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Sociologia e reforma moral

No documento Sociologia da educação (páginas 37-52)

REGRAS! – Essa palavra posta no plural começa a nos dar uma in- dicação daquilo que podemos entender sociologicamente por moral. Ao viver em sociedade as pessoas precisam seguir regras, muitas re- gras. Visto por outro ângulo, para que uma sociedade reproduza suas condições de existência é preciso que seus membros abram mão de boa parte das ações que poderiam realizar seguindo seu arbítrio pes- soal, para dirigir seu fazer de acordo com determinados moldes ideais: as regras morais.

As regras morais são limites objetivos, externos ao nosso livre jul- gar individual. Não são, é certo, limites de ordem material como os muros e as grades. As regras morais são limites ideais ao nosso agir. São representações socialmente produzidas, transmitidas pela educa- ção, transformadas em hábitos, desencadeadoras de punições quando não cumpridas. Sua repetição cotidiana faz com que cheguemos a ‘esquecê-las’. O descumprimento de uma delas gera escândalo, revol- ta, indignação.

As regras morais são diferentes de outros tipos de regras presentes na sociedade em razão do incontornável ascendente que elas exercem sobre nós. Elas adquirem um caráter sagrado. Podemos modificar ou deixar de cumprir uma regra técnica de produção, uma regra de eti- queta à mesa ou uma regra de higiene pessoal. Somos impedidos, todavia, de modificar ou não cumprir uma regra moral. O incesto, por exemplo, tem a força de um tabu na maioria das organizações sociais. O homicídio é outro ato fortemente regulamentado por impedimen- tos e obrigações em toda sociedade conhecida. Deve ser observado, entretanto, que as regras morais variam de sociedade para sociedade e mudam de acordo com as diferentes épocas históricas de uma so- ciedade. O que é obrigatório para uma sociedade pode não sê-lo para uma outra.

O poder diferenciado da regra moral Durkheim denomina ‘autori- dade moral’. Trata-se de uma força particular que expressa o poder da sociedade sobre os indivíduos. São as necessidades da estrutura social impondo-se à ação dos indivíduos. O fato moral sintetiza, portanto, a regra e a autoridade. Essa síntese é designada pela palavra ‘disciplina’. Isto é, o exercício da regra moral sob a coação da autoridade moral (uma autoridade que decorre da própria sociedade criadora das regras morais) requer que contenhamos ativamente determinados impul- sos psicofísicos ou interesses egoísticos. Um sentimento de ódio, por exemplo, não será transformado em fúria assassina pelo exercício da disciplina moral que nos impõe a norma que veta matar uma pessoa.

A ação moral não se caracteriza pelos motivos individuais. Em de- terminadas circunstâncias, a ação moral pode até mesmo contrariar

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interesses pessoais. Ela também não tem por objetivo o benefício de

outro ou de outros indivíduos, como é o caso da esmola. Ela é impes- soal e desinteressada, visando à preservação e desenvolvimento da sociedade. Se determinados indivíduos não têm meios mínimos de subsistência, o ato moral residiria em contribuir para a constituição de forças coletivas que possam ter a capacidade de alterar a produção e a distribuição do produto social, de modo que o problema seja elimi- nado.

Para Durkheim as regras morais constituem-se historicamente no interior das religiões. Desde seu ponto de vista sociológico, as religi- ões são apenas representações alegóricas ou simbólicas da sociedade. Dito de outra forma, uma religião não passa da sociedade represen- tada simbolicamente. Isso conduz o autor a afirmar que do ponto de vista religioso as obrigações que os indivíduos têm para com a so- ciedade são representadas como obrigações para com uma ou várias divindades.

Em seu evoluir, as sociedades estariam gradativamente adquirin- do maior complexidade em sua divisão do trabalho social e estariam mudando cada vez mais rapidamente. Isso estaria exigindo, por sua vez, indivíduos cada vez mais autônomos e, por conseqüência, obser- vadores e reflexivos. As formas tradicionais de agir e os hábitos longa- mente adquiridos, embora não sejam excluídos da vida social, perdem terreno para a necessidade de se enfrentar situações complexas e, principalmente, situações novas, sem que com isso os indivíduos per- cam suas referências e limites e sem que com isso a sociedade fique ameaçada em sua própria estrutura.

