• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III ESPAÇOS DO COTIDIANO: Os Jovens e as Trajetórias de Socialização

3.4 A socialização escolar

Neste momento da dissertação, pretendo discutir e analisar as trajetórias de socialização dos jovens nas escolas do município de Saudades, levando em conta nesta análise às experiências cotidianas que são construídas nestes espaços. O propósito, então, é compreender quais os significados que os jovens atribuem a trajetória escolar no contexto específico de uma região, que tem como reflexo, as transformações econômicas e sociais da agricultura familiar. Além disso, é importante compreender os reflexos da mudança de atitude – tanto dos pais como dos filhos – em relação à escola, pois se percebe hoje em Saudades, segundo dados da escola, que existe um maior número de filhos de agricultores

que freqüentam a escola. Ressalta-se, também, que a procura pelos estudos tem, como uma das causas, o desinteresse de boa parte dos jovens do interior pela lavoura e, acima de tudo, a possibilidade que o estudo “oferece” a possibilidade de ascensão social. Portanto, os jovens fazem uma avaliação positiva acerca do processo de socialização da escola – mesmo que de forma instrumental – em relação aos seus projetos de vida.

3.4.1 O víeis crítico da socialização escolar

Apesar desse caso em particular, ou seja, da avaliação positiva dos jovens de Saudades concernente a escola, é preciso considerar que hoje se vivencia o enfraquecimento, segundo Spósito (2000: 89), da capacidade de ação socializadora da escola sobre a maioria dos jovens, uma vez que estes mantêm com ela uma relação de distanciamento construído no interior da condição de aluno.

Nesse víeis crítico de compreensão, Sousa e Durand (2002), afirmam que as instituições modernas de educação, enquanto espaços tradicionais de socialização, tendem a não considerar dentro do processo educativo, a condição social juvenil em suas múltiplas dimensões. Dentro desta configuração, a escolas recebem como orientação à idéia de “abordagem dos conflitos e interesses juvenis como um problema sobre o qual se aplicam soluções integrativas de convívio consideradas suficientes para a orientação da passagem para o mundo adulto”(2002: 165).

É essa também a perspectiva crítica do Sociólogo Thomas Popkewitz (2001), quando afirma que as instituições de ensino sob o regime do controle e da normalização funcionam para incluir/excluir algumas maneiras de ser. (...) “a pedagogia funciona para controlar a alma, com as tecnologias das práticas pedagógicas produzindo um meio para moldar a conduta dos indivíduos”(op cit.: 37). Para o autor, o currículo torna-se, a partir desse ponto de vista, parte de um espaço discursivo no qual os sujeitos do ensino (o professor, a criança e o jovem) são diferencialmente construídos como indivíduos para se auto-regularem, autodisciplinarem e refletirem sobre si mesmos como membros de uma comunidade/sociedade. “O currículo, pois, pode ser visto como uma invenção da modernidade, a qual envolve formas de conhecimento cujas funções consistem em regular e disciplinar o indivíduo”. (POPKEWITZ, 1994: 186).

Os espaços de socialização como as escolas – enquanto modelos tradicionais de intervenção – tendem a agir sobre a vida dos jovens buscando vigiar, bem como conter as suas ações e energias desordenadas. Por esse fato, Sousa e Durand (2002: 165) enfatizam que “a escola hoje está sob suspeita na medida em que o ensino está referenciado num modelo em crise”. Apoiadas em modelos dogmáticos de transmissão de conhecimento, as escolas acabam não priorizando as relações geradoras da autonomia dos sujeitos que se encontram envolvidos nesse processo.

O espaço escolar se converteu “hoje”, segundo Charlot (2001: 47) como um lugar de pouco apoio e de fracas referências positivas para os jovens, a não ser quando considerado um “meio” para obter uma profissão. Para o autor, o que os jovens põem em foco não é a desobediência cega a valores:

A ênfase recai sobre as formas de reciprocidade que se manifestam das mais diferentes maneiras: “amar e ser amado”, “dar para receber”, “respeitar para ser respeitado”, e assim por diante. Aliás, eles não se referem ao respeito de forma unilateral, mas ao respeito fundado na reciprocidade, na igualdade, e não na obediência. (op cit.: 41).

