• Nenhum resultado encontrado

SOBRE A SOLUÇÃO APRESENTADA À TERCEIRA ANTINOMIA E A COMPATIBILIDADE ENTRE NATUREZA E LIBERDADE

No documento A liberdade na crítica da razão pura (páginas 42-54)

3 A LIBERDADE PRÁTICA NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA

4 SOBRE A SOLUÇÃO APRESENTADA À TERCEIRA ANTINOMIA E A COMPATIBILIDADE ENTRE NATUREZA E LIBERDADE

Nas palavras de Kant tem-se na KrV: ``Toda a antinomia da razão pura assenta no argumento dialéctico seguinte: quando o condicionado é dado, é dada também toda a série de condições do mesmo (...)´´ (KANT, KrV, B526). Com efeito, os objetos dos sentidos são-nos dados como condicionados. Da investigação do condicionado até a série de condições que pressupõe-se quando qualquer condicionado é dado, uma vez que ``quando um condicionado é dado, as condições já estão pressupostas e devem ser consideradas dadas com ele´´ (KANT, KrV, B537) é uma característica das ideias dialéticas da razão pura apresentadas no capítulo sobre as antinomias da razão. E é justamente, segundo a análise de Pinzani (2012), por procurar as condições incondicionais dos fenômenos, que nunca podem ser encontradas em qualquer experiência possível, que a razão é levada a esse conflito consigo mesma, ou seja, é levada às antinomias da razão pura, cujas ideias correspondem aos seguintes problemas: ``se o mundo tem um princípio e um limite da sua extensão no tempo; se toda substância possui uma unidade indivisível ou apenas o divisível e transitório; se sou livre nos meus atos ou, como outros seres, sou conduzido pelo fio da natureza e, se finalmente há uma suprema causa do mundo ou se as coisas da natureza e a sua ordem constituem o último objeto onde devemos deter todas as nossas considerações´´ (KANT, KrV, A463/B491). Sobre todo o ``jogo dialético das ideias cosmológicas´´ tem-se em Kant:

Temos agora todo o jogo dialético das ideias cosmológicas, ideias essas que não permitem, em absoluto, que um objeto correspondente lhes seja dado em qualquer experiência possível; nem sequer que a razão as pense em concordância com as leis universais da experiência, ideias, que, no entanto, não são inventadas arbitrariamente, mas às quais a razão é necessariamente conduzida no progresso da síntese empírica (...) (KANT, KrV, A462/B490). Segundo Pinzani (2012), ``Kant não tenta resolver as antinomias em prol da tese ou da antítese, mas prefere (aplicando o ``método cético´´) mostrar que a luta entre elas é um conflito por nada36´´ (Cf. PINZANI, p. 576) o que possibilitaria uma solução crítica para a questão. O método cético consiste, por sua vez, em apresentar as posições com seus respectivos argumentos e deixá-las em aberto, e é justamente por isso que a posição cética

36 Sobre a luta por nada a que Pinzani se refere ver na KrV: ``Feita a prova convincente deste vício do argumento que é o fundamento comum (das afirmações cosmológicas) poder-se-iam justificadamente rejeitar ambas as partes em conflito, porque a sua pretensão não assenta em nenhum conflito sólido´´ (KANT, KrV, A501).

permite uma solução crítica para a contenda, uma vez que: `` A solução crítica, porém, que pode ser totalmente certa, não considera, de forma alguma, o problema objetivamente, mas de acordo com o fundamento do conhecimento em que se alicerça´´ (KANT, KrV, A484). As antinomias da razão pura são ideias dialéticas, conforme já foi dito no início, cuja origem encontra-se na própria razão e apesar de que, nas palavras de Kant: ``Querer resolver todos os problemas e responder a todas as interrogações seria atrevida filáucia e presunção tão extravagante, que isso bastaria para se tornar imediatamente indigno de toda a confiança´´ (KANT, KrV, A477/B505),

Não obstante, ciências há, cuja natureza é tal, que toda a interrogação que nelas se apresenta deve absolutamente poder ser resolvida a partir do que se sabe, pois a resposta deve brotar das mesmas fontes em que nasce a interrogação (KANT, KrV, A477/B505).

