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CAPÍTULO 4 – UMA TEORIA SOBRE O DESENVOLVIMENTO DO NACIONALISMO NO

4.1. A sociedade agro-letrada

CAPÍTULO 4 – UMA TEORIA SOBRE O DESENVOLVIMENTO

da hierarquia como os dois pilares dessa forma de sociedade. O trabalho e a produtividade não são valores prezados por essa sociedade, as posições hierárquicas são os elementos de disputa. Isso se reflete nas formas de obtenção de riqueza, pois a instituição do trabalho produtivo como elementos de acumulação de bens não está ainda assentado, em seu lugar o status representa o eixo normativo.

A própria situação de improdutividade desse sistema gera o predomínio do status. Sendo as oportunidades de ganhos reduzidos com a produção, devido as limitações produtivas inerentes, a geração de riquezas usualmente acaba resultando em benefícios para os estamentos superiores. Logo, o investimento em produção acaba por desaguar em benefício alheio, mas a luta por acesso aos estamentos superiores invariavelmente redunda em benefício próprio.

O caráter hierárquico-coercitivo é reforçado pelo atributo malthusiano dessa formação, corolário da estagnação tecnológica. Enquanto a possibilidade do aumento da produção é limitada, as possibilidades de aumento demográfico não são. Somado a isso, a valorização da prole como fator de produção pelo menos a masculina, reforça o incentivo de a população total crescer acima das possibilidades produtivas. A fome, quando vem, ataca discriminadamente, pois sendo a fonte de riqueza centralmente controlada, pelo governo, e esse formatado a partir de princípios hierárquicos, os indivíduos acabam por passar fome conforme sua posição nessa pirâmide.

Como resultado, a sociedade agro-letrada é estruturada em posições rígidas, cujos privilégios são o principal foco de disputas. O status e o poder se entremeiam em complexos padrões, que permitem a continuidade do sistema. Aquele assenta na sociedade o consentimento esse a coerção, de forma que eles atuam inexoravelmente em conjunto. A própria estruturação dessa forma social garante os meios ideológicos de manutenção do sistema hierárquico e a legitimação da coerção.

A escrita é parte essencial dessa sociedade. Ela, enquanto meio de transmissão e preservação de ideias, princípios e informações, permite o maior acesso a um maior número de pessoas a valores e práticas antes inacessíveis. Contudo, ela é uma técnica diretamente associada ao processo de formação de indivíduos: a educação. A educação, por ser um processo demorado e penoso, carece de incentivos para sua expansão além de um determinado estrato da sociedade: o estamento. Ela, além de ser uma técnica, na

sociedade agro-letrada torna-se um importante elemento simbólico das diferenciações sociais.

O costume representa uma forte distinção entre as formas culturais desenvolvidas nessa sociedade. O costume tomado como ação reproduzida sem nova racionalização, ou seja, sem nova conclusão reproduzida de sentenças conhecidas, é elemento chave da cultura viva; ela se desenvolve “na prática”. Ela é em si mais fluída, pois, apesar de representar estilos de vida, o elemento que baliza determinadas formas de reprodução de atividades e formas de pensamento, ela não está codificada ou mesmo formalizada em determinados moldes rígidos. A cultura formal, por sua vez, é baseada amplamente na escrita, e essa é menos fluída, pois possui normas gerais estáveis no decorrer do tempo. Em uma breve analogia, podemos afirmar que a cultura formal lida com a sintaxe e a semântica da linguagem, enquanto a cultura viva se reproduz pela pragmática, ou seja, o primeiro se relaciona com padrões normativos, em geral específicos, enquanto a segunda por meio caracterizado essencialmente pela ocasião.

Os elementos constitutivos dessas formas na sociedade agro-letrada estão recorrentemente em conflito. A cultura formal é adjetivada como superior, pois difundida pelo ensino formal e sistemático, ela seria capaz de estabelecer valores que no decorrer do tempo se manteriam. Já a cultura informal se desenvolveria na prática, ou seja, com ela não seria possível atingir qualquer forma de valor superior, o seu campo seria o da doxa.

Dessa distinção, feita por aqueles que usufruem de alguma forma daquela configuração superior de cultura, nasce uma das distinções mais vitais do regime agro-letrado. A possibilidade de elas conviverem é reduzida, pois ou a cultura informal é obliterada, pela imposição da cultura formal, ou os membros da cultura informal lutam para adquirir características daquela. Contudo, essas duas possibilidades nunca são plenamente satisfeitas. Assim, essa distinção acaba sendo um elemento essencial na distinção social entre os estamentos dessa sociedade.

Essa diferenciação acaba por marcar os indivíduos em seus extratos respectivos da sociedade. A cultura aqui não baseia a soberania que funda o Estado-nação moderno.

Pelo contrário, ela marca posições em uma determinada configuração social, mais do que diferencia um todo social do outro. Logo, a cultura nessa forma social pouco tem a

ver com legitimação política ou com a morfologia estatal, mas com a demarcação de posições.

O status é garantido pela cultura. Ele estabelece determinadas normas de conduta, cuja reprodução constante desenvolve uma hipersensibilidade semântica específica, intragrupo, impedindo o acesso a eles, e intergrupos, garantindo o devido tratamento ao indivíduo conforme sua categoria social. Os padrões de comportamento (vestuário, regras de etiqueta, consumo) garantem que a estratificação - hierarquização hermética - seja reconhecida, e, com isso, legitimada.

O governo de uma sociedade agro-letrada não possui incentivos para iniciar processos de homogeneização, pois a diversidade por vezes lhe trazem maiores benefícios, ao impedir a formação de ampla identidade ou lealdade que constranja sua legitimidade. A cultura tem caráter disjuntivo e não conjuntivo. Contudo, um governo centralizado com uma crescente burocratização e institucionalismo religioso são características que influenciam no processo de homogeneização cultural.

Assim, o conceito de nação, se utilizado, se refere a um estrato específico da estrutura social compartilhada em determinado território. Esse estrato é o estamento superior, normalmente uma aristocracia que possui o monopólio dos instrumentos políticos e seus meios de acesso. Logo, nação não se refere a um conjunto de indivíduos estruturados em uma sociedade, cuja principal característica é o compatilhamento de uma cultura comum. Pelo contrário, o conceito de nação é, em última análise, um instrumento político.

A unidade política dessa formatação social normalmente é distinta da unidade cultural. O império, uma configuração possível da sociedade agro-letrada, é caracterizado pelo governo central, cuja unidade política não corresponde com as unidades culturais que convivem em suas fronteiras. Dessa forma, a única forma da manutenção da configuração imperial é por meios militares ou por fronteiras geográficas; frequentemente os dois meios se integram.

Por fim, a estrutura política, essencialmente hierárquica, e a diversidade cultural, estratificadora, nessa forma de sociedade não são mediadas por uma identidade comum, ou seja, por uma nacionalidade que incorpore em seu seio as diversidades culturais e de coerência a hierarquia política.

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