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Sobrevivências do medievo português no Sudeste Goiano

No documento Medievalis, Vol. 3, N. 2, 2014. (páginas 144-150)

representado pelos heróis Sigmund e Sinflioti cih.uem, Vi Congresso Internacioal de História,

SOBREVIVÊNCIAS DO MEDIEVO PORTUGUÊS NA REGIÃO SUDESTE DE GOIÁS

2. Sobrevivências do medievo português no Sudeste Goiano

Ao iniciarmos nossa busca pelas sobrevivências do medievo português no Sudeste Goiano, e ao observar as diversas esferas da cultura, resolvemos iniciar pelas devoções religiosas. Entre as festas cristãs mais importantes em Portugal medieval, citadas por Oliveira Marques (1987), estão o Natal, a Páscoa e a festa de São João Batista. Santo que dá o nome a várias localidades, no Sudeste Goiano, sobretudo paróquias e estabelecimentos comerciais. Mas em torno de São João Batista desenvolveram-se, também, as festas juninas. Segundo o blog História Pensante, a origem das Festas Juninas remonta à Idade Média, quando os pagãos celebravam o solstício de verão, fazendo referência à fertilidade do solo, posteriormente estes cultos foram direcionados para os santos católicos. A Igreja Católica cristianizou e incorporou essa festa realizada pelos povos ditos pagãos; nos países europeus era conhecida como joanina, em homenagem a São João.

Trazida para o país, passou a ser conhecida como Festa Junina, referência não mais ao Santo, mas sim ao mês em que acontecia, o que também abrangia os outros santos juninos. Estas festas acontecem em âmbito nacional, e por mais que possam ter maior tradição na

Região Nordeste do país, acontecem também em Goiás. No Sudeste Goiano, nestas festas se homenageiam outros santos como Santo Antônio, - santo português, venerado pelos seus compatriotas e que aqui se tornou objeto de devoção de boa parte da população – São Pedro e São Paulo; inclusive nas pequenas cidades do interior e nas comunidades rurais, ainda se reza o terço para cada um deles, ocasião quando se pode ver a fogueira.

No Sudeste Goiano, assim como no Portugal medievo, ainda se vê a relação dos santos com a agricultura, especialmente em comunidades de pequenos e médios agricultores. Em estudo realizado por Alaor Gomes Júnior (2008, 06) acerca das antigas novenas que se fazia na região, o autor escreveu: “muitos dos entrevistados afirmam que a devoção aos santos é uma busca de proteção e ajuda para o dia-a-dia”: proteção para a lavoura, chuva para a plantação e melhor produção de comida. De acordo com o mesmo estudo, o autor nos apresenta os santos que mais foram homenageados nas antigas novenas na região rural da cidade de Catalão: São Sebastião, Nossa Senhora da Abadia, São João Batista e Divino Espírito Santo, todos os quatro foram objeto de devoção no medievo português.

De São Sebastião, sabe-se que em tempos medievais passou a ser conhecido como aquele que protege da peste as populações e os rebanhos. Como parte do seu culto na região, o Santo ganha animais, como galinhas, porcos e bezerros, para que o mesmo proteja o quintal e o rebanho de possíveis pestes. Ainda hoje em alguns quintais é possível encontrar galinhas dadas a São Sebastião. No calendário de festas da Igreja Católica na cidade de Cumari, uma delas é em louvor a esse santo.

Par a par com as devoções religiosas aparecem as feiras, a professora Maria Helena da Cruz Coelho (1998, 10) nos fala do contexto das feiras medievais portuguesas que acaba “coincidindo muitas vezes com festividades religiosas, o sagrado e o profano aliam-se e o homem acorre simultaneamente à romaria e à feira. Louva a Deus e trabalha. Reza e mercadeja, assiste aos ofícios litúrgicos e entrega-se a folguedos”. O maior exemplo que temos dessa herança medieval é a festa do Rosário da cidade de Catalão.

Quando a professora cita que as feiras, muitas vezes, ocorriam próximas as datas de festividades religiosas, podemos ver isso claramente na cidade de Catalão, a Festa do Rosário, também conhecida como a festa das barraquinhas. Essa característica diz respeito a enorme quantidade de comerciantes que vêm para a cidade e montam suas barracas na época da festa. Segundo o que vimos em aula, à devoção a Nossa Senhora do Rosário veio de Portugal

medieval, por si só, esse festejo já faria referência a uma sobrevivência do medievo no Sudeste Goiano.

Contudo convém estabelecer outras relações, assim como é retratado no texto, acontece praticamente da mesma maneira durante esse festejo. A parte religiosa da festa de um lado, e a parte social de outro; para um observador mais atento é possível perceber que muitas vezes são celebrações distintas, dando a entender algumas vezes que as duas partes não se misturam. O público da festa também é distinto, do mesmo modo que há pessoas que participam apenas dos momentos litúrgicos, também há pessoas que vêm de longe apenas para fazer compras. A Festa do Rosário em Catalão pode ser considerada uma típica feira medieval, mesmo sofrendo influências da cultura do país, e também das congadas – típica contribuição africana –, ainda guarda características fundamentais que a ligam ao medievo português.