Ou seja, uma possível resposta quanto às antinomias da razão pura, no que diz respeito tanto à sua justiça quanto à sua injustiça, ``em todos os casos possíveis´´, deve partir da própria razão, porque no que diz respeito às questões expostas nas antinomias, a razão não pode simplesmente, ``pretextar uma ignorância inevitável, mas, pelo contrário, pode exigir-se uma solução´´ (KANT, KrV, A477/B505). A solução dada por Kant parte da contraposição entre ``realismo transcendental´´ e ``idealismo transcendental´´. O realismo transcendental consiste em tomar as modificações de nossa sensibilidade como se fossem coisas subsistentes por si mesmas. Ao realismo transcendental Kant opõe o idealismo transcendental37, segundo o qual os objetos de toda experiência possível não passam de fenômenos, ou seja, não passam de representações que não têm fora de nossos pensamentos existência por si mesmos. No entanto, o realismo transcendental representa um pressuposto comum, uma vez que para Kant é natural que tomemos os fenômenos como se fossem coisas em si mesmas, em outras palavras, supor a realidade absoluta dos fenômenos.

A resposta à terceira antinomia, ou seja, à antinomia referente à ideia cosmológica de liberdade será, segundo Pinzani, especificamente oferecida por meio do recurso ao idealismo transcendental. A resposta consistiria em separar dois tipos de âmbitos distintos, quais sejam, o âmbito fenomênico ou sensível e o âmbito noumênico ou inteligível, afirmando que no

37 Tem-se na KrV: ``Na Estética Transcendental mostramos suficientemente que tudo o que se intui no espaço ou no tempo e, por conseguinte, todos os objectos de uma experiência possível para nós, são apenas fenômenos, isto é, meras representações que, tal como as representamos enquanto seres extensos ou séries de mudanças, não têm fora dos nossos pensamentos existência fundamentada em si. A esta doutrina chamo eu idealismo

transcendental. O realista, em sentido transcendental, converte estas modificações da nossa sensibilidade em

coisas subsistentes por si mesmas e, por conseguinte, faz de simples representações coisas em si´´ (KANT, KrV, B520).

primeiro atua a causalidade natural e no segundo, uma causalidade por liberdade. O erro constante que estaria presente tanto na Tese quanto na Antítese, consistiria, segundo o autor, que ambas as posições supõem que existiria apenas um âmbito possível, no qual os fenômenos seriam compreendidos como coisas em si, ou seja, subsistentes por si mesmas, quando para Kant, ``o fenômeno tem sempre duas faces: uma em que o objeto é considerado em si mesmo (independentemente do modo de o intuir, e cuja natureza, por esse motivo, é sempre problemática´´ (KANT, KrV, B55) e a outra em que se considera a forma da intuição desse objeto. A forma do fenômeno, portanto, não deverá ser procurada no objeto em si mesmo, ``mas no sujeito ao qual o objeto aparece, pertencendo no entanto, real e necessariamente, ao fenômeno desse objeto´´ (KANT, KrV, B55). Segundo Pinzani, inteligível deve ser entendido, no que diz respeito aos objetos do fenômeno, como sendo aquele aspecto do próprio fenômeno que não é, no entanto, propriamente fenômeno.

O objeto, visto no primeiro sentido, ou seja, como objeto dos sentidos e do entendimento, refere-se exclusivamente ao conhecimento do objeto enquanto fenômeno e não enquanto coisa em si, que embora em si mesmas reais, se mantém para nós incognoscíveis, podendo apenas ser pensados pela razão. Está negado à razão especulativa, portanto, qualquer processo no campo do supra-sensível ou seja, daquilo que ultrapassa as fronteiras da experiência. Já na Fundamentação da Metafísica dos Costumes (GMS) Kant refere-se à nossa incapacidade, enquanto razão meramente especulativa, de conhecer algo sobre a coisa em si. Como Kant expõe na GMS sobre o caráter das nossas representações, as mesmas, no que se referem às representações que nos vêm sem intervenção do nosso arbítrio, portanto, passivas, porque afetam os nossos sentidos sem que possamos escolher não sermos afetados, nos dão a conhecer os objetos apenas do modo como somos afetados por eles, ``ficando-nos assim desconhecido o que eles possam em si mesmos ser, e não podendo nós chegar, por conseguinte, pelo que respeita a esta espécie de representações, ainda com o maior esforço de atenção e clareza que o entendimento possa acrescentar´´. (KANT, 1984, p. 152). Segue-se disso, segundo Kant, ``que por trás dos fenômenos há que admitir e conceder ainda outra coisa que não é fenômeno, quer dizer, as coisas em si (...). (KANT, 1984, p. 152). Disto ainda se segue, segundo Kant, a distinção entre mundo sensível e mundo inteligível. Divisão esta que será central na solução dada por Kant à terceira antinomia. Trata-se, portanto, na solução dada à terceira antinomia da razão, de mostrar que natureza e liberdade podem ambas verificar-se, pacificamente, num mesmo acontecimento, embora em relações diferentes, ou seja, por um lado, enquanto fenômeno e, por outro, enquanto coisa em si.

