• Nenhum resultado encontrado

6 OS MOVIMENTOS DE PRODUÇÃO DE SABER DOS CICLOS REFLEXIVOS EM PAUTA: TRANSTORNOS PSICÓTICOS

6.15 Sobre o Paciente e o Profissional

Apesar da postura conciliatória em relação às terapêuticas, podemos constatar uma visão cultural ainda limitada sobre as causas e os tratamentos dos sintomas psiquiátricos. Muitas pessoas se afiliam a apenas uma perspectiva do problema, restringindo a busca de solução àquela dimensão única, como no exemplo dado por Vênus. Essa restrição promove prejuízo e alienação, como comenta Vênus:

Vênus – Mas existem situações que as pessoas dizem muito assim, e os psiquiatras devem ouvir muito isso: ah, mas se eu estou tomando medicação não sou eu, não sou eu que estou me melhorando. E se tu usa óculos, não é você que está enxergando, não? É outra pessoa que está enxergando por ti? Não. E esse óculos nasceu contigo? Não. Olha como a gente distorce a função da medicação. Qual é a função dos óculos? Compensar algo que está descompensado no corpo. Não tá funcionando direito. Ele não vai te fazer ver micróbio não. Ele não vai gerar em você um potencial que você não tem. A função dele é compensar uma deficiência. Se ela é temporária, vai se manter temporariamente. Se ela é permanente, você vai passar a vida todinha usando seus óculos. Você não vai é ficar sem ver. Aí eu penso a medicação mais ou menos assim. Ela está compensando algo que meu organismo não está produzindo.

O comentário da participante do Ciclo Reflexivo caracteriza a resistência das pessoas em relação ao uso de psicofármacos. Resistência esta que está disseminada na cultura devido a uma percepção estigmatizada da psiquiatria mediante seu histórico de tratamentos desumanos e mutiladores (COSTA, 2007). Sob outro ponto de vista, essa resistência pode também estar relacionada a uma visão hegemônica da parte espiritual, que desconsidera a importância das questões físicas e biológicas humanas. Pessoas com essa inclinação depositam todas as suas convicções na ideia de que o tratamento espiritual será suficiente para a recuperação. Em grande parte dos casos será importante não desconsiderar a porção orgânica e a necessidade de um tratamento medicamentoso; negar isso é negar uma das partes que constituem o ser, no caso o corpo físico (além do perispírito e do espírito), o que fatalmente pode comprometer o resultado de qualquer terapêutica.

E como fica a posição do profissional, do psiquiatra, caso ele possua uma percepção de cunho espiritual e aceite a possibilidade da mediunidade, ou outras experiências espirituais, como fenômeno humano? Terra traz comentários a esse respeito:

Terra - Que o nosso fio da navalha do psiquiatra é assim: eu vou usar aquela ferramenta para promover a funcionalidade, o bem estar e para que aquela pessoa possa ter condições de atravessar determinadas questões que ela não está conseguindo. Atravessar com mais segurança e com mais conforto e com mais

potencialidade de assimilar. Ou eu estarei matando um potencial que ela tem com a medicação? E se não tiver mais o sintoma, resolveu?

Para Terra, as dúvidas são colocadas de forma pertinente, em relação à conduta profissional e às consequências advindas dela. Essas questões nos parecem críticas: Quando medicar? Até que ponto a medicação vai auxiliar ou prejudicar? Se for mediunidade, o que acontece após a medicação? Um diálogo produzido pelo ciclo reflexivo argumenta a esse respeito:

Terra - Se você usar uma medicação, sem críticas ou preconceitos, pode estar fazendo esse papel, de tamponar o sintoma, e esse sintoma ficar ali, e a pessoa não crescer espiritualmente.

Vênus – Mas não se preocupa que ele arranja um jeito de sair. Terra – O sintoma é muito mais sabido do que a gente imagina, né? Vênus – Claro. Não é porque você tampou ele ali que ele vai ficar.

Conforme os comentários acima, compreendemos que as causas dos sintomas são complexas assim como suas funções e os acontecimentos decorrentes de seu surgimento. Forças que determinam o aparecimento dos sintomas no sujeito influenciam em sua remissão ou manutenção aquém ao uso de medicações. Por conseguinte, o uso da medicação não inviabilizaria a corrente cármica em que o paciente se encontra. Essa perspectiva pode explicar o porquê alguns quadros esquizofrênicos apresentam melhora substancial e reabilitação do paciente com o tratamento, enquanto, em outros casos, os sintomas são refratários aos antipsicóticos e os sintomas tornam-secrônicos e agravam-se continuamente. Lembramos que essa perspectiva colocada está relacionada com a visão espírita, não a visão orgânica da psiquiatria tradicional, o que gera um distanciamento de ambas as ciências e potencialmente complica a postura do profissional que se embasa nessas duas fontes teóricas.

Sobre a postura do profissional da saúde mental que possui a visão espírita, Mercúrio:

Mercúrio – Para mim é realmente inquietante. Inclusive, quando essas pessoas me buscam [...] digamos assim [...] em saber que sou espírita vão em busca do consultório pela resposta espírita, eu deixo claro que o meu trabalho lá é técnico. Lá eu não posso promover um cuidado espiritual de uma forma específica. Mas dentro de uma compreensão sistêmica cabe.

Mercúrio refere sua conduta pessoal a esse respeito. Quando procurado em seu consultório pela razão espírita, afirma que seu trabalho em ambiente profissional não consiste em realizar a terapêutica espírita em específico, uma vez que seu trabalho se ampara em uma ciência própria com outra base de cientificidade. Mercúrio diz que presta atenção ao paciente

do ponto de vista espiritual, mas dentro de uma ‘visão sistêmica’, ou seja, outros parâmetros são avaliados e as intervenções são multidimensionais.

Nesse ponto, acreditamos ser relevante reforçar um ponto de equilíbrio no uso da ciência espírita, ou mesmo da espiritualidade geral, na prática profissional do cuidador de saúde mental. O saber produzido no Ciclo Reflexivo mostrou a validade do saber espírita sobre os fenômenos psíquicos de cunho psicótico, mas sem negar ou negligenciar ou outros cuidados psiquiátricos e psicoterápicos já instituídos, inclusive estabelecendo diálogo com eles. Entendemos que a entrada do espiritismo no fazer das ciências psíquicas se trata de uma ampliação da perspectiva do observador e não sua restrição. Parece-nos que essa ampliação fortalece uma atuação profissional plural, com destino a um tratamento integral e sistêmico que resultaria em melhor assistência ao enfermo.

7 OS MOVIMENTOS DE PRODUÇÃO DE SABER DOS CICLOS REFLEXIVOS EM

Outline

Documentos relacionados