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7 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

7.3 Sobre a produção de força propulsiva

Além de observar os valores RMS para a fase de pré-atividade, calcularam-se os valores de RMS também para a fase de apoio. A literatura indica que os valores de RMS tendem a aumentar em resposta à fadiga (BIGLAND-RICHIE et al., 1981; BASMAJIAN e DE LUCA, 1985; MASUDA et al., 1999; CARDOZO e GONÇALVES, 2003; CARDOZO et al., 2004; PLACE et al., 2004; OLIVEIRA et al., 2005; DIAS DA SILVA e GONÇALVES, 2003, 2006). Ainda que as diferenças observadas no presente trabalho tenham sido pontuais, dificultando a identificação de uma resposta consistente à condição de fadiga, pode-se considerar que o comportamento dos músculos estudados não foi compatível com o esperado.

Um fato merecedor de destaque diz respeito ao momento no qual as principais alterações induzidas pela fadiga foram observadas. As principais diferenças nos valores de RMS ocorreram na segunda e na terceira série de corrida. No geral, durante essas séries observou-se para a maioria dos músculos (GL, VM, RF, VL e BF) um aumento na intensidade de ativação. Considerando que tais etapas representam os estágios imediatamente após a instalação da fadiga, pode-se considerar que a fadiga apresentou um rápido efeito sobre alguns dos músculos estudados.

Entretanto, ao observar as demais séries de corrida, nota-se um padrão de diminuição do valor RMS. Neste contexto, o valor obtido para o VM nas séries 4 e 5 foi menor do que o da terceira série; para o RF os valores da terceira e quarta série mostraram-se menores que o obtido na segunda série; situação semelhante a observada para o VL cujo valor obtido na serie 4 foi menor do que o obtido na segunda série; enquanto que para o BF os valores alcançados nas séries 3, 4 e 5 foram menores que o observado na série 2. O maior número de alterações no comportamento do RMS foi observado para o GL. Também contrariando as expectativas de comportamento para esta condição, este músculo apresenta uma clara e consistente tendência de diminuição dos valores de RMS em função da fadiga: os valores da quarta e quinta séries foram menores dos que o observado na segunda série, assim como o valor da quarta série foi menor do que o valor obtido na terceira série.

Conforme apontado anteriormente, a literatura sugere a ocorrência de um aumento dos valores de RMS em condição de fadiga. Isto ocorre pela necessidade de recrutar mais unidades motoras, em resposta a falência progressiva do músculo (WAKELING et al., 2001). Os dados obtidos para o RMS sugerem que, diferente do esperado, a fadiga não provocou um incremento do recrutamento muscular. Contrariamente, observou-se que a grande maioria dos músculos estudados evidenciou uma tendência de redução do recrutamento muscular nas últimas séries de corrida, condições em que a fadiga estava presente.

As características do protocolo utilizado podem justificar os resultados obtidos. Ainda que existam na literatura relatos de protocolos intensos de indução de fadiga (AVOGRADO et al., 2003), a maioria dos dados disponíveis refere-se a protocolos cujo volume se sobrepõe à intensidade. Podem-se tomar como exemplo os estudos que induziram fadiga a partir de corridas de longa distância (NICOL et al., 1991; PLACE et al., 2004; NUMMELA et al., 2008) e estudos que se utilizaram de muitas repetições de exercícios estáticos e dinâmicos para levar os sujeitos à falência (MASUDA et al., 1999; CARDOZO & GONÇALVES, 2003; OLIVEIRA et al., 2005; DIAS DA SILVA & GONÇALVES, 2006). Assim, apesar de haver estudos que induziram fadiga a partir de protocolos de curta duração e alta intensidade, protocolos supramáximos, como foi o utilizado no presente estudo, são muito raros.

