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Partindo do princípio de que a comunicação é um direito essencial ao ser humano (assim como o trabalho, o lazer, a moradia, a saúde e a educação), é possível afirmar que o Estado moderno deu conta de transformar a comunicação num direito restringido, acessível apenas a uma minoria privilegiada economicamente, aquela que tem a posse ou a “concessão” dos MCS (MELO,

1984).

Diversas formas de comunicação36 marcam a trajetória humana, mas é necessário indicar que

historicamente, o direito de comunicação corresponde ao passaporte da cidadania, ao instrumento que viabiliza a integração de cada indivíduo à sua comunidade. Trata-se inegavelmente de um direito de todos – saber e transmitir, ouvir e falar, conhecer e reproduzir (MELO, 1984, p. 613).

Na sociedade contemporânea, caracterizada como urbano-industrial- científica e constituída de classes sociais distintas e em constante conflito, a comunicação “assumiu uma feição de privilégio daqueles que, atuando como

depositários do saber coletivo, das experiências acumuladas, do simbolismo

36 No que se refere à imprensa: “as grandes mudanças que definiram os rumos da imprensa no mundo se deram nos séculos XVIII e XIX. Foi em 1710, na Inglaterra, que surgiu o conceito de copyright – direitos autorais. Em 1723, foi impresso o primeiro livro em quadricromia, sob a supervisão de Jacques Christophe Le Blom. A obra é Il Coloritto ou The Harmony of Colouring.Nos Estados Unidos, em 1734, uma disputa judicial levou ao estabelecimento do conceito legal de liberdade de imprensa. Os últimos anos do século XVIII assistiram à invenção da litografia e das máquinas rotativas na Alemanha. Em 1810, veio a público o primeiro protótipo de impressora com cilindro de forma plana, desenvolvido por Friedrich Koening e seu sócio, Andréas Bauer, também responsáveis pela instalação da primeira rotativa a vapor, no jornal londrino The Times. Mas, antes disso, o que deu sustentação ao mercado jornalístico foi a publicidade imprensa que se desenvolveu no século XVIII” (GONTIJO, 2004, p. 220).

agregador da vida social, tornaram-se trabalhadores cerebrais, converteram-se em intelectuais” (MELO, 1984, p. 613). Na realidade, há um processo de

dominação a partir dos MCS sobre a maioria da população.

Nesse sentido, o direito de comunicação tornou-se não apenas um privilégio de poucos, mas uma estratégia política responsável pelo controle ideológico da sociedade [...]. O cidadão contemporâneo, que atingiu a maioridade e superou a fase do aprendizado sistemático (escolarização), depende dos MCM [meios de comunicação de massa] para se manter sintonizado com o meio ambiente. E tudo que ele conhece ou deixa de conhecer é filtrado por essa instância de reprodução simbólica (MELO, 1984, p. 614).

Os homens e mulheres contemporâneos37 se beneficiam da agilidade comunicacional, via rádio, Internet, transmissões televisivas simultâneas e em tempo real via satélite, vivem a “aceleração contemporânea” que provoca

reações de

admiração ou de medo diante do inusitado e a dificuldade para entender os novos esquemas e para encontrar um novo sistema de conceitos que expressem a nova ordem em gestação.

A aceleração contemporânea não escapa a esse fato. Ela é tanto mais suscetível de ser um objeto da construção de metáforas porque, para repetir Jacques Attali, vivemos plenamente a época dos signos, após

havermos vivido o tempo dos deuses, o tempo do corpo e o tempo das máquinas. Os símbolos baralham, porque tomam o lugar das coisas verdadeiras (SANTOS, 1997, p. 15, grifos nossos).

A agilidade comunicacional, em consonância com a “aceleração contemporânea”38, permitiu a formação de “adoradores, dubitativos ou firmes,

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Vivem sob a influência da Indústria Cultural e MORIN a conceitua da seguinte forma: “... por mais diferentes que sejam os conteúdos culturais, há concentração da indústria cultural. A imprensa, o rádio, a televisão, o cinema são indústrias ultraligeiras. Ligeiras pelo aparelhamento produtor, são ultraligeiras pela mercadoria produzida: esta fica gravada sobre a folha do jornal, sobre a película cinematográfica, voa sobre as ondas e, no momento do consumo; torna-se impalpável, uma vez que esse consumo é psíquico. Entretanto, essa indústria ultraligeira está organizada segundo o modelo da indústria de maior concentração técnica e econômica. No quadro privado, alguns grandes grupos de imprensa, algumas grandes cadeias de rádio e televisão, algumas sociedades cinematográficas concentram em seu poder o aparelhamento (rotativas, estúdios) e dominaram comunicações de massa. No quadro público, é o Estado que assegura a concentração” (MORIN 2002, p. 254) 38 “A aceleração contemporânea impôs novos ritmos ao deslocamento dos corpos e ao transporte das idéias mas, também, acrescentou novos itens à história. Junto com uma nova evolução das potências e dos rendimentos, com