A afirmação histórica progressiva do individualismo não nos pode levar a entendê-lo em sua acepção egoísta ou utilitária (segundo a qual um indivíduo quer e age apenas em função do que é útil para si). A evolução das sociedades estaria desenvolvendo gradativamente direitos e garantias para os indivíduos, aumentando a sua margem de autonomia no pensar e no agir.

Com uma arquitetura cada vez mais complicada, as sociedades es- tariam constituindo novas instituições, cada qual cumprindo determi- nadas funções. Dentro de cada instituição estar-se-ia desenvolvendo uma divisão do trabalho cada vez mais capilarizada, com ênfase para as funções intelectuais (engenheiros, administradores, contabilistas, nutricionistas, etc.).

Implicado no desenvolvimento do individualismo estaria o de- senvolvimento do racionalismo. Quanto mais a sociedade exige um indivíduo mais autônomo e reflexivo para atender aos reclamos de sua maior complexidade e mutabilidade, mais são necessárias as ex- plicações racionais das causas, leis e funções dos fenômenos físicos e

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sociais, pondo-se em plano secundário as religiões, as tradições e os

hábitos.

Sendo razão sinônimo de ciência (DURKHEIM, 2002a), quando elaboramos explicações das coisas de acordo com a sua racionalida- de estaremos explicando cientificamente a realidade. Para Durkheim ciência da sociedade significa produzir conhecimento com o uso de regras metodológicas. A partir da observação das coisas e sua tipifica- ção por similaridade, destacam-se suas características comuns com o uso da comparação (já que não podemos fazer experiências com os fatos sociais). Os traços gerais de um tipo de fenômeno (diferentes organizações familiares ou formas de educação) permitiriam a gene- ralização, dando-nos um conceito ou teoria da, no caso do exemplo citado, família e da educação.

As sociedades industriais modernas politicamente organizadas em Estados, ao produzirem uma complexa e cambiante divisão do traba- lho social e fazerem surgir disso um grau cada vez maior de individu- alismo, estariam também a exigir uma moral não religiosa ou laica, caracterizada pela racionalidade.

A moral em sua forma religiosa já não atenderia às necessidades sociais. As sociedades estariam a exigir uma moral laica explicitada pela sociologia. A moral religiosa não seria plenamente compatível com as necessidades de autonomia individual, refletividade e justifi- cação racional impostos pela atualidade. A religião representa as ne- cessidades da sociedade de modo alegórico, simbólico, dogmático. A adesão à moral religiosa dá-se pela fé em uma ou mais divindades e não pela explicação racional da ação.

Em todo caso, a religião não seria simplesmente descartada. Na alegoria religiosa pode-se descobrir a própria estrutura da sociedade. Suas regras morais não seriam, portanto, arbitrárias, mas exigências de comportamento regular compatíveis com a estrutura da sociedade.

A moral laica necessária às sociedades atuais deveria ser desen- volvida antes de tudo com a explicitação científica ou racional da es- trutura social representada simbolicamente pela religião. As alegorias religiosas deveriam ser racionalmente explicadas. Ou seja, reduzidas às suas funções de coesão e reprodução sociais derivadas das neces- sidades da estrutura da sociedade.

Sem negar a importância social da religião, Durkheim quer buscar dentro dela, com a aplicação das regras do método sociológico, o pon- to de partida para a codificação de uma moral não religiosa ou laica.

A moral laica é adequada à educação de indivíduos que necessi- tam socialmente de grande autonomia pessoal porque sua regra pode ser racional ou cientificamente explicada e justificada. Escapa-se da inculcação pura e simples de formas de comportamento que devem

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ser incorporadas apenas pela fé e pelo castigo. Opera-se no campo do

traço diferencial da moral laica que é a inteligência da regra moral. As regras morais devem ser acatadas com a consciência da sua funciona- lidade social.

Durkheim está ciente de que a sociologia de seu tempo vive os pri- mórdios e ainda se encontra pouco desenvolvida. Todavia, a constitui- ção da moral laica deveria ser enfrentada como uma tarefa de notável importância política.

