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Sobre a participação dos beneficiários nas assembléias e a concepção do projeto

3 O SISTEMA DE AUTOGESTÃO NA PBH

5.3 Discussão

5.3.1 Sobre a participação dos beneficiários nas assembléias e a concepção do projeto

A autogestão, como conceito, significa o exercício coletivo do poder. No contexto da chamada habitação de interesse social, como já citado, a autogestão é um sistema no qual os beneficiários, organizados na forma de associações, gerenciam os recursos e o processo de produção dos empreendimentos habitacionais, sendo apoiados por órgãos públicos e assessorados por técnicos que eles próprios escolhem e contratam. O que motiva sua adoção é, sem dúvida, uma valorização crescente da participação popular nos processos de decisão. Essa participação é benéfica, democrática e emancipatória, o que faz com que a PBH a inclua no processo. Mas, para além desses significados, cabe-nos colocar em discussão sua prática corrente, pois a participação tem se mostrado problemática em alguns aspectos.

5.3.1 Sobre a participação dos beneficiários nas assembléias e a concepção do projeto arquitetônico

Os futuros beneficiários, quando são selecionados e iniciam a fase de projeto arquitetônico, já estão no processo de busca pela moradia própria há vários anos e muitos deles já passaram por uma ou mais experiências frustradas, como os beneficiários do conjunto Itaipu, que participaram de um processo anterior pela gestão pública. A proximidade de se alcançar esse objetivo ao participar do projeto arquitetônico do empreendimento gera bastante ansiedade.

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Assim, algumas pessoas procuram não intervir no trabalho dos arquitetos com suas propostas pessoais para que o processo se realize mais rapidamente e tenha mais chances de se concretizar. E nas atas estudadas, podemos perceber que a maioria dos resultados das votações beneficiava as permanências, em detrimento das modificações. Esse esvaziamento das discussões muitas vezes é proposto até mesmo por lideranças da própria comunidade. Talvez fosse necessária uma conscientização, tanto dos beneficiários, quanto dos demais participantes do processo, de que um projeto participativo demanda tempo e comprometimento. Seria necessário também que os participantes tivessem mais segurança em relação à concretização dos empreendimentos, para poderem discutir e optar sem o receio da perda da realização da proposta. O foco da preocupação do futuro beneficiário não está na qualidade do projeto arquitetônico ou na concepção do espaço propriamente dito, mas, principalmente, na possibilidade de ter a sua casa própria. A participação nas reuniões muitas vezes é formal, movida apenas pelo receio de ser excluído do programa.

Além disso, há uma distância de linguagem entre arquitetos e beneficiários, percebida e relatada nas entrevistas tanto pelos profissionais quanto pela comunidade (a beneficiária do conjunto Itaipu aconselha os arquitetos a falarem “igual ao povão”, ver p. 98). As discussões, que deveriam ser facilitadas pela comunicação, são muitas vezes diferenciadas pela especialização, caindo-se na tutela tradicional do projeto arquitetônico. Muitas das metodologias utilizadas pelas assessorias parecem conduzir os participantes para chegarem a conclusões que os técnicos já têm prontas. Como exemplo, tem-se a distribuição de blocos no terreno. É evidente que há alternativas às quais os futuros moradores não chegariam espontaneamente, mas que diferem da tipologia de prédios. Outro exemplo é a dinâmica de dimensionamento de ambientes ser proposta sobre uma base quadriculada. A metodologia nem sempre visa a novas soluções, mas à concordância ou resignação dos participantes. Muitas vezes isso acontece devido à ansiedade das assessorias frente às dificuldades de viabilização do processo. Somado a isso, os líderes dos núcleos dos sem casa já contemplados, que moram em empreendimentos concebidos em processos não-participativos, com freqüência tomam esse modelo como referência nas assembléias, favorecendo a sua reprodução. Em se tratando dos núcleos, faria mais sentido que cada grupo de beneficiários formasse sua associação e não que essas associações fossem permanentes como hoje o são. Muitas delas funcionam com uma mentalidade empresarial e estão interessadas no capital político do sistema, isto é, de se legitimar de forma crescente, desviando assim o foco dos interesses das comunidades.

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Sobre a questão projetual, sabe-se que a tipologia e a geometria das autoconstruções informais são bem diferentes das dos conjuntos concebidos pelos processos tradicionais não- participativos. O modo de fazer e o resultado formal refletem o tipo de controle presente na produção do espaço. A geometria típica da favela, por exemplo, é resultado do controle difuso. A geometria do conjunto habitacional concebido pelo sistema não-participativo, em contrapartida, revela o controle centralizado. Seria lógico então que, num processo participativo, se tivesse um terceiro resultado, diferente do da autoconstrução e também distinto dos concebidos em sistemas não-participativos. Mas, como pudemos perceber pelos estudos de caso, com exceção do Conjunto Santa Rosa II, os resultados dos empreendimentos são muito próximos ao que a PBH já fazia anteriormente (sem a participação dos futuros beneficiários). Diante desse dado, conclui-se que os valores construídos em processos não- participativos não estão sendo questionados. O fato de o conjunto projetado pelo escritório apoiado pela PUC-MG se distanciar mais desse padrão é um indício de que foi mais participativo e mais questionador dos parâmetros convencionais de projeto. Esse indício é reforçado pelo depoimento dos beneficiários.

Como citado no Capítulo 2, segundo Blundell-Jones, Till e Petrescu(2005), a participação tem a função de diferenciar as demandas dos clientes dos desejos dos usuários, pois os arquitetos muitas vezes buscam atender o desejo dos clientes, que têm dinheiro e poder, e se afastam dos desejos dos reais usuários do espaço. Quando há o distanciamento entre arquiteto e usuário nas habitações de interesse social (evidente nos processos não participativos), assistimos à reprodução de modelos padronizados que não se identificam com o grupo ao qual se destinam e muitas vezes nem mesmo com o local. Esses argumentos reforçam que a reprodução de modelos padronizados seja um indício da não participação efetiva, pois tais modelos atendem aos “clientes” e não necessariamente aos usuários finais. Na habitação social produzida por processo autogestionário, há a vantagem de não existir um cliente capitalista intermediário entre o arquiteto e os usuários finais, isto é, alguém que procura multiplicar o seu capital financeiro. Mas, há, sem dúvida, agentes interessados em ampliar outros tipos de capitais, por exemplo, o capital político. Para as instâncias de governo e para as próprias associações de sem casa, os empreendimentos são oportunidades de crescimento e legitimação. Por isso, o controle que essas instâncias exercem sobre o processo equivale ao controle do cliente capitalista nos empreendimentos privados.

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