Apesar de restringir aquilo que a razão simplesmente especulativa pode conhecer ao campo fenomênico, ou seja, daquilo que podemos intuir e ter uma experiência correspondente possível, entretanto, a razão concede-nos ainda uma extensão do conhecimento a priori, mas somente do ponto de vista prático, ou seja moral.

Deste modo, a razão especulativa concede-nos, ainda assim, campo livre para essa extensão, embora o tivesse que deixar vazio, competindo-nos a nós preenchê-lo, se pudermos, com os dados práticos ao que por ela mesmo somos convidados. (KANT, KrV, B21/B22).

A Crítica da Razão Pura, ao limitar o uso da razão especulativa ao campo da experiência, possui, neste sentido, uma utilidade negativa. Mas é ao restringir o uso da razão especulativa que a mesma possui uma utilidade positiva ao abrir campo para um uso prático necessário da razão, ou seja, o uso moral. E é no uso moral que a razão se estende para além dos limites da sensibilidade. ``(...) Logo que nos persuadirmos de que há um uso prático absolutamente necessário da razão pura (o uso moral) no qual esta inevitavelmente se estende para além dos limites da sensibilidade. (KANT, KrV, B25).

Eis porque uma crítica que limita a razão especulativa é, como tal, negativa, mas na medida em que anula um obstáculo que restringe ou mesmo ameaça aniquilar o uso prático da razão, é de facto uma utilidade positiva e altamente importante (...). (KANT, KrV, B25).

Segundo análise de Pinzani (2012) a Analítica tinha-se ocupado das condições nas quais torna-se possível o conhecimento dos objetos a partir do material sensível dado aos nossos sentidos. O entendimento, com base nas categorias, forma os conceitos, dos quais nos valemos para conhecer o mundo fenomênico. Uma das finalidades da Analítica é, segundo o autor, mostrar quais são as condições e, portanto, os limites do conhecimento do mundo fenomênico. Na parte Analítica da primeira Crítica demonstrar-se-á, por exemplo, que espaço e tempo são formas da intuição sensível e mesmo constituem-se como condições de toda a intuição sensível e, por conseguinte, condições da existência das coisas como fenômenos e que para além de toda a intuição sensível não possuímos elementos para o conhecimento das coisas, senão quando lhes possa ser dada uma intuição correspondente. A razão especulativa encontra-se restrita então a objetos da experiência. No entanto, é preciso considerar ainda que embora, no que diz respeito aos objetos que encontram-se além de toda a intuição sensível não possam, de fato, ser conhecidos, podem, entretanto, ser pensados pela razão. Sobre isto veja-se trecho: ``Todavia, deverá ressalvar-se e ficar bem entendido que devemos, pelo

menos, poder pensar esses objetos como coisas em si embora as não possamos conhecer´´. (KANT, KrV, B27).

Como explicita Kant em nota de rodapé (KANT, KrV, B27), podemos pensar no que quisermos desde de que não entremos em contradição com nós mesmos, o que significa dizer que o nosso conceito deve ser um pensamento possível, no que diz respeito à sua possibilidade lógica. Com efeito, se não houvesse uma separação entre fenômeno e coisa em si, ou entre os objetos do entendimento e da experiência e aquilo que constitui coisa em si e que não pode ser objeto da experiência, teria como consequência que a causalidade segundo as leis da natureza e, por conseguinte, o mecanismo da determinação natural seria estendido para toda a realidade, constituindo-se, neste caso, no que Kant chama de realidade absoluta dos fenômenos. Em consequência, se a lei da causalidade e a determinação segundo leis naturais pudessem ser generalizadas para todo o campo da realidade, ocorreria que a liberdade não poderia ser pensada sem que incorrêssemos em manifesta contradição, porque estaríamos afirmando e negando algo de uma mesma coisa, ou seja, estaríamos afirmando que algo é livre e não livre ao mesmo tempo e numa mesma relação.

