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3. AS MULHERES E AS MULTIPLAS FUNÇÕES DA

3.2 REPRODUÇÃO SOCIOECONÔMICA

3.2.3 Sociabilidade

Em minha pesquisa constatei que no dia a dia das famílias das entrevistadas estão presentes diversas relações sociais, a maioria delas fundamentais para garantir não só a sua reprodução social, mas também a reprodução da agricultura familiar enquanto categoria social. Segundo Gazolla e Schneider (2007), “a sociabilidade refere-se ao processo pelo qual os indivíduos, as famílias e os grupos sociais se relacionam material e simbolicamente entre si. A sociabilidade encerra razões ‘práticas’ e simbólicas de ser e de agir”.

Todas as agricultoras e seus maridos, além de manterem laços de sociabilidade com vizinhos e parentes, participam de algum tipo de organização social relacionada, principalmente, às questões da agricultura e da igreja católica. Além de integrantes do MMC, as entrevistadas participam de cooperativas de crédito solidário, clube de mães, atividades promovidas pela igreja católica, rádio comunitária, grupos de idosos, bodegas da comunidade, sindicatos, dentre outros.

A sociabilidade entre vizinhos e parentes se constitui, principalmente, por meio de visitas59; ajudas mútuas (empréstimo ou aluguel de maquinário; tomar conta, esporadicamente, de um estabelecimento; troca de informações, etc.); solidariedade com pessoas idosas, doentes ou sozinhas; e troca ou doação de sementes e alimentos.

Em todas as comunidades visitadas observei que havia infraestrutura para reuniões e celebrações entre os moradores da localidade. Em quase todas as situações, essa infraestrutura era mantida pela igreja. A sociabilidade gerada através da ação das igrejas é bastante relevante. Todas as entrevistadas frequentam as atividades promovidas pela igreja católica, por meio da participação em eventos e/ou cultos religiosos, tais como missas, festas, almoços, celebrações de datas comemorativas e quermesses.

Na semana em que antecedeu a minha pesquisa de campo ocorreu no município o “tríduo familiar”. Esse evento, realizado pela igreja católica, incentiva as famílias para se reunirem durante três dias na casa de vizinhos (cada dia em uma casa diferente), para a leitura de textos que exaltam a importância da família e da solidariedade. Além desta situação em específico, todas as agricultoras costumam frequentar as missas de domingo com suas famílias e participam na organização e preparação de eventos religiosos.

59Muitas entrevistadas mencionaram “fazer serão”, expressão italiana para designar as visitas à noite.

Além disso, a uma quantidade expressiva de mulheres, sete entre 18 entrevistadas, foram atribuídas a função de “ministras da eucaristia”. Como já constatava Candido (1979), a vida “lúdico-religiosa” é um elemento central da sociabilidade vicinal em bairros rurais e pode mesmo definir os limites do bairro, na medida em que os vizinhos participam dos festejos religiosos locais.

A participação em cooperativas de crédito solidário e em sindicatos, geralmente, acontece como extensão das atividades do marido. Constatou-se uma frequência elevada em relação à participação em reuniões nesses espaços, em conjunto com os maridos ou em grupos formado por mulheres de cooperados e sindicalizados. Tais espaços, além de se caracterizarem como lugares de sociabilidade, são espaços, também, de formação política. Contudo, muitas mulheres se queixaram quanto ao fato desses lugares serem destinados, preferencialmente, aos maridos. A elas são reservadas discussões específicas, enquadradas como “coisas de mulher”.

A principal organização social com participação exclusiva de mulheres é o Movimento de Mulheres Camponesas. Todas as mulheres entrevistadas afirmaram participar do movimento desde a sua formação inicial, na década de 1980. O movimento promove reuniões periódicas nas comunidades e na sede do município, reuniões eventuais em Chapecó, em outros municípios de Santa Catarina, como, também, em outros estados. Todas elas afirmaram participar em todas as reuniões que ocorrem no município, alegando sempre “tentar dar um jeito” para ir às reuniões em cidades mais distantes.

Nessas reuniões elas discutem os direitos das agricultoras, a produção agroecológica, a situação da mulher no meio rural, dentre outros temas e assuntos, que expressam os seus interesses e atuação política. Elas, também, aproveitam para trocar experiências e relatar as suas vivências. O MMC foi mencionado por várias entrevistadas como o principal espaço de construção de laços sociais e culturais, de troca de experiências e de engajamento político. Neste caso, o movimento constitui-se como um lugar ainda mais importante que as cooperativas e sindicatos, principalmente por ser um lugar “só delas”.

