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Caminhada 11 – Shuffling com joelhos dobrados (Shuffling with bent knees):

2. CAPÍTULO

2.4 Sobre o Six Viewpoints

Na maioria das vezes em que falamos de Viewpoints estamos nos referindo à adaptação realizada por Bogart e pela diretora Tina Landau sobre a técnica Six Viewpoints, criada na década de 1970 nos Estados Unidos pela coreógrafa Mary Overlie. Inspiradas pela

89CORDEIRO, Fábio. Não Olhe Agora: coro e fagocitose na performance do Coletivo Improviso. Revista Polêmica (LABORE-UERJ). Rio de Janeiro, Volume 20, 2007. Disponível em: <http://www.polemica.uerj.br/

pol20/cimagem/p20_fabio.htm>. Acesso em 21 de março de 2014.

90 VILELA, Lilian F.. Uma história de colaborações com o teatro no percurso artístico de um corpo que

dança. Revista Sala Preta (ECA-USP). São Paulo, Volume 11, Número 1, 2011. Disponível em: <http://www. revistas.usp.br/salapreta/article/view/57462/60447>. Acesso em 21 de março de 2014.

capacidade potencial que o Six Viewpoints desenvolvia para gerar novos trabalhos de forma colaborativa e eficiente com dançarinos e performers, Bogart e Landau deram início a uma extensiva investigação sobre a aplicabilidade dos princípios presentes na técnica de Overlie “[...] para criar momentos visceralmente dinâmicos no teatro com atores e outros colaboradores”91 (2005, p. 05).

Existem poucos materiais disponíveis para leitura e acesso aos conteúdos da teoria do

Six Viewpoints, sendo a totalidade desse material em idioma inglês. Restringem-se a

publicações pontuais em que podemos constatar mais interesse pela trajetória artística de Overlie, ou nos desdobramentos e contribuições de sua teoria no contexto da pós- modernidade na arte, do que propriamente sobre o Six Viewpoints enquanto uma técnica de treinamento.

Mesmo desempenhando profissionalmente a atividade de professora no Departamento de Teatro da Tisch School of the Arts, da NYU (New York University), posição essa sobre a qual tradicionalmente se espera – e costuma-se exigir – uma contínua prática reflexiva por meio de publicações de textos nas mais variadas plataformas, Overlie publicou um único texto relacionado ao assunto na edição organizada por Arthur Bartow do livro Training of the

American Actor. Há, ainda, um página na internet, cujo endereço é

“www.sixviewpoints.com”, em que é possível acessar diversos conteúdos sobre o Six

Viewpoints. No texto publicado no livro acima mencionado, Overlie (2006, p. 188) aborda a

relação entre sua pesquisa prática e a escrita que diz respeito às suas proposições enquanto teoria.

Este capítulo é uma pequena parte de um grande número de estudos que eu tenho feito ao longo dos últimos 17 anos. Com exceção deste capítulo, este trabalho nunca foi publicado. Minha necessidade de apresentar toda a lógica [do Six Viewpoints – grifo nosso] me fez muito relutante em publicar qualquer coisa menos completa. Tenho o prazer de contribuir para este livro, o primeiro trabalho impresso sobre o

Six Viewpoints92.

Desde o ano de 1978, Overlie ministra aulas no ETW (Experimental Theatre Wing), um espaço dedicado à pesquisa e experimentação teatral vinculado à NYU. O convite para conduzir as atividades pertinentes àquele espaço aconteceu em meio ao impacto de suas investigações artísticas, das quais trataremos nos próximos parágrafos. Foi a partir de seu

91 to creating viscerally dynamic moments of theater with actors and others collaborators.

92 This chapter is a small portion of a great deal of writing that I have done over the last seventeen years. With

the exception of this chapter, this work has never been published. My need to present the entire logic has made me very reluctant to publish anything less thorough. I am pleased to contribute to this book, the first work in print on the Six Viewpoints.

ingresso no ETW que Overlie se dedicou extensivamente à elaboração do Six Viewpoints, organizando-a em uma técnica de treinamento. Overlie afirma que “o processo de desenvolvimento [da teoria do Six Viewpoints – grifo nosso] foi mantido [desde seu ingresso no ETW – grifo nosso] e finalmente concluído em 2002, como uma teoria completa”93 (2006,

p. 187).

Os seis pontos de vista da técnica de Overlie são apresentados segundo os seguintes nomes: Tempo (Time), Espaço (Space), Forma (Shape), Movimento (Movement), Emoção (Emotion) e História (Story).

 Tempo: Desenvolve uma capacidade de perceber a noção de tempo principalmente enquanto duração. Sendo assim, Overlie propõe a experimentação de sistemas reconhecidos e comumente articulados na vida cotidiana que nos oferecem possibilidades de medir e/ou estruturar o tempo, como os minutos, dias, horas, semanas etc. Para Overlie (2006) a experiência do tempo como linguagem do teatro pode ser estudada através de práticas como ritmo, velocidade, repetição e impulso.