Assim, de um mesmo ser, por exemplo, a alma humana, não se poderia afirmar que a sua vontade era livre e ao mesmo tempo sujeita à necessidade natural, isto é, não livre, sem incorremos em manifesta contradição, visto que em ambas as proposições tomei a alma no mesmo sentido, ou seja, como coisa em geral e como coisa em si. (KANT, KrV, B27).

A Crítica ``ensina´´, dessa maneira, a tomar o objeto em dois sentidos, quais sejam: como fenômeno e como coisa em si. Se tomarmos essa divisão em consideração, uma mesma vontade pode, na ordem dos fenômenos, pensar-se como sujeita às leis da natureza e, portanto, como não livre e, por outro, enquanto pertencente a uma causa em si e como não sujeita às leis naturais e, em consequência, livre, sem que incorrêssemos em contradição e nisto consiste a compatibilidade entre natureza e liberdade. Com efeito, embora não possamos conhecer a liberdade por meio da razão especulativa, podemos, no entanto, pensá-la, pois quando estabelecemos previamente a divisão colocada acima e estabelecida na Crítica a liberdade poderia ser pensada sem que houvesse contradição.

(...) posso, não obstante, pensar a liberdade; isto é, a sua representação desta não contém em si, pelo menos, nenhuma contradição, se admitirmos a nossa distinção crítica dos dois modos de representação (o modo sensível e o modo intelectual) (...) (KANT, KrV, B28).

Uma tal solução apresentada à terceira antinomia possui grande utilidade do ponto de vista prático-moral, porque para esta faz-se apenas necessário que a liberdade não se contradiga ela própria e se deixe pensar. A distinção estabelecida pela Crítica entre fenômeno e coisa em si possibilita então que a liberdade possa ser pensada, fazendo com que a moral mantenha o seu lugar, bem como a ``ciência da natureza´´, sem que a liberdade ponha obstáculos ao mecanismo da natureza e vice-versa, o que não teria sido possível sem uma crítica prévia.`` Como, porém, nada mais é preciso para a moral a não ser que a liberdade se não contradiga a si própria e que pelo menos se deixe pensar (…) a doutrina da moral mantém o seu lugar (…) ´´ (KANT, KrV, B29). Sobre a necessidade de uma Crítica prévia lê-se: `` o que não se verificaria se a Crítica não nos tivesse previamente mostrado a nossa ignorância perante a coisa em si e não nos tivesse reduzido a simples fenômenos tudo o que podemos teoricamente conhecer´´ (KANT, KrV, B29).

Fica claro ainda no Prefácio à Segunda Edição da KrV que Kant, ao separar o âmbito fenomênico do inteligível, nega, ao mesmo tempo, o acesso da razão especulativa às ideias transcendentais38, dentre as quais está a ideia de liberdade. Se admitíssemos o acesso da razão especulativa à ideia de liberdade, haveria como consequência direta a realidade absoluta dos fenômenos sendo, desta maneira, tudo submetido ao determinismo da natureza. Não podemos, portanto, sequer para um uso prático necessário da razão, admitir Deus, Liberdade e Imortalidade, sem ao mesmo tempo possamos recusar à razão especulativa o acesso a tais ideias transcendentes. Se a razão especulativa tivesse acesso a tais ideias por meio de princípios que pertencem tão-só à experiência e que, portanto, são exclusivamente imanentes, tais princípios converteriam aquelas ideias em fenômeno, o que impediria toda a extensão prática da razão pura.

Tive, pois de suprimir o saber para encontrar lugar para a crença, e o dogmatismo da metafísica, ou seja, o princípio de nela se progredir, sem crítica da razão pura, é a verdadeira fonte de toda a incredulidade, que está em conflito com a realidade e é sempre muito dogmática. (KANT, KrV, B30).

Ao admitirmos como dogmaticamente certa a realidade absoluta dos fenômenos, ou seja, quando não consideramos a divisão estabelecida na Crítica entre fenômeno e coisa em si decorreria daí uma antinomia, ou seja, uma contradição da razão, porque estaríamos considerando algo como livre e não-livre, ou seja, como submetido às leis da natureza e como

38 No Prefácio à Segunda Edição da Crítica da Razão Pura, Kant argumenta que não podemos, nem sequer para o uso prático da razão admitir as ideias de Deus, de Liberdade e de Imortalidade sem que antes se negue à razão especulativa a pretensão a tais intuições transcendentes (KANT, KrV, B30).

não estando submetido, e isso de um mesmo objeto e numa mesma relação e, dessa maneira a liberdade não poderia ser salva.