Outro aspecto a destacar a forte permanência do medievo português é a alimentação. Começamos por lembrar o consumo – incluindo as formas de preparar e apresentar – de carne, incluindo a domesticação de aves e animais para o consumo. Cozinhar ou assar a carne com determinados temperos e condimentos, bem como o costume de ser levá-la inteira para a mesa, como no caso de frangos ou leitões, o que significa fartura, é herança do medievo na nossa alimentação. As carnes de aves no Medievo eram consideradas mais nobres e eram reservadas para dias especiais. O que diz muito de um costume goiano de se cozinhar ou assar frango aos domingos e nas ocasiões especiais.

Diego Soares de Oliveira (2009, 27) afirma que: “cada refeição contendo carne tinha um valor, um significado e um ritual. Em Portugal medieval, como exemplo, quando se matava um porco, se ajuntava várias pessoas, e cada uma realizava determinada função.” Esse costume ainda é percebido no interior de Goiás, sendo muito comum a união de familiares, cuja finalidade é assar um porco ou mesmo carne de vaca, no entanto isso se torna mais comum em dias festivos, como por exemplo, o natal ou alguma outra grande festividade.

De acordo com Diego S. de Oliveira, um alimento com características especiais no medievo português, era o peixe. O peixe, em tempos medievos, “servia para jejuar e possuía características tais como: frio, magro, triste e até calmante. E se podia associá-lo ao alimento “puro e purificador”, o Cristo, pescador de homens [...]” (OLIVEIRA, 2009, 26). O consumo de peixe em algumas cidades do Sudeste Goiano se aproxima das significações que se tinha no medievo, por aqui, o peixe ainda é tido como uma carne magra e que está relacionada ao

Cristianismo. Ainda que a Igreja Católica tenha diminuído os dias de abstinência, mas seguindo o que ficou na tradição, o consumo da carne vermelha é evitado em alguns dias da quaresma, por isso, muitas pessoas optam para consumir a carne de peixe nas quartas e nas sextas-feiras da quaresma.

Mas, os alimentos, sobretudo as carnes carecem de tempero. Tal como no Portugal medieval, entre nós é recorrente o uso de temperos, como o alho, a cebola, o limão ou o vinagre, além da pimenta e do açafrão que são bem comuns nas comidas goianas. Convém, ainda ressaltar o costume de refogar os alimentos, praticado no Portugal medieval e até hoje presente na nossa culinária.

Diêgo S. de Oliveira (2009, 48), ainda fala do consumo de leite, no Portugal medieval, destacando que “a criação de pastagens e de gado, aumentou o leite e deste o queijo tornou-se mais comum a todos”. A produção extensiva de leite e de seus derivados contribuiu para uma alimentação mais diversificada. Em Goiás, sobretudo em Catalão e região, as pastagens com a criação de gado, a produção de leite e seus derivados, sobretudo o queijo, faz parte da dieta alimentar da população.

Outra informação que Oliveira traz, diz que “a superabundância de ovos vai além da opção pelo sabor e do costume de comê-los. Em Portugal, a abundância de aves de capoeira e domésticas – as galinhas, por exemplo – relacionava-se à sua abundância na criação” (OLIVEIRA, 2009, 38). Essa abundância de ovos e galinhas é uma realidade que se pode perceber no Sudeste Goiano, não é raro encontrar quintais de casas cheios de galinhas como também não é difícil encontrar a utilização de ovos em muitas receitas da culinária local.

Em relação às frutas e os doces Jacinta Bugalhão e Paula Queiroz (2005) citadas por Oliveira (2009, 44) comentam que “em Portugal, durante a Idade Média, se fazia marmeladas, compotas, geleias, caldas e xaropes, sendo que, o açúcar era o ingrediente mais necessário para a produção de tais conservas”. É possível perceber que as compotas de frutas, bem como as geleias, ainda fazem parte das especialidades de nossas avós e mães, assim como os manjares e os doces, oriundos de Portugal.

Outro aspecto importante a se observar é o uso de livros de receitas, embora só se tenha datado um, o livro “Um Tratado da Cozinha Portuguesa do século XV, também conhecido como Livro de receitas da Infanta Dona Maria” (OLIVEIRA, 2009, 18). Esta Infanta o levou no seu enxoval de casamento. O hábito de escrever o que se cozinha é muito frequente em alguns lugares de Goiás, sendo costume também, passar receitas de uma geração

para outra. É comum que a jovem ao preparar o enxoval leve consigo um livro de receitas, receitas essas muitas vezes passadas de mãe para filha.

As sobrevivências do medievo português ainda se fazem notar no mobiliário. A arca, conforme Oliveira Marques (1987, 472), “servia para tudo, até de leito. Na arca se guardavam a roupa de casa, as peças de indumentária, os livros, a loiça, os objetos de adorno, etc.” A arca, com praticamente essas funções, esteve muito presente no cotidiano das famílias daqui – conhecida como caixa ou caixa de enxoval – é comum encontrá-la nas casas de pessoas mais velhas. Existia também em Portugal o uso de cofres, “nele se guardavam principalmente joias e outros objetos miúdos” (OLIVEIRA MARQUES, 1987, 472). Esse objeto não é muito frequente atualmente, nas casas, mas já foi bastante utilizado.