Escrevendo suas teses no fim do século XIX e início do XX, esse pensador social via as sociedades passando por modificações acelera- das que já duravam pelo menos um século. As estruturas das socieda- des estavam-se transformando sob o impacto da industrialização, da constituição das democracias, do desenvolvimento das ciências e das artes, da consolidação dos Estados nacionais.

Naquele momento de transição, a moral antiga de recorte religioso já não mais atendia às exigências da sociedade e uma nova moral, mais conforme com a nova estrutura social, ainda não se tinha constituído e estabilizado. Isso ficava evidenciado pelos conflitos sociais, pela freqü- ência do pessimismo e pelas taxas mais elevadas de suicídio.

Sem ter como regular a própria vida e as relações sociais que per- sonificam por meio de regras morais claramente fixadas, os indivíduos sofreriam com a angústia produzida pela ausência de limites. Somos seres finitos, diz Durkheim, e só as referências imperativas da discipli- na moral nos tranqüilizam. Sem referências ou limites morais somos dominados pelas nossas sensações e impulsos; reduzimo-nos aos li- mites estreitos de um egoísmo que nos empobrece pessoalmente e nos tornamos incapazes de desenvolver uma atividade socialmente necessária específica ou algum projeto que dê sentido à nossa vida. ‘Soltos no ar’, sofremos a angústia do infinito, da falta de limites, do nada. Queremos muitas coisas mas nada nos satisfaz. O consumismo atual ilustraria com clareza a afirmação durkheimiana.

Ciente de que o tempo de maturação do conhecimento científico não pode subordinar-se aos ditames de urgências de ordem prática, Durkheim resolve a questão da necessidade premente da implemen- tação de uma moral não religiosa ou laica através de uma operação pedagógica fundada particularmente nas escolas públicas. Essas “de-

vem ser uma engrenagem reguladora da educação nacional” (2001,

p. 17).

Os resultados da investigação sociológica, na medida em que fo- rem sendo produzidos, devem informar o desenvolvimento da educa- ção moral laica. Na escola, essa educação moral não se deve restringir a determinados horários de aula ou ocasiões especiais. Ela deve ser construída permanentemente através da palavra e da ação cotidiana

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dos professores. É um processo lento, que se ramifica inclusive às

ações de menor importância e evidência. Seu resultado deve deixar nas crianças como traço profundo e durável o “gosto da medida, esta

moderação dos desejos que é a condição necessária de sua felicidade e de sua saúde”(13).

A educação moral realizada na escola deve romper os limites da educação familiar, voltada particularmente para as relações privadas, e infletir para o preparo da criança para a sua participação na sociedade política em geral e no Estado em particular(14).

Para Durkheim, participamos de múltiplos grupos sociais. Os mais importantes são a família, o Estado e a humanidade.

Quanto mais a sociedade evolui para afirmar o individualismo ra- cionalista, mais as diferenças locais perdem importância e mais ganha terreno a consideração dos homens como indivíduos que constroem historicamente uma ‘natureza’ humana comum. Ou seja, a humani- dade passa a ser o grupo social a partir do qual e para o qual a moral laica deve ser elaborada.

Entretanto, a humanidade não é e não teria perspectivas de ser no futuro pensável um grupo organizado único. O grupo organizado mais desenvolvido e adequado para ultrapassar os limites locais, étnicos, religiosos, etc., é o Estado. Assim, já que não podemos nos organizar em ‘humanidade’, a educação moral laica deve ser posta em prática para, no âmbito do Estado, realizar os valores gerais da humanidade.

Os particularismos nacionalistas devem ser minimizados ou pos- tos de lado, pois são justificadores de guerras entre sociedades di- ferentes e retrocessos no desenvolvimento de indivíduos racionais e autônomos.

No âmbito de cada Estado a educação moral laica deve apontar para o desenvolvimento da indústria, da ciência e das artes, na supo- sição de que para sociedades pacíficas e cosmopolitas a reprodução das condições de existência depende de indivíduos cada vez mais au- tônomos nas suas práticas morais.