O padrão de redução na intensidade de recrutamento muscular observado em condição de fadiga pode configurar uma conseqüência direta da característica do protocolo adotado. É possível alegar que a observada redução do RMS denota uma incapacidade dos músculos aumentarem o recrutamento em uma condição onde o esforço muscular já se encontra próximo da sua máxima capacidade mecânica. Desta forma, a redução na atividade muscular pode sinalizar que o sistema muscular encontra-se perto da condição de falência, condição que não apenas indica a fadiga, como a define (GIBSON & EDWARDS, 1985). Tal hipótese encontra respaldo nos resultados obtidos para o músculo GL que, conforme apontado anteriormente, mostrou-se especialmente sensível à condição de fadiga. Considerando que alta velocidade de corrida associada à inclinação da esteira tende a provocar um significativo aumento da ativação deste músculo (SWAMSON & CALDWELL, 2000),

pode-se justificar uma redução da atividade muscular nesta que poderia ser considerada uma situação muito próxima do esgotamento muscular.

Ainda que os dados obtidos suportem a referida hipótese, não se pode desconsiderar que o procedimento metodológico empregado para efetivar o tratamento matemático do sinal eletromiográfico também possa ter afetado os resultados. Ao se calcular os valores de RMS para todo o tempo de apoio, tanto a fase excêntrica quanto a fase concêntrica do movimento foram considerados. Deve- se destacar que os músculos estudados apresentam funções musculares acentuadamente distintas, razão pela qual apresentam atividade em momentos bem definidos do movimento. Ao captar a atividade em toda a fase de apoio, pode-se ter perdido a sensibilidade para captar alterações naquelas que são as fases mais importantes de ação de cada músculo. Tome-se como exemplo a situação do quadríceps. Não restringir a análise dos músculos que compõem o quadríceps à fase excêntrica do movimento, etapa na qual sua atividade é mais destacada (McCLAY et

at., 1990) pode ter diminuído sensivelmente a capacidade de detectar possíveis

alterações derivadas da fadiga.

Desta forma, a opção pelo procedimento metodológico para o tratamento matemático do sinal eletromiográfico, que pode ter diminuído a sensibilidade da medida, associada à reconhecida tendência de os músculos apresentarem diferentes respostas à condição de fadiga, podem ter influenciado os resultados obtidos. Ainda que tais limitações possam ter influenciado a sensibilidade dos parâmetros relativos à atividade muscular, deve-se destacar que tais resultados podem contribuir para o entendimento da ativação muscular em uma condição ainda pouco estuda: as situações extenuantes.

A freqüência mediana (Fmed) foi o outro parâmetro eleito para analisar a possível influência da fadiga na ativação muscular. A literatura aponta que, nesta condição, a Fmed do espectro de freqüência do sinal tende a sofrer uma significativa redução (BORRANI et al., 2001;CARDOZO et al., 2004). Isso ocorre devido à compressão do espectro de freqüência para baixos valores, ocasionada, segundo BASMAJIAN & DE LUCA (1985), ESPOSITO et al. (1998) e DE LUCA (1997), pela redução da velocidade condução dos potenciais de ação e de despolarização da fibra muscular em situação de fadiga. Utiliza-se a Fmed do sinal como indicador desse

fenômeno pelo fato do parâmetro ser menos suscetível a ruídos e ser mais sensível às alterações espectrais causadas pelos processos bioquímicos e fisiológicos ocasionados nas fibras musculares durante as contrações (STULEN e DE LUCA, 1981; HARRY, 1982), apresentando, dessa forma, alta correlação com o fenômeno da fadiga.

O comportamento observado para a Fmed foi distinto ao observado para o RMS. Os músculos que compõem o quadríceps apresentaram uma clara tendência de redução da Fmed em função da fadiga, conforme era esperado para esta condição fisiológica. Para o VM, observou-se menores valores da Fmed nas séries finais (3, 4 e 5) em relação a segunda série, ainda que o valor da primeira série tenha sido menor do que o obtido na segunda. Situação semelhante foi observada para RF que apresentou redução dos valores da Fmed nas duas séries finais em relação à segunda. Já para o VL, o valor obtido na quarta série foi menor do que o obtido na segunda, ainda que o valor da primeira tenha sido menor do que o da segunda e o da terceira série. O músculo que representa o grupamento flexor do joelho apresentou a mesma tendência observada para o quadríceps. Os valores da Fmed do BF nas duas séries finais foram menores do que os obtidos na segunda série.