da velocidade” (SANTOS, 1997, p. 15). Essas abordagens permitem perceber a

constituição de uma “sociedade global” com uma integração cultural, e ao mesmo tempo, desintegrada socialmente, porém sob o controle de pequenos grupos que controlam os Meios de Comunicação de Massa, assim como os oligopólios e empresas transnacionais. Sobre o papel da imprensa no século XX,

a Europa e a América do Norte consolidaram para o mundo o conceito de jornal e revista. O hábito de consumir informação com periodicidade em um espaço gráfico familiar e com estilo direto e objetivo, diferente da literatura ficcional, foi se disseminando cada vez mais pelas diferentes classes sociais. O fato de existir um fosso separando os interesses das elites daqueles das classes menos favorecidas acabou determinando diferentes formas de narrar os fatos e, mais adiante, de diagramar os jornais voltados para cada público específico. (GONTIJO, 2004, p. 223-4)

No processo histórico de formação brasileira, os reflexos da dominação política de Portugal sobre o Brasil colônia também serviram para que a área comunicacional e a imprensa não se desenvolvesse de forma plena comparada com a Europa,

quanto mais riquezas eram encontradas aqui, mais a Coroa portuguesa e seus prepostos se preocupavam em controlar as informações sobre a colônia, impedindo inclusive que se imprimisse e editasse em solo brasileiro.

Desde 1487, se imprimia em Portugal. A tipografia chegou ao Novo Mundo em 1539 no México, produzindo o mesmo fenômeno multiplicador do conhecimento que vimos na Europa. No Brasil, só se imprimiu oficialmente com a vinda da família imperial, em 1808.

o uso de novos materiais e de novas formas de energia, o domínio mais completo do espectro eletromagnético, a expansão demográfica (a população mundial triplica entre 1650 e 1900, e triplica de novo entre 1900 – 1984), a expansão urbana e a explosão do consumo, o crescimento exponencial do número de objetos e do arsenal de palavras. Mas, sobretudo, causa próxima ou remota de tudo isso, a evolução do conhecimento, maravilha do nosso tempo que ilumina ou ensombrece todas as facetas do acontecer. A aceleração contemporânea é, por isso mesmo, um resultado também da banalização da invenção, do perecimento prematuro dos engenhos e de sua sucessão alucinante. São, na verdade, acelerações superpostas, concomitantes, as que hoje assistimos. Daí a sensação de um presente que foge. Esse efêmero não é uma criação exclusiva da velocidade, mas de outra vertigem, trazida com o império da imagem e a forma como, através da engenharia das comunicações, ao serviço da mídia, ela é engendrada, um arranjo deliberadamente destinado a impedir que se imponham a idéia de duração e a lógica de sucessão” (SANTOS, 1997, p. 16, grifos nossos).

Portanto uma defasagem de mais de trezentos anos em relação à Europa. (GONTIJO, 2004, p. 258)

A partir dessa lógica instituída de dominação que está associada a posse do poder político, do capital e dos meios de comunicação, a realidade brasileira nessa área é um exemplo relevante,

acontece que no Brasil, apesar de a Constituição proibir os monopólios e os oligopólios, ao redor de dez famílias detêm mais de

90% dos meios eletrônicos (rádio e TV) e decidem o que se deve ver e ouvir e conseqüentemente, como devem ser as coisas. Há casos em que alguns grupos detêm as TVs, as rádios e os jornais e tudo o que se vê, assiste, ou lê, vem do mesmo dono. Aqui as leis são dribladas. Os latifundiários da terra e da indústria são agora os latifundiários da mídia (GUARESCHI, 2006, p. 11, grifos nossos)

Os interesses preponderantes nas transmissões e publicações dos inúmeros meios de comunicação refletem os anseios e demandas da elite que os controla, refletem e direcionam os interesses da classe dominante sobre a ampla maioria da população. Constituiu-se uma sociedade da mídia, em que a submissão39 e o controle social a serviço do desenvolvimento capitalista são mais característicos do que a busca da emancipação, da consciência da realidade e da promoção da autonomia dos homens e mulheres frente ao contexto social em que estão inseridos.