Sobre este assunto, Paulilo e Boni (2014) comentam:

Outro ponto importante com relação aos movimentos autônomos é a insistência das participantes dos encontros de se reunirem sem a presença de homens ou, pelo menos, com massiva maioria feminina (...) o fato de estarem entre iguais, sem a presença masculina – que, para elas,

é inibidora –, faz com que as mulheres socializem seus problemas e angústias percebendo, com isso, que a origem de seus sofrimentos é mais social que pessoal. Falam sobre medos e vergonhas que nunca contaram a ninguém e começam a vê-los como menos ameaçadores, ao mesmo tempo em que aprendem com outras mulheres como enfrentá-los. (PAULILO; BONI, 2014, p.8) Muitas entrevistadas também participam do clube de mães das comunidades. No entanto a opinião das agricultoras com relação a esses clubes é um pouco controversa. Algumas afirmam ser mais um espaço para trocas de experiências, que até se confunde com os espaços promovidos pelo MMC, mas outras têm uma visão mais crítica com respeito aos clubes, como expressa a fala da entrevistada a seguir:

O clube de mãe é mais financeiro. E é financeiro pra elas mesmas, né? Não é que nem nós [do MMC], fizemo festa na comunidade, almoço das mãe. Por exemplo, dia das mãe ou dia dos pai, e esse lucro daí a gente divide com a igreja e fica um pouco pra gente pra ir nas reuniões, pra quando precisa sair tem um dinheirinho. Mas o clube de mãe é assim: eles têm [dinheiro], ele é político. Eles têm uns político que vem e eles oferecem dinheiro, sempre em véspera de eleição, né? Fazem um projeto... (Entrevistada 4)

Além desses espaços, algumas entrevistadas mencionaram frequentar as bodegas da comunidade para jogar baralho, conversar com as colegas, além de participar em concursos de dança e jogos de futebol nas comunidades (nas partidas de futebol, elas participam como espectadoras dos maridos). Em suma, nas comunidades que visitei, ao contrário de muitos relatos de outros pesquisadores quanto à perda de costumes de sociabilidade e ausência de infraestrutura adequada para esses fins60, há uma rotina de festas e celebrações em lugares apropriados para a realização desses eventos.

É bastante comum em eventos de sociabilidade que as mulheres contribuam levando um prato de comida. Elas, no geral, se organizam previamente para decidir “o que cada uma vai levar” e, eventualmente, aproveitam esses momentos para fazerem trocas e doações de alimentos cultivados por elas.

60Como, por exemplo, nos diversas conclusões de pesquisa do livro organizado por Carneiro e Maluf (2003).

A troca de alimentos também é motivo para a sociabilidade, uma vez que está baseada em razões “práticas” e simbólicas do ser agricultora. As razões práticas estão voltadas para o próprio cultivo e preparo dos alimentos. O plano simbólico é permeado pelos valores, pela cultura e pelo modo de vida das agricultoras, segundo Gazolla e Schneider (2007).

Quando voltamos nosso olhar às práticas de sociabilidade relacionadas ao lazer, podemos perceber que nestas situações também existe uma desigualdade de gênero. Nestas ocasiões, geralmente os homens se dedicam exclusivamente às atividades recreativas com seus amigos e/ou parentes, e as mulheres são as responsáveis por preparar e levar para o encontro as comidas e bebidas que serão consumidas, além de serem responsáveis por limpar e organizar o local ao término do evento.

Com relação às visitas à cidade, estas ocorrem esporadicamente. Nessas situações, o objetivo principal é “fazer o rancho” (compras no supermercado) e outras pequenas compras, tais como, remédios na farmácia, sementes e mudas na agropecuária. Em geral, elas aproveitam, também, para realizar consultas médicas. O contrário se observa com os homens, que vão à cidade, quase que diariamente, para resolver questões relativas à atividade produtiva, tais como, a compra de insumos, o pagamento de dívidas, negociar a venda da produção agrícola, assim como para encontrar amigos.

Desta forma, os laços de sociabilidade mantidos pelas mulheres parecem cumprir, em todos os casos analisados, um papel importante para a manutenção e reprodução social nas comunidades em que vivem. Apesar da desigualdade de gênero observada, estas práticas contribuem para reforçar e fortalecer os componentes sociais e culturais do meio rural.