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2. ENSINO DE ORTOGRAFIA: DO TRADICIONAL PARA O REFLEXIVO

2.2 Sociolinguística Educacional

Os estudos sobre a língua tomam novo rumo a partir do precursor da Sociolinguística Variacionista, Willian Labov, quando traz ao público a Teoria da Variação e Mudança, a qual considera a língua como um sistema de vários níveis integrados num todo historicamente estruturado, heterogêneo, ordenado, dotado de elementos variáveis. Por esse viés, Labov considera a língua tal como usada na vida diária pelos membros de uma comunidade, em situações reais de uso em interações comunicativas (LEHMKUHL, 2015).

A Sociolinguística dedica-se ao estudo da língua em consonância com a sociedade, permitindo analisar enunciados efetivamente produzidos, em um determinado contexto, pelos falantes de um grupo social. Assim como afirma a teoria bakhtiniana de que o homem se constitui pela linguagem, as interações comunicativas que regem a vida humana são marcadas pela história e todas as transformações por que passa a sociedade.

O desempenho escolar de crianças advindas de comunidades de menor poder econômico sempre foi motivo de preocupação daqueles engajados na educação de todos. Nesse contexto a Sociolinguística aparece fundamentada em dois princípios: o relativismo cultural e a heterogeneidade linguística inerente e sistemática (BORTONI-RICARDO, 2014).

Segundo Bortoni-Ricardo (2014), o relativismo cultural considera que nenhuma língua ou variedade de língua em uso deveria ser considerada inferior. Além disso, “a heterogeneidade inerente e ordenada, que está na raiz da Sociolinguística, postula que toda língua natural é marcada pela variação a qual não é assistemática” (BORTONI-RICARDO, 2014, p. 157).

A diversidade linguística não se restringe a determinações motivadas por origem sociocultural e geográfica. Um mesmo indivíduo pode alterar entre diferentes formas linguísticas de acordo com a variação das circunstâncias que cercam a interação verbal, incluindo-se o contexto social, propriamente dito, o assunto tratado, identidade social do interlocutor etc.

A variação linguística é inerente a toda língua natural e segundo Murrie (2004, p. 15) “é a seiva que mantém a língua viva e de que é impossível impedi-la, por mais que tente fossilizar a língua, ditando regras a serem seguidas, ela sempre surpreende com sua diversidade”. É o que se observa quando se tem a língua escrita em conversas em meio virtual, como por exemplo, comentários na rede social do Facebook. Por se tratar da língua escrita, espera-se que haja uma fidelidade com a variedade de maior prestígio da língua, estigmatizando-se manifestações que fujam do padrão esperado, como por exemplo o padrão ortográfico. A variação estilística trata justamente do fato de que o falante (aluno) precisa ter repertório linguístico para variar. No caso da ortografia, ele precisa conhecer a convenção para poder usar quando a situação comunicativa lhe exigir, não desmerecendo outras maneiras de escrever que não condizem com o padrão ortográfico.

Assim, a interação verbal existente nos meios digitais se dá de forma a contemplar os Contínuos de Monitoração uma vez que a diversidade é percebida mediante o comportamento dos falantes de uma comunidade em uma dada situação. Nesse sentido, o modo como uma pessoa se comunica por meio da língua escrita não deve ser julgado como certo ou errado, ou melhor ou pior. O que se pode observar é a diversidade linguística naturalmente presente nas línguas para facilitar a comunicação, tornando-a mais adequada e eficaz.

Segundo Lehmkuhl (2015, p. 11-12), para a compreensão dos estudos da sociolinguística e o aproveitamento de seus ensinamentos

é necessário, por exemplo, abandonar a ideia de que a língua é uma estrutura pronta, acabada, que não é suscetível a variar e a mudar. É necessário também entender que a realidade das pessoas que usam a língua – os falantes – tem uma influência muito grande na maneira como elas falam e na maneira como avaliam a língua que usam e, especialmente a língua usada pelos outros. Ainda segundo Lehmkuhl (2015, p.12), “a Sociolinguística é uma área da Linguística que estuda a relação entre a língua que falamos e a sociedade em que vivemos”. Língua e

sociedade são dois âmbitos indissociáveis em que um influencia o outro, revelando transformações, evoluções, variações, conceitos e preconceitos atrelados à sociedade.

Para Bortoni-Ricardo (2014), a Sociolinguística Educacional consiste na aplicação das pesquisas sociolinguísticas em âmbito escolar, na solução de problemas e em propostas de trabalho pedagógico. Desta forma, essa ciência possibilita um ensino reflexivo da língua mais fiel ao uso real de seus falantes, unindo teoria e prática, fundamentais para o trabalho do professor em sala de aula.

Não se trata, de fato, de não corrigir o aluno e aceitar qualquer manifestação linguística em qualquer situação. A Sociolinguística Educacional contribui para orientar o professor em um trabalho mais sensível às diferenças presentes na língua, reconhecendo a maneira de se comunicar do seu aluno como uma manifestação da sua realidade, de sua identidade, de suas características como pertencente a um grupo social.

Por esse viés, é possível aumentar o repertório linguístico do aluno a fim de que ele possa se comunicar mediante as mais variadas situações de interação verbal, percebendo a heterogeneidade e a elasticidade da língua, capaz de ser utilizada das mais variadas formas, reconhecendo sua própria cultura.

Segundo Bortoni-Ricardo (2004, p. 38) “uma pedagogia que é culturalmente sensível aos saberes dos educandos está atenta às diferenças entre a cultura que eles representam e a da escola e mostra ao professor como encontrar formas efetivas de conscientizar os educandos sobre essas diferenças.” Nesse sentido, o papel do professor é imprescindível para conduzir os alunos no processo de amadurecimento e desenvolvimento da autonomia na comunicação, mostrando-se tolerante e compreensível, respeitando as diferenças culturais presentes em todos os setores da sociedade, manifestadas pela linguagem.