A idéia de comunicação e transparência acompanhou a crença das Luzes no progresso social e na emancipação dos indivíduos. Essa idéia é hoje suspeita: a comunicação é vítima de um excesso de comunicação (Baudrillard). Tal excesso produziu a implosão do

39 Como exemplo, pode-se tomar o caso da televisão brasileira que é “produtora de imagens que promovem, na imaginação do telespectador, a satisfação de um conjunto reprimido de desejos, ansiedades e esperanças decorrentes da própria frustração econômica, social e cultural de um País pobre. Essa estratégia oferece dupla vantagem: de um lado, transforma-se a desordem dos sentimentos, decorrentes daquela frustração, numa ordem conveniente; de outro, processa-se uma adaptação daqueles desejos e esperanças a um padrão geral de motivações mais manipulável e programável. O efeito multiplicador da alienação da imagem televisiva encontra seu ápice na sua clara característica consumista [...] para o consumo do conteúdo da imagem que propaga, com persuasão, um estilo de vida, de objetos, de vestuário, de alimentação, algumas vezes inadequados, mas rapidamente absorvidos” (FERRARA, 1997, p. 166)

sentido, a perda do real, o reino dos simulacros. Para o filósofo italiano Gianni Vattimo, a sociedade da mídia está longe de ser uma sociedade “mais esclarecida, mais educada, mais consciente de si”. Em contrapartida, é mais complexa, quando não caótica, e “nossas esperanças de emancipação residem nesse ‘caos’ relativo’. Não há mais História, Realidade, Verdade”. (MATTELART, 1999, p. 182)

Ratificando a perspectiva apresentada por Melo (1984) e Mattelart (1999), no que se refere à discussão sobre a relevância dos MCS na sociedade contemporânea, há que se destacar em especial, a televisão, como um canal preponderante na vida das pessoas,

além de divertir ou instruir, tem outros objetivos: 1) ampliação da produção. A televisão dá continuidade ao objetivo capitalista de produção, oferecendo novas possibilidades ao capital. 2) Propaganda para produtos. A televisão exerce uma função importante no processo capitalista de valorização como veículo para a publicidade de mercadorias produzidas. 3) Ampliação do mercado e do setor de comunicação. O mercado consumidor da indústria cultural pode ser estendido a camadas da sociedade que antes dele não participavam. 4) Destruição de formas alternativas de comunicação. 5) Controle ideológico. A televisão, funcionando dentro do modo de produção existente, age como um instrumento de classe. Tende a difundir as idéias da classe dominante na formação social... (MORÁN, 1982, p. 9).

Nesse sentido, as análises de Mattelart (1999) indicam que o setor das comunicações sociais passou por mudanças que lhe permitiram um novo perfil, que está de acordo com os argumentos já discutidos, principalmente tendo em vista o processo de globalização, desregulamentação e privatização dos das redes de comunicação.

Esse processo iniciou-se com a desregulamentação, nos Estados Unidos, nos anos 70, das atividades bancárias, mas desenvolveu-se efetivamente a partir do desmantelamento, em 1984, da sociedade AT&T (American Telegraph & Telephone), o virtual monopólio privado das telecomunicações; desde então passou a adquirir, em ritmo crescente, uma dimensão planetária, atingindo os mais diversos setores de atividade econômica. A desregulamentação significa o deslocamento do centro de gravidade da sociedade, pondo-o em direção ao mercado, que passa a ser o principal fator de regulação. À

medida que se tornavam predominantes os valores da empresa e do interesse privado, sua expansão coincidindo com o recuo das forças produtivas e com a retração do serviço público e do Estado-nação- providência, a atividade comunicativa mudava a natureza e o estatuto: profissionalizou-se, irrigando numerosos campos de competência e especialidade, multiplicando as profissões. O modelo empresarial de comunicação foi promovido a tecnologia de administração das relações sociais, impondo-se como único modo “eficaz” para estabelecer o vínculo com os diversos componentes da sociedade. Essa matriz empresarial experimentada no mercado tornou-se a única referência para as estratégias de comunicação das instituições estatais, das associações humanitárias, das coletividades locais e territoriais. (MATTELART, 1999, pp. 166-7)

Essa perspectiva analítica sobre o campo comunicacional aborda de uma maneira geral algumas características da relação sociedade e indivíduo contemporâneo e a área da comunicação, este é um campo vasto e complexo, que exige um amplo estudo e que escapa aos limites desse trabalho.