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b Redes sociais como instrumento de monitorização Com as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América,

No documento Comunicação Política (páginas 57-63)

em 1952, iniciou-se um longo trajeto de monitorização cientí- fica dos eleitores para aferir o processo de formação do voto e o comportamento dos principais agentes de influência numa campanha eleitoral: os oponentes políticos, os jornalistas e os comentadores (Maarek, 1997; Cacciotto, 2015). Isto significou também que a experiência política direta – fruto do conheci- mento em primeira mão da base de apoio do partido e da vivên-

cia das campanhas no terreno – foi sendo, ao longo do tempo, desvalorizada.

Com a Web 2.0 e as redes sociais, muitos aspetos da vida social que eram desconhecidos e inalcançáveis começaram a ser codi- ficados e acessíveis a terceiros através da datificação – a trans- formação da ação social em dados on-line quantificados (Boyd & Crawford, 2012). Os dados e metadados recolhidos do Google, do Facebook e do Twitter passaram a ser entendidos como im- pressões ou sintomas dos comportamentos e humores reais das pessoas. Amizades, interesses, conversações triviais, busca de informação e respostas emocionais de agrado/desagrado pas- saram a ser cientificamente quantificadas e a ter valor político. A datificação passou, assim, a permitir o monitoramento em tempo real das manifestações online dos cidadãos, bem como a análise preditiva dos seus comportamentos. Deste modo, a transformação digital da sociabilidade produziu uma indústria baseada no valor dos metadados, ou seja, em relatórios auto- matizados de quem comunicou com quem, sobre o quê, a partir de que local e durante quanto tempo (Van Dijk, 2017: 42). Os big data começaram a ser usados de modo esporádico na campanha eleitoral de Barack Obama, em 2008, mas na sua se- gunda candidatura, em 2012, tornaram-se centrais para enten- der o comportamento social dos eleitores e, consequentemen- te, tornar a campanha eleitoral mais eficaz. Para tal, a equipa de Obama desenvolveu modelos sofisticados para prever o conjun- to de eleitores com maior probabilidade de o reeleger e, a partir daí, construir mensagens adequadas às expetativas e interesses

desses alvos específicos. Ao longo dos 18 meses que antecede- ram o ato eleitoral, a equipa de Obama realizou inúmeras si- mulações da eleição por computador, a partir das quais definiu táticas e calibrou estratégias.

O uso dos metadados em campanhas eleitorais ganhou, no en- tanto, novos contornos com a campanha eleitoral de Donald Trump e a divulgação, nos primeiros meses de 2018, do escân- dalo da Cambridge Analytica, empresa responsável por usar mi- lhões de dados recolhidos nas redes sociais para manipular as emoções dos utilizadores e conquistar votos para quem pagar mais.

Embora numa escala sem precedentes, e com ramificações e consequências ainda por apurar, este caso recuperou o debate sobre as bases de dados eleitorais, iniciado nos primeiros anos da década de 2000. Os custos financeiros, as ligações empresa- riais e os métodos de obtenção de dados sem o consentimento dos indivíduos, colocaram no centro do debate, na altura, tal como em 2018, as desigualdades nos processos eleitorais, as ligações entre poder político e económico, bem como outras questões relacionadas com valores das sociedades democráti- cas: o direito à privacidade e o direito de cada indivíduo contro- lar a sua informação pessoal.

Desde os inícios dos anos 2000, as campanhas com orçamentos maiores começaram a construir bases de dados de eleitores a partir de outras comerciais. O cruzamento de vários desses da- dos permitiram definir perfis de votantes e identificar aqueles que mais interessavam a cada candidatura (Howard, 2006). Estas

bases de dados foram, todavia, exponencialmente enriquecidas com os metadados coligidos nas plataformas digitais, que con- têm uma série de informações detalhadas e inéditas sobre os indivíduos. Atualmente, as bases de dados permitem segmentar a população eleitoral numa variedade de métricas, incluindo de- mográficas (como rendimento, idade e género), estilos de vida, emocionais (desejos e medos) e tendências de voto. A partir de dados extraídos das redes sociais e outras plataformas, as candi- daturas medem interesses, associações e afiliações de eleitores, fazem análises e estabelecem estratégias de ação.

