• Nenhum resultado encontrado

Sobre os «instrumentos de manipulação» da televisão

2. O poder e a influência social dos mass media

2.2. Pierre Bourdieu e a televisão como meio de comunicação de massas

2.2.1. Sobre os «instrumentos de manipulação» da televisão

O peso do jornalismo, ou se quisermos, a sua influência na sociedade advém do facto de este deter um domínio assinalável sobre os instrumentos de produção e difusão da informação, chegando através deles, ao domínio do acesso dos cidadãos ao “espaço público”. Por outras palavras, os jornalistas ao produzirem a informação que é difundida em massa pela sociedade têm automaticamente o domínio sobre os meios de expressão pública. Para Bourdieu, esse mesmo poder poderá, inclusivamente, «(…) impor ao conjunto da sociedade os seus princípios de visão do mundo, a sua problemática, o seu ponto de vista».70 Por conseguinte, os «pressupostos e crenças partilhados» que o jornalismo veicula estão na génese da selecção levada a cabo pelos jornalistas acerca da realidade e que qualquer actor da cena pública – nomeadamente os políticos – terão sempre de ter isso em conta, moldando mesmo o seu discurso de acordo com estes padrões e delegando para segundo plano expressões simbólicas que, no entender de Bourdieu, «mereceriam chegar ao conjunto dos cidadãos».71

O autor vai mais longe, considerando haver uma certa «coacção do campo jornalístico» relativamente aos outros campos. Assim, todos os campos de produção cultural estão sob «coacção do campo jornalístico» porquanto os níveis de audiência imperam, condicionando por si só o peso da economia que, por sua vez, exerce a sua pressão sobre a televisão, sendo que esta influencia os restantes géneros jornalísticos. Aquilo a que Bourdieu chama de «problemas da televisão» são, assim, imputados ao conjunto do campo jornalístico que acaba por exercer pressão sobre todos os campos de produção cultural. Este ciclo vicioso de que nos fala o autor poderá, inclusivamente, ser algo perverso, passível de manipulações levadas a cabo pelos jornalistas e pelo jornalismo no seu todo, que advém, naturalmente, desta pressão relativamente aos campos de produção cultural. Bourdieu dá-nos o exemplo da crítica recorrente dos jornalistas aos intelectuais – que chama de «anti-intelectualismo» –, nomeadamente promovendo debates entre «intelectuais-jornalistas», que no seu entender, têm apenas como objectivo a sua

70

Bourdieu, Pierre, Op. Cit., p. 49.

71

48

auto-promoção, ocupando uma posição mediática.

Estas intervenções exteriores são extremamente ameaçadoras, em primeiro lugar porque podem enganar os profanos, que apesar de tudo têm peso, na medida em que os produtores culturais precisam de auditores, de espectadores, de leitores, que contribuem para o sucesso de venda dos livros e, através da venda, agem sobre os editores e, através destes, sobre as possibilidades de publicação no futuro.72

Com esta afirmação, Bourdieu sublinha o poder de manipulação dos media; uma posição peculiar que nos remete para a preponderância inequívoca que os meios de comunicação têm na sociedade. O autor chama-nos a atenção para os casos de violência, situações paradigmáticas de revolta popular para com os autores dessa mesma violência, onde os media têm um papel relevante, principalmente pela forma de exposição do problema:

Acontece também que os jornalistas, à falta de observarem a distância necessária à reflexão, possam desempenhar o papel do bombeiro incendiário. Podem contribuir para criar o acontecimento, exibindo com destaque um caso do dia (um assassínio de um jovem francês por outro jovem também francês, mas “de origem africana”) para a seguir denunciarem os que vêm deitar azeite na fogueira que eles próprios acenderam, ou seja, a Frente Nacional, que, evidentemente, explora ou tenta explorar “a emoção suscitada pelo acontecimento”, como dizem os próprios jornais que o criaram dando-lhe a primeira página, enfiando-o na abertura de todos os telejornais, etc. – e que podem por fim garantir-se um ganho de virtude, de beleza de alma humanista, denunciando em altos brados e condenando sentenciosamente a intervenção racista daqueles que contribuíram para a fazer e a quem continuam a oferecer os seus melhores instrumentos de manipulação.73

Esta “chamada de atenção” por parte de Bourdieu remete-nos, novamente, para a questão da construção social da realidade por parte dos media, sendo que, – e seguindo esta linha de pensamento – podemos afirmar que ao transmitirem estas “ideias feitas”, os media, concretamente a televisão, como nosso objecto de estudo, condiciona o receptor, que acaba por tomar certas considerações e parâmetros de pensamento como seus, intrínsecos ao seu próprio pensamento. Ora, por um lado, aceitaremos pacificamente a ideia de que muitos dos valores, das crenças, dos ideais que se enraízam nos indivíduos e que são transmitidos de geração em geração – e que são naturalmente variáveis, mediante determinadas especificidades políticas, culturais, geográficas e outras –, são socialmente

72

Bourdieu, Pierre, Op. Cit., p. 64.

73

49

veiculados, constituindo-se mesmo como constrangimentos sociais, nomeadamente no que à integração dos indivíduos no seio dos seus pares diz respeito. Efectivamente, facilmente se conclui que o seu “aparecimento”, a sua formação e aceitação enquanto valores sociais e por isso, socialmente aceites, data de muito antes do surgimento dos meios de comunicação de massas, nomeadamente da televisão. Porém, não é menos verdade que o aparecimento dos mass media determinou muitos dos comportamentos sociais que vivemos e que podemos observar diariamente, como adiante procuraremos demonstrar.

Relacionado com este cunho manipulador que evoca Bourdieu, o autor alerta-nos para o carácter de «vigilância» por parte dos media, tomado mesmo como uma espécie de «espionagem». Motivados pela concorrência, os meios de comunicação de massas tendem a “copiar” os modelos uns dos outros, tentando tirar vantagem dos fracassos dos mais directos concorrentes aprendendo com eles e, por outro lado, tentando combater os seus sucessos. Para tal, procuram obter as “receitas” do sucesso, inclusivamente, através da disputa por especialistas nas mais variadas áreas, bem como, de jornalistas. Com efeito, constata Bourdieu que, desta forma, ao invés de uma desejável autonomia e singularidade, verifica-se, invariavelmente, uma «uniformidade da oferta» relativamente à informação que é difundida, direccionando a produção noticiosa no sentido da manutenção dos valores instituídos. «O mesmo é dizer que, embora a sua eficiência se realize quase sempre através das acções de pessoas singulares, os mecanismos cujo lugar é o campo jornalístico e os efeitos que exercem sobre os outros campos são determinados na sua intensidade e na sua orientação pela estrutura que o caracteriza».74

74

50

3. Media e Minorias: para uma contextualização do