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1. Os Ingarikó e um breve panorama das sobreposições

1.1. Sobreposições no Monte Roraima

Assim, procurando situar o campo que realizei no Brasil, onde vive o povo indígena Ingarikó, falante da língua Capon, da família linguística Caribe, apresento o mapa abaixo (Figura 1). Nesta imagem de satélite estão plotados os limites do Parque Nacional do Monte Roraima que coincide com a parte norte da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e, em seus limites oeste, norte e leste, com a fronteira do Brasil com a Venezuela e Guiana. No limite sul do Parque, incluindo a região dentro da concavidade do polígono do Parque – coincide aproximadamente com a área hachurada da Figura 2 –, está localizada a bacia do rio Cotingo, onde tradicional vivem os Ingarikó e é por eles denominado de Wîi Tîpî.

Figura 01: Mapa do Parque Nacional do Monte Roraima situado na fronteira do Brasil, Guiana e Venezuela, destacando o Monte Roraima em vermelho escuro (IBAMA, 2000).

No mapa acima (Figura 1), extraído do Plano de Manejo do Parque Nacional do Monte Roraima, podemos ver a área do Parque que coincide integralmente com a parte norte da Terra Indígena. Localizada na parte norte do estado de Roraima, onde gradualmente a Floresta Amazônia cede espaço aos lavrados22 – no mapa em tons rosa – que vão sucessivamente sendo entremeados pelas serras23 - no mapa em tons verde – que compõem a Serra de Pacaraima. Situada na parte oeste do Planalto das Guianas, a Serra de Pacaraima é composta por várias formações montanhosas denominadas de Grupo Roraima (IBAMA, 2000), entre as quais se destaca o Monte Roraima – formação em vermelho escuro em destaque entre o limite oeste e o norte do Parque. Cuja localização e dimensão fez com que abrigasse o marco triplo fronteiriço entre o Brasil, a Guiana – coincide a fronteira com a Guiana com o limite leste e norte do Parque – e a Venezuela – coincide a fronteira com a Venezuela com o limite oeste do Parque (Figura 2).

O Monte Roraima é uma montanha tabular24 da Era Pré-Cambriana, com 2.739,30 metros de altura em relação ao nível do mar – ver formação rochosa em tom vermelho escuro na parte superior esquerda do primeiro mapa (Figura 1) – em torno do qual, outras formações montanhosas que compõem as serras intercalam-se em gradientes menores. Dada a sua dimensão, o Monte é o ponto de convergência dos divisores de águas das bacias hidrográficas do rio Amazonas – que segue para o sul –, rio Orinoco – que segue para oeste e norte – e rio Essequibo – que segue para o leste e nordeste –, e dos seus respectivos ecossistemas. Condições que lhe atribui grande importância ecológica em razão da riqueza biológica e das espécies endêmicas que abriga.

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“Lavrado é o termo local utilizado para região das savanas de Roraima [...] ecossistema único, [...] com “elevada importância para conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos”, também classificado dentro do bioma Amazônia, como ecorregião das Savanas das Guianas (CAMPOS et alii, 2008: 1).

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Nome local para o conjunto montanhoso situado no Brasil que faz parte da Serra de Pacaraima e está situado na parte setentrional do Brasil.

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Em geomorfologia, montanha tabular ou mesa é um pequeno planalto também conhecido por meseta em espanhol ou tepui regionalmente.

O Parque Nacional do Monte Roraima foi criado pelo Decreto nº 97.887, de 28 de junho de 1989, em uma área de 116.747,80 hectares localizada ao longo da fronteira do Brasil com a Venezuela e Guiana – área delineada na Figura 1. O objetivo do Parque é proteger amostras raras da fauna, flora e dos ecossistemas da Serra de Pacaraima em território brasileiro, bem como, as belezas cênicas das formações rochosas. Condições estas que ressaltam sua singular importância ecológica, já que o Monte é uma formação geomorfológica única em território nacional e potencialmente muito importante em termos biológicos por ser uma área de convergência dos ecossistemas situados nas bacias dos rios Amazonas, Orinoco e Essequibo (IBAMA, 2000).

A Terra Indígena Raposa Serra do Sol – no mapa abaixo (Figura 3) é a área total do polígono maior que engloba a área do Parque Nacional do Monte Roraima hachurada no mapa – foi homologada pelo Decreto s/n, de 15 de abril de 2005, em uma área de 1.747.464,7832 hectares localizada também ao longo da fronteira com a Venezuela e Guiana. Mais ao norte na região das serras vivem os povos indígenas das etnias Ingarikó e Patamona, falantes de Capon em suas variações Ingaricó e Patamona, e na região do lavrado, vivem os Macuxi, Taurepang e Sapurá, falantes de Pemon em suas respectivas variações, ambas da família linguística Caribe, e também, os Wapichana, falantes de Wapichana da família Aruaque. Apesar do ato homologatório ter sido publicado em 2005, remonta-se ao início do Século XX os estudos de identificação da referida Terra Indígena. Estudos estes que, diversas vezes, não foram devidamente encaminhados e acabaram paralisados. Situação que, nos anos setenta, levou os índios a adotar ações de mobilização em prol da retomada dos territórios ancestrais e seu reconhecimento.

Em termos culturais, o Monte Roraima mantém vínculo com a literatura inglesa por ser palco para a obra O Mundo Perdido, obra de Arthur Conan Doyle (2003), e com a literatura brasileira por ser ponto de partida para o enredo da obra Macunaíma, o Herói sem Nenhum Caráter, de Mário de Andrade (1928). Além disso, mantém sua importância étnica por ser base da lendária Wayaka yek – Árvore da Vida na cosmologia Ingarikó – e outras lendas semelhantes de etnias que vivem nos lavrados e nas bacias do rio Orinoco e rio Essequibo – uma bananeira entre os Macuxi, uma

árvore singular entre os Taurepang, etc. Por estar estreitamente relacionado com o mito de origem Ingarikó, o Monte ainda hoje continua sendo um território sagrado para os Ingarikó – denominado por eles de Roraimë. Sem dúvida, esses atributos físicos, políticos e culturais conferem ao Monte distintos significados que podem ser interpretados de forma diversificada, sob o critério daquele que a observa. Tal qual, uma alegoria.

Figura 03: Mapa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em sobreposição ao Parque Nacional (ISA, 2005).

Contudo, convém lembrar que as sobreposições como coincidência de categorias de gestão territorial em uma mesma área é uma definição limitada, já que

estaríamos limitando a definição de sobreposição em seu nível jurisdicional. Ou seja, as sobreposições existiriam apenas entre os órgãos públicos que disputam ter jurisdição sobre determinada área, ignorando assim, entre outras coisas, as implicações do fenômeno no campo. Porém, como há um descompasso entre a criação da unidade de conservação e os desdobramentos materiais do ato no campo, muitos índios se quer percebem que existe sobreposição de unidades em seus territórios. Por esse motivo, vamos nos ater as sobreposições assim definidas neste Capítulo.