Para além da definição de públicos-alvo e de canais para comu- nicar com os eleitores, as bases de dados também são usadas para personalizar conteúdos. Os candidatos podem abordar, em simultâneo, mas, de modo distinto, o mesmo tema tendo em conta os valores e fases de vida dos indivíduos. Os modelos com- plexos que são elaborados a partir de metadados permitem, as- sim, obter uma compreensão refinada dos eleitores a nível indi- vidual e construir estratégias de micro-targeting.

Nas primárias de 2016, Bernie Sanders implementou esta es- tratégia no Iowa. A sua candidatura lançou uma campanha no Facebook e no Twitter dirigida a millennials com determinadas caraterísticas e que durou 12 dias. Neste curto espaço de tempo conseguiu atingir uma grande massa de eleitores desse distrito, 85% dos quais com o perfil que a candidatura pretendia alcançar (Hwang, 2016: 47).

Ainda assim, a definição de estratégias de micro-targeting, bem como a sua eficácia, dependem sempre da qualidade dos da-

dos reunidos sobre os eleitores. A maioria desses dados provêm de bases de dados construídas a partir da monitorização dos indivíduos online, mas também de elementos fornecidos pelos próprios obtidos através de métodos tradicionais de recolha de informação. Os eleitores contatados via telefónica pelo staff de campanha, que fazem doações e/ou se oferecem como voluntá- rios disponibilizam um conjunto de dados sobre si, mesmo sem terem essa consciência. Por outro lado, a comunicação perso- nalizada (Nielsen, 2012), porta-à-porta, é também usada para recolher informação que, em conjunto com as outras modalida- des de obtenção de dados, é utilizada para definir estratégias e modelos preditivos. Estes tornam as campanhas mais eficazes e eficientes, aumentando a relação custo-eficácia da comunicação com os cidadãos.

A monitorização e a avaliação constante das opiniões públicas tem-se progressivamente instituído nos ciclos legislativos. Isto significa que, atualmente, a adoção, rejeição ou adaptação de determinada política toma em consideração a forma como as redes sociais, em conjunto com os legacy media, reagem a essa determinada política. Os metadados produzidos através das re- des sociais são, assim, crescentemente utilizados como balão de ensaio para testar determinadas intenções. Esta utilização pode ser entendida como a atualização tecnológica de uma estratégia tradicionalmente usada pelos políticos para avaliar as reações dos adversários, dos eleitores, dos jornalistas e dos comenta- dores (McNair, 2004). A monitorização em tempo real permite a adaptabilidade constante (Lutz, 2009: 10), o que pode ser en-

tendido como o passo seguinte ao que se convencionou chamar governar pelas sondagens de opinião.

Tal como a realização de sondagens de modo regular, a mobiliza- ção de dados e metadados, também requer recursos financeiros avultados, apenas disponíveis aos partidos maiores e políticos com elevada capacidade de angariação de financiamento. Por outro lado, vários relatórios do Pew Internet & American Life Project têm colocado em evidência que a base dos usuários das redes sociais não é representativa da população. Acresce que as decisões subjetivas dos algoritmos – classificação, priorização, associação e filtragem – conferem inteligibilidade a manifesta- ções online que não advêm dos dados, mas da forma como estes são agregados e trabalhados, ou seja, como os dados não são factos, estes são o resultado do tipo de relações estatísticas que são estabelecidas (Bolin & Schwarz, 2015).

O Twitter, por exemplo, utiliza vários algoritmos que favorecem usuários influentes. Isto significa que prever preferências políti- cas através da análise do desempenho dos usuários no Twitter, ignora o potencial interventivo de spindoctors e militantes para influenciar os debates em tempo real nesta plataforma. Isto sig- nifica, também, que esta rede reproduz desigualdades há muito identificadas offline, apesar de jornalistas e políticos partilharem a crença de que as conversações em curso nas redes sociais são um indicador fiel das tendências da opinião pública (Ausserho- fer & Maireder, 2013; Jungherr, 2015).

c. Redes sociais como fonte de informação

No documento Comunicação Política (páginas 57-63)