Tem-se então a questão de estabelecer se será a liberdade possível e se, em caso afirmativo, ela poderá coexistir com a causalidade da natureza. Trata-se, em outros termos, de investigar na solução apresentada por Kant à terceira antinomia, se se tratará a liberdade de uma proposição disjuntiva tipo ou-ou, ou se poderá verificar-se, apesar da causalidade natural, se será possível verificar-se natureza e liberdade sem que uma exclua a outra. A solução apontada por Kant à terceira antinomia consiste pois em mostrar que natureza e liberdade podem ambas verificar-se mutuamente num mesmo objeto, mas em relações diversas, partindo da separação entre coisa em si e fenômeno, apontada ainda no Prefácio à Segunda Edição, evitando que a causalidade natural seja tomada por causa completa de todos os acontecimentos no mundo, que é em verdade uma hipótese comum, porém enganosa39. ``Pois que, se os fenômenos são coisas em si, não é possível salvar a liberdade. A natureza é então a causa completa e por si só suficiente, determinada de cada acontecimento´´ (KANT, KrV, A536/B564).

Trata-se, pois, somente de saber se, apesar deste princípio, em relação a este mesmo efeito determinado pela natureza, se pode verificar também liberdade ou se esta é completamente excluída por essa regra inviolável. (KANT, KrV, A536/B564).

Considerando a divisão já mencionada, Kant parte do pressuposto de que os fenômenos são ``simples representações encadeadas por leis empíricas´´ (KANT, KrV, A537/B56), cujo fundamento é inteligível40. Tal fundamento inteligível ou causa natural não é, ela própria, determinada por fenômenos, embora os seus efeitos estejam na série dos fenômenos e encontrem-se submetidos às leis naturais.

Por conseguinte, se aquilo que no mundo dos sentidos deve considerar-se fenômeno tem em si mesmo uma faculdade que não é objeto da intuição sensível, mas em virtude da qual pode ser, não obstante, a causa de fenômenos. (KANT, KrV, A538/B566).

O sujeito do fenômeno, ou seja, o homem encontra-se também inserido na divisão entre um plano empírico e inteligível. Temos então acerca da faculdade de um sujeito do fenômeno caráter empírico e inteligível do sujeito do mesmo. Os atos de um tal sujeito

39

A realidade absoluta dos fenômenos é, segundo Kant, uma ``hipótese comum, mas enganosa (...)´´. (KANT,

KrV, A536/B564).

40

(enquanto sujeito dos fenômenos) estariam então absolutamente encadeados com outros fenômenos e segundo leis constantes da natureza. Ao contrário, no que diz respeito ao caráter inteligível do sujeito do fenômeno, os seus atos não se encontrariam subordinados a quaisquer condições da sensibilidade. Ao primeiro caráter chama-se o caráter da coisa no fenômeno e ao segundo o de caráter da coisa enquanto coisa em si. Sobre o caráter empírico e inteligível tem- se, respectivamente: ``Numa palavra, a sua causalidade, na medida em que é intelectual, não se incluiria na série das condições empíricas que tornam necessário o acontecimento no mundo sensível´´ (KANT, KrV, A540/568). Um tal caráter inteligível encontra-se ``liberto de qualquer influência da sensibilidade e de toda a determinação por fenômenos´´. (KANT, KrV, A541/B569).

5 CONCLUSÃO

Este trabalho se propôs a investigar o conceito de liberdade na Crítica da Razão Pura. Viu-se que a liberdade divide-se naquela obra basicamente entre dois conceitos, quais sejam, entre a liberdade em sentido transcendental e a liberdade prática. A liberdade transcendental é tratada basicamente na Dialética Transcendental e a liberdade prática é tratada no Cânon da Razão Pura. A liberdade transcendental é entendida na Crítica da Razão Pura como representando uma ``espontaneidade absoluta das causas´´, ou seja, como uma causalidade capaz de iniciar por si mesma, portanto, sem que tenha dependido de uma causa anterior no tempo, uma série de efeitos no mundo que só então se desenrolam segundo uma conexão natural causal. A liberdade transcendental é vista, no entanto, como uma simples

No documento A liberdade na crítica da razão pura (páginas 42-54)

Documentos relacionados