Hoje é reconhecida, na percepção de Spósito (1994: 90), “uma profunda separação entre a cultura escolar e mundo dos jovens, pois muitos são os temas que articulam a insatisfação do jovem perante a escola”. Porém, esse reconhecimento revela a crise pela qual passa a instituição escolar e, sobretudo, a educação formal que tende a homogeneizar os sujeitos, com seus parâmetros de normatização. Essa percepção exige, com isso, novas formas de articular os espaços de socialização, ou seja, “trata-se de pensar a escola como mais um dentre os espaços propícios à constituição de sujeitos que tentam compreender sua presença no mundo e buscam construir projetos em condições desafiadoras e adversas impostas pela sociedade atual” (op cit.: 90).

Para Canário (2001), a idéia de crise remete a uma situação patológica que rompe, temporariamente, um equilíbrio, portanto não é adequado para descrever a situação atual da escola. Por esse fato, julga pertinente escolher o conceito de mutação que remete a idéia de mudanças, pois considera ilusório acreditar em qualquer imobilismo da escola hoje. A escola vem sofrendo mutações que engendram contradições e os paradoxos que hoje se move.

Para superar os conflitos gerados no âmbito das instituições educativas é preciso, segundo Pais (1993:56), “reconhecer os jovens a partir de seus contextos vivenciais e, sobretudo, a partir de suas trajetórias cotidianas; pois é no curso das interações que estes constroem formas sociais de compreensão”. De certa forma, o próprio espaço escolar aparece para os jovens – embora de forma ambígua, pois ele também se revela como lugar de conflitos – como um dos poucos lugares de interação onde podem conviver com os amigos (CHARLOT, 2001: 46).

3.4.2 A socialização escolar vista sob outro ângulo

Não se pode, ao meu ver, conceber o processo de socialização na escola, simplesmente como um processo de reprodução arbitrária da cultura dominante. Pelo contrário, deve-se entende-la, acima de tudo, como um “processo complexo e sutil marcado por profundas contradições e inevitáveis resistências individuais e grupais” (GÓMEZ, 2000: 19).

Poder-se-ia dizer, que a escola “aparece” num cenário de constantes conflitos e, como em qualquer instituição social, esta é marcada por profundas contradições e confrontos de interesses:

existem espaços – no âmbito da escola – “de relativa autonomia que podem ser utilizados para desequilibrar a evidente tendência à reprodução conservadora do status quo. Assim, o processo de socialização acontece sempre através de um complicado e ativo movimento de negociação em que as reações e resistências de professores/as e alunos/as como indivíduos ou como grupos podem chegar a provocar a recusa e ineficiência das tendências reprodutoras da instituição escolar” (GÓMEZ, 2000: 19).

Ainda na acepção de Gómez (op cit: 21-22), pode-se argumentar que apesar da observação sociológica acerca do caráter reprodutor da instituição escolar, a relativa autonomia da ação na escola não provém exclusivamente das contradições, mas do próprio processo de reprodução da cultura dominante. Assim, o caráter educativo da escola ultrapassa a mera reprodução e – imersa na tensão dialética entre reprodução e mudança – oferece uma contribuição específica: “utilizar o conhecimento, social e historicamente construído, como ferramenta de análise para compreender, para além das aparências superficiais do status quo real. O verdadeiro sentido das influências da socialização”. Neste

sentido, a escola – na sua função educativa – poderá oferecer espaços de relativa autonomia “mediante a atenção e o respeito pela diversidade”.

A escola deve ser compreendida, ainda segundo Gómez (2001:12), “como um cruzamento de culturas que provocam tensões, aberturas, restrições e contrates na construção de significados” que emergem, sobretudo, das interações sociais que são construídas no espaço escolar.

E é em busca desses significados que analiso, nesta parte da minha pesquisa, as trajetórias dos jovens do interior no âmbito das escolas de Saudades.