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5. A investigação sobre a natureza do intelecto material no grande

5.2 Sobre a unidade do intelecto material

O segundo problema levantado por Averróis consiste em saber como o intelecto material permanece uno para toda a humanidade enquanto o intelecto especulativo é múltiplo e dividido pelo número dos homens (numeratus per

numerationem individuorum hominum118). Foi esclarecido anteriormente que por meio de uma união operacional entre os intelectos e o homem é que se formam o intelecto especulativo e conseqüentemente os inteligíveis, e que a necessidade das imagens individuais para a realização desse processo sujeita os inteligíveis a participarem, em alguma medida, da corrupção material. Essa questão diz respeito principalmente à necessidade de postular um intelecto material único para todos os homens, e assegurar a individualidade e multiplicidade do pensamento, demonstrando a natureza da relação que se estabelece entre eles. É necessário ter

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MARQUÉS. Alfonso García. Necesidad y Substancia, Averroes y su proyección em Tomás de

Aquino. Pamplona: Ed. Universidad de Navarra, S. A. 1989. p. 80

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Averrois Cordvbensis commentarivm magnvm in Aristotelis De anima libros. Ed. F. Stuart Crawford. Cambridge, Massachusetts. 1953. p. 401

em mente que a abordagem da questão da unidade do intelecto material não envolve apenas os aspectos do processo do conhecimento humano; lidar com a natureza de uma substância separada envolve o exame de características inerentes ao cosmo estabelecido pela filosofia de Averróis. Perguntar em qual medida um ser que não é dotado de matéria se relaciona com o gênero humano é também perguntar qual o papel da humanidade neste universo.119

Averróis retoma o argumento levantado anteriormente que afirma a necessidade do intelecto material não possuir forma alguma, pois do contrário ele se tornaria algo semelhante a aquilo que o move. Possuindo uma forma determinada, ele não poderia mais ser o receptor das formas, já que uma forma que lhe seria própria, e o tornaria incapaz de se tornar outro que não ele mesmo.120

Uma vez que a relação deste intelecto material único com os indivíduos se dá por meio das imagens formadas por eles, é necessário que todos compartilhem igualmente esta faculdade, ou seja, o intelecto deve ser igualmente acessível a todos os homens e se relacionar com eles de forma unívoca. Dessa forma, como é possível sustentar que o pensamento seja individual, quando será igualmente necessário que enquanto um homem adquire certo inteligível, todos os outros adquiram o mesmo121, pois a atividade deste intelecto único deve ser proporcional a todos os homens. Na relação que se estabelece entre a matéria e forma no caso das

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Conforme será explicado adiante, a solução apresentada por Averróis para essa questão envolve múltiplos aspectos, entre eles, a relação do intelecto com as esferas celestes e a eternidade da humanidade.

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A necessidade de existir um intelecto material que não possua forma ou pertença sob algum aspecto a matéria já foi discutida no início deste capítulo.

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“necesse est, cum tu acquisieris aliquod intellectum, ut ego etiam acquiram illud intellectum; quod est impossibile. AVERRÓIS. Averrois Cordvbensis commentarivm magnvm in Aristotelis De anima

substâncias sensíveis tem como produto um terceiro ser, que é distinto daqueles dois primeiros que o formam. No caso da relação que há entre o intelecto material e as intenções imaginadas, o composto formado por ambas não constitui um terceiro ser distinto delas, por isso é impossível que esta relação ocorra sem que alguma dessas partes esteja de alguma forma unida ao homem.

Conforme foi anteriormente dito, o intelecto material funciona como uma espécie de matéria na formação dos inteligíveis, enquanto as intenções imaginadas constituem algo equivalente a forma para os inteligíveis. Já foi esclarecido que a ligação do homem com os inteligíveis não pode ser realizada pelo intelecto material, devido à natureza impassível deste intelecto, que não permite qualquer relação essencial com a matéria. Resta que essa ligação ocorra por intermédio das intenções imaginativas.

Por isso é necessário esclarecer se a relação da perfeição primeira do intelecto difere daquela das outras partes da alma. A preparação aos inteligíveis que ocorre na faculdade imaginativa é semelhante ao que ocorre nas outras faculdades da alma, pois ambas são engendradas no indivíduo corruptível, e tais como ele, são múltiplas e multiplicadas pelo numero dos seres.122

A diferença entre elas reside no fato que a preparação que há nas intenções imaginadas ocorre em um motor no sentido de criar um motor, sendo que ambas

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“Preparatio autem que est in virtute ymiaginativa intellectorum similis est preparationibus que sunt in aliis virtutibus anime, scilicet perfectionibus primis aliarum virtutum anime, secundum hoc quod utraque preparatio generatur per generationem individui, et corrumpitur per corruptionem eius, et universaliter numeratur per numerationem eius.” Averrois Cordvbensis commentarivm magnvm in

são motores do intelecto material. Ao passo que nas outras partes da alma esta preparação ocorre em um movido, criando um movido e um receptor, lembrando o caráter passivo da faculdade sensível, que é “atingido” pelas impressões presentes nos entes sensíveis.

É uma confusão entre essa relação, segundo Averróis, que vai levar Themístio a sustentar que o intelecto agente está no interior da alma humana, e que o intelecto especulativo é a junção do intelecto material com o agente. Falta a ele pensar que há na alma três partes de intelecto, uma é intelecto receptor, a segunda é eficiente, e a terceira é produzida. Das três, duas são eternas, respectivamente o agente e o material. Quanto à terceira, ela é sob um modo corruptível, e sob outro, eterna.

Pois é esse discurso que vai levar Averróis a postular não só o intelecto material como único para todos os homens, mas também a conceber que a espécie humana é eterna. É necessário, neste sentido, que o intelecto material não seja privado dos princípios comuns a toda espécie humana, que são as primeiras proposições e os primeiros conceitos simples, comuns a todos os homens. Tais inteligíveis são únicos segundo o seu receptor, mas múltiplos segundo a intenção recebida.

É dito que, segundo o modo pelo qual são únicos, necessariamente serão eternos, pois os motores são as intenções das formas imaginadas, e estão sempre presentes, pois em absoluto sempre existirá um homem na face da terra, e que, no que cabe ao receptor, que é o intelecto material, não lhe cabe qualquer tipo de restrição, pois é uma substância separada. Conseqüentemente, quando se diz que estes inteligíveis são corruptíveis, isso faz referência a sua relação com os indivíduos, por meio dos quais eles são verdadeiros e com os quais estão unidos.

Estes inteligíveis não são corruptíveis absolutamente falando, sendo a partir dessa afirmação que Averróis dirá que o intelecto especulativo existe numericamente no interior de cada homem.

Dessa forma, Averróis deduz que o mundo não pode estar privado absolutamente dos seres individuais da espécie humana. Pois não é possível que em toda a terra deixasse de existir algum homem participando de uma intelecção, pois assim como é necessário que as artes naturais do homem estejam sempre em desenvolvimento, o mesmo pode ser dito a respeito da reflexão filosófica, pois a sabedoria existe sob um modo próprio nos homens. A relação que Averróis procura estabelecer sobre este ponto se refere ao caráter natural da existência da atividade intelectual no homem. Segundo ele, o movimento de produção dos inteligíveis é algo próprio da existência humana, que realizam sob a forma de espécie uma correlação eterna com os intelectos separados, pois considerada esta relação, pode-se dizer que a atividade do intelecto não cessa em absoluto.

Neste sentido, a explicação fornecida por Averróis para a unidade do intelecto material está relacionada com a dinâmica que se estabelece nos corpos celestes e nas demais substâncias que são separadas da matéria.

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