 Espaço: A capacidade de perceber a relação física com as dimensões do espaço; desenvolver uma empatia por meio de deslocamentos físicos que envolvam ações restritas a andar e parar; sentir as condições em que as distâncias entre as pessoas, matérias sólidas inerentes à conjuntura espacial são dadas em determinadas formações e posições corporais no espaço.

 Forma: Desenvolve a percepção da forma que se cria corporalmente no espaço, compreendida como resultado proveniente dos contornos do próprio corpo, da relação de seu corpo com outro corpo ou, ainda, com um conjunto de corpos. Esse

viewpoint é igualmente nomeado por Overlie, segundo Sommer (1980, p. 57), de

“Linha” (Line) por desencadear entre os praticantes uma “experiência de visualidade”94.

 Movimento: Desperta uma relação sistemática que liga sensações, movimentos e ações. Assim posto, a proposta não incentiva a criação de movimentos ou ações corporais aleatórias. Pressupõe identificar as sensações que solicitam movimentos sob uma lógica cinética configurada, bem como se mover com a finalidade de evocar sensações. Nesse aspecto, Movimento promove experiências não somente

93 This process kept developing, and was finally finished in 2002 as a complete theory. 94 experienced visually.

cinestésicas (relativas ao movimento humano), mas também sinestésicas (relativas às sensações percebidas pelo corpo humano). Trataremos da relação entre cinestesia e sinestesia ainda nesse capítulo. Diferente de como aparece no site do

Six Viewpoints e na maioria das fontes sobre o assunto, em entrevista concedida a

Sommer, Ovelie apresenta a palavra “Cinestesia” (Kinesthetics) como denominação desse viewpoint, evidenciando que “cinestesia é o sujeito do movimento”95 (1980, p. 57). Já Canavan (2010, p. 109) faz uso da palavra design

que, no contexto de práticas teatrais é uma palavra de difícil tradução para o português, já que remete não somente à “desenho”, que seria a tradução mais comum, mas também à “projeto” – palavra essa que pode sugerir uma ideia mais ampliada, e nesse aspecto mais aproximada, do que possa ser o Movimento no vocabulário do Six Viewpoints segundo Overlie.

 Emoção: Tem a ver com a experiência de vivenciar estados emocionais na cena, de modo que possam ser compartilhados com os outros – nesse caso, especialmente em se tratando dos espectadores – por meio de movimentos corporais formais. Sommer (1980, p. 49) ressalta haver dificuldade de se explicar essa proposta teoricamente, entretanto sua tentativa providenciou a seguinte explanação sobre o assunto:

Duas coisas devem ser concomitantes: uma concentração profundamente envolvida e uma atividade física. A ‘pessoalidade’ é expressada através da destilação de imagens pessoais mantidas na mente e que ganham forma no movimento. Se há uma forte afetação emocional, essa sempre é ponderada e equilibrada pelo movimento formal96.

Por meio desse viewpoint Overlie acentua a importância do trabalho que ela chama de Presença (Presence Work) em que os/as praticantes desenvolvem a “[...] capacidade de interagir no [momento] presente a partir de um fluxo natural existente”97 (2006, p. 202). Sommer reitera e complementa esse aspecto afirmando que Overlie “busca performers que tenham presença, mas ela não está interessada em pessoalidade”98 (1980, p. 49). Essa afirmação reforça a proposta de Overlie, vista na citação acima destacada, em que a vida interior do performer e sua

95 Kinesthetics (what I call the subject of moving).

96 Two things need to be concurrent: deeply involved concentration and a physical activity: “Self” is expressed

through a distillation of personal images held in the mind and shaped in movement. If there is a strong emotional affect, it is always tempered and balanced by formal movement.

97 ability to interact in the present from a natural flow of being.

movimentação expressiva devem ser alcançadas mediante a conscientização sobre a permanente fluência dos estados emocionais associada à possibilidade do corpo “traduzir” essa qualidade sensível em algo observável.

 História: Incentiva a exploração de possibilidades de abordar conteúdos diversos na cena, com ênfase sobre os movimentos corporais (mas não exclusivamente). O desafio consiste em experimentar procedimentos narrativos alternativos à sequência cronológica de começo-meio-fim, em que histórias sejam contadas por meio de um arranjo de informações. Segundo Lampe, trata-se de uma visão da dança sobre a técnica de contação de histórias (storytelling) “onde a história pode ficar mudando completamente de uma imagem para a outra”99 (1994, p. 152). Cormier (2005, p. 138) apresenta a palavra “Imagem” (Image) como possibilidade para se designar esse viewpoint, do mesmo modo que Canavan (2010, p. 105) o denomina utilizando a palavra “Lógica” (Logic). Essas nomeações adicionais reforçam nosso entendimento de que História sugere a criação de lógicas da imagem, em que algo que se queira contar possa ser expressado.