A ciência da sociedade, partindo da observação dos fatos morais, dá, por meio de sua elaboração científica, a legitimação das regras e da autoridade moral. Ao apresentá-las como ‘coisa’ objetiva, exterior aos indivíduos; ao fazer os indivíduos verem que a força coercitiva da moral deriva de necessidades estruturais (mas historicamente deter- minadas) da sociedade, a sociologia justifica-as ao evidenciar-lhes as causas, as leis e a funcionalidade.

Seria a ‘educação pelas coisas’ estendendo-se do mundo físico ao mundo social.

(13) Ibid., p.79.

(14) DURKHEIM apresenta uma noção estrita do Estado como cérebro da so-

ciedade (2002b) e uma noção ampla que o identifica com a sociedade políti- ca ou conjunto da sociedade (2001).

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Referências Bilbiográficas

DURKHEIM, Émile. L’éducation morale. Versão eletrônica produzida por Jean-Marie Tremblay. 2001. (Coleção Les Classiques des Sciences Sociales). Endereço de acesso: http://www.uqac.uquebec.ca/zone30/

Classiques_des_sciences_sociales/index.html.

____. Les règles de la méthode sociologique. Versão eletrônica pro- duzida por Jean-Marie Tremblay. 2002a. (Coleção Les Classiques des Sciences Sociales). Endereço de acesso: http://www.uqac.uquebec.

ca/zone30/Classiques_des_sciences_sociales/index.html

____. L´État. Versão eletrônica produzida por Jean-Marie Tremblay. 2002b. (Coleção Les Classiques des Sciences Sociales). Endereço de acesso: http://www.uqac.uquebec.ca/zone30/Classiques_des_scien-

ces_sociales/index.html.

Bibliografia Complementar

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o siste- ma totêmico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. In: CIVITA, Victor (Ed.). Comte. Durkheim. São Paulo, 1973. (Coleção Os Pensadores). ____. As regras do método sociológico. São Paulo: Companhia Edi- tora Nacional, 2001.

____. Ciência social e ação. São Paulo: Difel, 1970.

____. Educação e Sociologia. São Paulo: Melhoramentos/FENAME, 1978. ____. Evolução pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. ____. Sociologia, Educação e Moral. Porto: Rés, [1984].

____. O suicídio: estudo sociológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. RODRIGUES, José Albertino (Org.). Durkheim. São Paulo: Ática, 2004.

ATIVIDADE DA UNIDADE: Entre em contato com o professor para rece- ber as informações referentes a esta atividade.

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UNIDADE G

Sociologia e Verdade

Objetivos

Explorar o debate com os teóricos do pragmatismo desenvolvido por

Durkheim;

Discutir a concepção sociológica da verdade;

Questionar a concepção científica da verdade.

Introdução

Durkheim desenvolve uma concepção sociológica da verdade cri- ticando o pragmatismo de sua época. Todavia, ele aproveita as críticas que o pragmatismo faz ao ‘racionalismo tradicional’. Para Durkheim a verdade está no passado e no presente (‘o que foi e o que é’) mas é, ao mesmo tempo, um produto da ação dos indivíduos associados. Isso porque a verdade identificar-se-ia com as próprias representações coletivas.

Cada época e cada sociedade têm racionalidades e verdades que se compatibilizam com as necessidades da sua estrutura. Assim, a ver- dade é histórica, diferenciando-se de sociedade para sociedade.

Em linhas gerais, a verdade poderia ser classificada em dois tipos: a verdade mitológica e a verdade científica. Na nossa época a verdade tenderia a se identificar com a ciência, sem eliminar, contudo, as ver- dades mitológicas que continuam a ser criadas.

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1. Sociologia e Verdade

Durkheim faz um paralelismo entre moral e verdade. Segundo sua proposição, “a verdade é uma norma para o pensamento, assim como

o ideal moral é uma norma para a conduta” (2002b, p. 111). Em ou-

tros termos, se nós devemos agir de acordo com a síntese de regras e autoridade que caracteriza a disciplina moral, somos, por outro lado, coagidos a regular o nosso pensamento de acordo com a verdade. O autor cuja obra estamos discutindo ao longo do curso procurou de- senvolver uma concepção sociológica de verdade que nos ajuda bas- tante a entender suas formulações teóricas sobre a sociedade. Essa verdade posta em uma perspectiva sociológica foi delineada em um interessante e muito atual debate com as proposições desenvolvidas por pensadores que, à época, elaboraram uma teoria da verdade que denominariam ‘pragmática’.