Conforme apontado anteriormente, a utilização de toda a fase de apoio para fins de determinação da Fmed também pode ter ocasionado, assim como foi observado para o RMS, uma redução na sensibilidade desta variável para fins de detecção da fadiga. Ainda assim pode-se observar, em acordo com os dados apresentados na literatura especializada, uma clara tendência de redução da Fmed para os músculos extensores e flexores da coxa em decorrência da fadiga. Acredita- se que se o tratamento matemático do sinal eletromiográfico tivesse sido efetivado em função das fases excêntrica e concêntrica do movimento, tal tendência poderia se manifestar de maneira ainda mais consistente.

Torna-se importante observar que, tanto na análise dos dados do RMS, como da Fmed, os músculos estudados não apresentaram comportamento homogêneo. Tal comportamento era esperado, tendo em vista os dados da literatura (CHRISTINA

et al., 2001; HANON et al., 2005; KELLIS e LIASSOU, 2009; KELLIS e KOUVELIOTI,

2009) que sugerem que a fadiga tende a afetar os músculos de uma maneira diferenciada durante a corrida.

Um fato merecedor de destaque diz respeito ao momento no qual as principais alterações induzidas pela fadiga foram observadas. Os dados obtidos tanto para o RMS quanto para a FM sugerem que as principais alterações observadas ocorreram na segunda e na terceira série de corrida. Considerando que tais etapas representam os estágios imediatamente após a instalação da fadiga, pode-se considerar que a fadiga apresentou um rápido efeito sobre alguns dos músculos estudados. Entretanto, as limitações apontadas anteriormente sugerem que esta interpretação deva ser feita com cautela. Dados complementares tornam-se necessários para aferir a validade desta proposição.

Outra importante limitação metodológica deve ser considerada frente ao interesse de analisar a influência da fadiga na produção da força propulsiva. Tendo os dados dinâmicos sido coletados no Sistema Kistler-Gaitway, inviabilizou-se a possibilidade de analisar a componente ântero-posterior da FRS. Sendo esta uma variável diretamente associada à produção de força, a impossibilidade de analisá-la impõe significativa limitação quanto ao objetivo em questão.

Segundo HANON et al. (2005), há, ainda, a necessidade de considerar as características do exercício ao analisar situações de fadiga, pois alterações na frequência e comprimento da passada têm influência na ativação muscular. Dessa forma, o comprimento e a freqüência da passada representam outros parâmetros que podem ser utilizados para analisar a capacidade de produção de força propulsiva. Sabe-se que a velocidade da corrida depende fundamental destes dois parâmetros (CAVANAGH e KRAM, 1989).

De acordo com os resultados anteriormente apontados, a fadiga não exerceu influência significativa no comprimento da passada. Entretanto, observou-se uma significativa redução da freqüência de passada da primeira para a segunda série. Tal redução foi acompanhada por aumento do comprimento da passada, ainda que não tenha sido estatisticamente significativa. Além da segunda série, parece ter havido inversão da relação comprimento-frequência de passada nas séries 3 e 5, quando comparadas à primeira série, apesar da falta de significado estatístico. Alguns dados da literatura (NUMMELA et al., 1994; AVOGRADO et al., 2003; HANON et al., 2005) sugerem que corredores em situação de fadiga podem modificar a estratégia utilizada para manter a sua velocidade, por intermédio de alterações na relação

comprimento-frequência da passada. Os resultados do presente estudo também apontam para esta situação. Entretanto, por ter observado o referido comportamento com significado estatístico em apenas uma das séries, considera-se que a confirmação dessa hipótese ainda carece de dados complementares.

A análise dos dados dinâmicos, eletromiográficos e cinemáticos sugere que o protocolo de indução de fadiga utilizado afetou não apenas a capacidade de controlar as cargas mecânicas, como a capacidade de geração de força propulsiva. Observado tal comportamento, cabe analisar os possíveis efeitos que a creatina pode ter exercido sobre ele.