Lehmkuhl (2015) afirma que o ensino de Língua Portuguesa necessita que o professor conheça basicamente os pressupostos sociolinguísticos para que ele saiba trabalhar com as noções de diversidade e variedade que proporcionam a ampliação da competência sociocomunicativa do aluno para que ele se desenvolva enquanto cidadão. Dessa forma, a Sociolinguística contribui para um ensino mais crítico, mais produtivo, menos preconceituoso, menos segregador.

Conforme Bortoni-Ricardo (2004), o Contínuo de Urbanização consiste em uma linha imaginária onde em uma das pontas estão localizados os falares rurais mais isolados; na outra ponta, estão situados os falares urbanos.

Em um dos polos do contínuo, estão as variedades rurais mais usadas pelas comunidades geograficamente mais isoladas. No polo oposto, estão as variedades urbanas que receberam maior influência dos processos de padronização da língua [...]. No espaço entre eles fica a zona rurbana. (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 52).

A Zona Rurbana é o local do contínuo onde se localizam os grupos de migrantes rurais que preservam muito de seus antecedentes culturais e que estão sob a influência urbana. O Contínuo de Urbanização é eficaz para a análise da Língua Portuguesa, pois possibilita situar qualquer falante de português por meio das regras fonológicas dos Traços Descontínuos ou Graduais que a fala apresenta. Os Traços Descontínuos são aqueles típicos do polo rural e incomum no urbano. Os Traços Graduais são aqueles comuns na fala de todos os brasileiros não só de uma determinada região ou grupo de falantes.

O Contínuo de Oralidade-Letramento situa os eventos comunicativos em dois polos: um mais relacionado à cultura de letramento, ou seja, mais diretamente relacionado à língua escrita, e no polo oposto, os eventos de oralidade. Segundo Bortoni-Ricardo (2004, p. 62), não há uma fronteira delimitada que separa os dois tipos de eventos, “as fronteiras são fluidas e há muitas sobreposições”.

O terceiro Contínuo, o de Monitoração Estilística, o qual direciona a intervenção didática proposta para a pesquisa em curso possibilita “situar desde as interações totalmente espontâneas até aquelas que são previamente planejadas e que exigem muita atenção do falante” (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 62).

Figura 1: Contínuo de Monitoração Estilística

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- monitorado + monitorado

Fonte: Extraído de Bortoni-Ricardo (2004, p. 62).

Segundo Bortoni-Ricardo (2004), a língua se manifesta por meio de eventos comunicativos que apresentam estilos monitorados, em que a atenção e o planejamento são

exigências; e estilos não-monitorados, os quais não pressupõe um mínimo de atenção à forma da língua.

Conforme a autora, “nós nos engajamos em estilos monitorados quando a situação assim exige, seja porque nosso interlocutor é poderoso ou tem ascendência sobre nós, seja porque precisamos causar boa impressão ou ainda porque o assunto requer um tratamento muito cerimonioso.” (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 63).

A Monitoração Estilística é definida por três fatores: o ambiente, o interlocutor e o tópico da conversa. Ainda segundo Bortoni-Ricardo (2004, p. 63), “o estilo poderá tornar-se mais ou menos monitorado em função do alinhamento que assumimos em relação ao tópico e ao próprio interlocutor.”

A variação estilística está diretamente relacionada à variação que indica o comportamento dos falantes em eventos que exigem graus de maior ou menor formalidade. Segundo Faraco e Zilles,

Os falantes procuram adequar seu modo de falar às circunstâncias sociais, considerando graus de maior ou menor formalidade atribuídos socialmente à situação. Também levam em conta o tipo de relação com o interlocutor (simétrica ou assimétrica, em função do poder ou da posição hierárquica de um sobre o outro e do grau de solidariedade ou intimidade que exista entre os interlocutores). E, entre outras coisas, consideram o contexto social onde a interação ocorre: na escola, diferenciando as conversas entre colegas durante o recreio das conversas entre alunos e professor na busca de solução para um problema, por exemplo. (FARACO; ZILLES, 2015, p. 21).

A variação estilística é determinada pelo grau de formalidade dos eventos comunicativos, evidenciando os objetivos de comunicação do autor/produtor. De fato, a variação estilística vai determinar de que forma a língua se manifestará, se mais ou menos formal, seja em sua modalidade escrita ou oral. Na língua escrita, a variação estilística aparece na ortografia quando se observam usos diferentes das regras que pela norma da cultura letrada não poderiam apresentar variação.

No entanto, é possível observar em diferentes textos de muitos gêneros, a variação estilística que reflete os usos da ortografia, muitas vezes, compreendidos como “erros”. Esta é uma situação que resulta em um preconceito linguístico, distinguindo quem sabe de quem não sabe português. Os “erros” ortográficos são vistos com maus olhos pela sociedade e

compreendidos como forma seletiva de quem pode ou não ser inserido em muitas atividades sociais como o mercado de trabalho.

Dessa forma, como proposta de intervenção, fizemos um estudo mais reflexivo da ortografia, apoiado no Continuo de Monitoração Estilística, para mostrar aos alunos diversas situações de uso da língua em que a monitoração se configura de formas distintas a depender do ambiente, do interlocutor e do tópico da conversa.

A próxima seção tratará da variação ortográfica, observada em muitos gêneros textuais, principalmente nos gêneros digitais em que prevalece o “internetês”. A fim de relacionar a proposta de análise linguística por meio do Contínuo de Monitoração Estilística foram mostradas aos alunos a variação ortográfica e a adequação para o desenvolvimento da competência comunicativa.

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