacernulatus e Leptodon forbesi no

VI. Análise das barras caudais

5. Discussão

5.4. Biogeografia de Leptodon forbesi

5.4.2. Sobre a ocorrência de Leucopternis lacernulatus e Leptodon forbesi no

Na obra Aves da Paraíba (1953), Heretiano Zenaide relata o registro de um indivíduo pertencente ao gênero Leucopternis, que posteriormente foi atribuído à L. lacernulatus por Pacheco e Rajão (1993), sendo este o registro mais setentrional para a espécie na Mata Atlântica. A descrição feita por Zenaide, contudo, permite interpretação alternativa, de que tal gavião na realidade era um exemplar de Leptodon forbesi. O autor relata:

“Gavião da mata, Gavião Pombo Família Accipitridae; Leucopternis

Na manhã de 31 de outubro de 1949, encontrei, em João Pessoa, belíssimo espécime de Gavião, aprisionado momentos antes, quando atacava uma ninhada de pintos.

A gana em destruir as vítimas era tanta, que não percebera a aproximação do dono da casa. Este o abateu com um golpe a dois metros de distância.

Na hora em que o vimos estava impossibilitado de voar, porém muito agressivo ainda.

É ave menor do que o Caracará, Plancus brasiliensis (= Caracara plancus), muito vistosa em sua indumentária preta e branca, oferecendo aspecto atrevido e belicoso.

Ostenta nos ombros, dorso superior e nas asas campo anegrado com umas pintas e estrias brancas.

Fronte branca com as plumas riscadas finamente de escuro, no sentido longitudinal.

Bico preto, tirando a cor de aço.

Base da fronte guarnecida por travessa amarelada.

Cauda preta e pintada de branco na base. Ao meio da cauda, larga faixa branca. Quanto ao comprimento, relativamente curta.

Nuca, pescoço, barriga e ventre, tudo muito avo. Narinas arredondadas e nuas, situadas ao pé do bico.

Página inferior das rêmiges alvas e riscadas por finas listas (sic) pretas. Visto em conjunto, tem-se a impressão de um rapineiro retaco.

Registramos, também, suas compridas e possantes asas.

Sua captura foi feita nos arredores de Buraquinho, em João Pessoa.”

Embora ainda não se conheça a dieta de Leptodon forbesi, é provável que ela seja semelhante à de L. cayanesis, que é conhecida por ser generalista, alimentando-se de insetos, ovos, pequenas aves, anuros, moluscos, lagartos e cobras. Leucopternis lacernulatus, por outro lado, é uma espécie especializada na dieta insetívora (Brown e Amadon, 1968; Fergusson-Lees e Christie, 2001).

A descrição plumagem do dorso do exemplar não permite distinguir entre Leucopternis lacernulatus e Leptodon forbesi, uma vez que tanto a coloração negra quanto a presença de branco nas penas da região ocorrem nestas espécies. A presença de “fronte branca, com as plumas riscadas de escuro, no sentido longitudinal” é reminiscente ao caráter de indivíduos juvenis de L. lacernulatus, que possuem estrias longitudinais negras na coroa e no manto, mas, por se restringir

apenas à fronte, não coincide completamente, e tampouco contribui para uma identificação precisa.

Zenaide (1953) descreve a cauda do exemplar de uma maneira que sugere tanto ser pertencente à Leucopternis lacernulatus quanto à Leptodon forbesi, uma vez que ambos apresentam uma larga faixa branca. O autor descreve a cauda como de comprimento relativamente curto, o que indica L. lacernulatus. No entanto, sem um valor de comprimento, ou uma comparação, o caráter também não permite identificação precisa. O mesmo vale para a coloração branca da nuca, pescoço e ventre, presente em ambas as espécies.

A presença de coloração branca e barras pretas na face ventral das asas parece melhor indicar um espécime de Leptodon forbesi, apesar da terminologia invertida (penas brancas e barras pretas no lugar de penas pretas e barras brancas), facilmente compreendida dada a larga extensão das barras brancas. Em Leucopternis lacernulatus, ocorrem barras apenas nas secundárias, e estas são de coloração cinza.

Com relação à forma geral, o autor descreve o exemplar como “retaco” (= atarracado). Tal descrição é mais indicativa de um Leucopternis, uma vez que espécimes de Leptodon em geral tendem a ser, com a longa cauda, mais longilíneos do que “retacos”. No entanto, ao mencionar asas compridas e possantes, o autor novamente permite que a descrição seja interpretada como de um indivíduo de Leptodon forbesi, visto que esta espécie, assim como L. cayanensis, possui longas asas.

Os argumentos acima propostos têm a finalidade de sugerir que a espécie Leptodon forbesi possivelmente ocorre (ou ao menos ocorria em meados da década de 50) no estado da Paraíba, região não amostrada nas pesquisas de campo do presente trabalho.

Ao mesmo tempo, juntamente com a re-identificação do espécime de Leptodon forbesi do MZUSP, coloca-se em discussão a real ocorrência da espécie Leucopternis lacernulatus para as florestas do Centro Pernambuco. Segundo a literatura atual, esta espécie se distribui pela Mata Atlântica meridional até o sul da Bahia, e volta a ocorrer nas florestas do Centro Pernambuco. Como visto na seção Resultados, o único espécime desta última região tombado em coleções ornitológicas é, na realidade, um representante de L. forbesi. Outros registros da espécie no Centro Pernambuco são, a exemplo da descrição por Zenaide (1953),

imprecisos (e.g. Roda e Carlos, 2003), não havendo detalhes sobre como se deu a identificação dos indivíduos. Além disso, a espécie não foi observada nas pesquisas de campo realizadas no presente trabalho (ver também Seipke et al. in prep). É possível que ornitólogos não especialistas em aves de rapina e desconhecedores das características de variação da plumagem de L. forbesi, ao verificar tal espécie em florestas do Centro Pernambuco, tenham erroneamente a identificado como L. lacernulatus, uma espécie com registros até então confiáveis para a região.

Fica evidente, portanto, a importância da documentação de novos registros de Leptodon forbesi e Leucopternis lacernulatus na região através de fotografias e/ou gravações das vocalizações que permitam a identificação específica incontestável e, assim, uma determinação precisa da sua real distribuição, informação de grande importância uma vez que é essencial para a avaliação do status de conservação destas espécies.