Outro aspecto a se observar diz respeito ao espaço urbano. No Portugal medieval, as ruas “eram estreitas e irregulares” (OLIVEIRA MARQUES, 1987, 471). Apesar de toda a modernização do espaço urbano, em Catalão, ainda é possível encontrar algumas ruas com essas características e se sair um pouco do Sudeste Goiano, na Cidade de Goiás Velho, as ruas são extremamente estreitas e irregulares, se assemelhando muito às ruas das cidades medievais portuguesas.

Além das ruas irregulares e estreitas, as feiras compuseram o espaço das cidades medievais portuguesas, eram “ponto de troca de mercadorias e encontro de gentes” (COELHO, 1998, 85), serviam para comercializar os produtos do campo, os pescados, as carnes em geral e também eram locais de socialização e de divertimentos, onde se tocavam cantigas e se dançavam. Esse costume ainda é muito presente na cidade Orizona. Na cidade de Catalão há um projeto cujo nome é Poesia na Feira, nele alunos da Universidade Federal de Goiás e pessoas da comunidade, recitam poesias nas diversas feiras da cidade, se assemelhando um pouco mais às antigas feiras medievais portuguesas.

Não poderíamos deixar de mencionar outros achados durante a disciplina, como os instrumentos de trabalho, entre eles: o arado a cavalo, a carpideira, o carro de boi, o estribo do arreio, a coalheira são instrumentos ainda utilizados na zona rural de Orizona e em outras localidades do sudeste de Goiás. Outros utensílios europeus medievais que chegaram ao Brasil por intermédio de Portugal foram a carda; o descaroçador; o tear e a roda de fiar. Tais utensílios ainda são utilizados por algumas senhoras em cidades do interior do Goiás. De acordo com o nosso conhecimento, as peças que mais se tem feito com esses utensílios são os cobertores de algodão.

Estas são algumas das muitas sobrevivências do medievo português que encontramos no Sudeste Goiano, apesar mesmo do avanço do processo de modernização na região.

Considerações finais

A realização deste trabalho, bem como a disciplina como um todo, nos levou à aproximação da história e da cultura de um país que tanto influenciou o nosso. Sem dúvida, Portugal, fazendo jus da sua condição de conquistador e colonizador impôs a sua cultura à sociedade que foi se formando no Brasil, seja por meio da imposição de costumes ou pelas práticas quotidianas dos colonos, presentes nos festejos, na culinária, na organização do espaço, nas formas de sociabilidade e nos instrumentos de trabalho. De maneira que conhecer a história de Portugal Medieval nos permite entender melhor quem somos e porque temos determinadas práticas.

Assim, a compreensão do passado nos facilita a compreensão do nosso presente. No decorrer das aulas e das nossas pesquisas, pudemos perceber o quão presente o medievo português está em nossas vidas, seja pelo modo de seguir determinados aspectos da religião, comer algum tipo de alimento em específico ou de determinada forma, ou ainda no modo de funcionamento de festejos tão presentes em nossa cultura. Tais práticas se tornam tão corriqueiras que ás vezes nos esquecemos de perguntar sobre suas origens.

Sendo assim, conhecer a realidade de Portugal medieval, nos possibilitou conhecer também, um pouco da realidade em que vivemos, seja descobrindo as interações entre Brasil e Portugal, como também as influências culturais de outros países que os portugueses sofreram e trouxeram para cá, que se somaram com as influências que nós próprios sofremos de outros povos.

REFERÊNCIAS

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COELHO, Mª Helena da Cruz. A feira de Coimbra no contexto das feiras medievais portuguesas; Festa e sociabilidade na Idade Média; Superstição, Fé e Milagres na Idade Média. In: Ócio e Negócio em Tempos Medievais. Coimbra: Inatel, 1998, p. 1-126.

Folclore Brasileiro. Disponível em < http://www.folclore.net.br/festas-folcloricas.php > acessado a 22 de novembro de 2014.

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MARQUES, A. H. de Oliveira. A vida quotidiana. In: SERRÃO, Joel. MARQUES, A. H. de Oliveira. (dir.) – Nova História de Portugal. Portugal na c rise dos séculos XIV e XV. Lisboa: Editorial Presença, 1986, pp. 464-490.

MONTEIRO, Gilson Silva. A Influência dos Povos na Formação da Cultura Brasileira. Duque de Caxias: Curso de Integralização Teológico da Faculdade de Educação Teológica das Américas (FACETAM), 2014.

OLIVEIRA, Diêgo Soares de. Hábitos e Costumes Alimentares Portugueses (Séculos XII ao XV). Catalão: Curso de Graduação em História. Universidade Federal de Goiás, Regional Catalão, 2009.

No documento Medievalis, Vol. 3, N. 2, 2014. (páginas 144-150)