Émile Durkheim torna precisa a sua teoria sociológica (e históri- ca) da verdade discutindo particularmente algumas obras de William James (1842-1910), John Dewey (1859-1952) e Ferdinand Schiller (1864-1937), embora aluda e faça uso dos trabalhos de Friedrich Niet- zsche (1844-1900) e Charles Peirce (1839-1914). Isso foi feito em um curso ministrado durante os anos de 1913 e 1914, transformado poste- riormente no livro ‘Pragmatismo e Sociologia’. Foi possível a sua publi- cação a partir da compilação de anotações de alunos feita por Armand Cuvillier.

O pragmatismo é saudado por Durkheim como uma teoria da ver- dade que apontaria os limites do racionalismo ‘tradicional’, exigindo a sua reformulação e não a sua simples supressão. Ele via no raciona- lismo não apenas uma abordagem filosófica da verdade e uma con- cepção teórica do mundo, mas o próprio fundamento da cultura fran- cesa. Defender o racionalismo passava a ser então uma questão de ‘interesse nacional’, já que o irracionalismo presente no pragmatismo ameaçaria o próprio ‘espírito francês’.

Durkheim via no pragmatismo um pertinente questionamento às simplificações do racionalismo ‘tradicional’ que perderia de vista o

“sentido da complexidade das coisas humanas” (2002b, p.12). Assim,

a crítica do pragmatismo corresponderia, ao mesmo tempo, à reformu- lação e, portanto, ao fortalecimento das posições racionalistas, parti- cularmente da sua teoria da verdade.

O racionalismo ‘tradicional’ é desenhado por Durkheim – levando em conta a crítica feita a ele pelos pragmáticos – como uma concep- ção de mundo que supõe uma racionalidade, uma ordem formal, um conjunto de leis imutáveis, objetivas e impessoais presente na profun- didade não visível de imediato no fluxo contínuo de fenômenos mutá- veis que apreendemos através da nossa experiência do ‘mundo’. Nessa perspectiva, a verdade seria identificada com o esclarecimento da ra- zão subjacente aos fenômenos e com a sua exposição em uma cópia conceitual ou teórica. A palavra ‘realidade’ não designaria senão essa

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racionalidade objetiva apresentada como a ‘essência’ dos fenômenos.

Desse modo, sob um mundo aparentemente casual e mutável estaria um outro mundo necessário e imutável, determinante do primeiro. Para Durkheim o racionalismo ‘tradicional’ separa e opõe o sujeito que conhece e a realidade que é conhecida. Essa última está dada. É fixa, imutável. Cabe ao sujeito fazer-lhe uma cópia teórica. Uma vez obtida essa cópia, ela se transforma em um dogma incontestável.

Bem diferente será a abordagem pragmática. As teorias devem ser avaliadas e isso caracterizaria o método ou ‘atitude espiritual’ pragmá- tica de acordo com suas conseqüências práticas e não de acordo com a sua maior ou menor adequação à realidade.

Seria indiferente para uma determinada concepção ter um caráter religioso ou científico, teísta ou atéia, racionalista ou empirista. A dife- rença entre uma teoria e outra estaria nas conseqüências práticas que essas poderiam trazer. Assim, uma teoria seria considerada verdadeira se as suas conseqüências fossem úteis para quem as elabora (esse ‘quem’ é identificado pelo pragmatismo com um ‘para mim’, embora o ‘para mim’ possa transformar-se em um ‘para nós’). Teorias cujas conseqüências fossem nocivas deveriam ser descartadas como falsas. Ao mesmo tempo, uma teoria poderia ser verdadeira em um senti- do pragmático dentro de uma determinada situação e falsa em outra. Uma teoria poderia ser falsa para mim e verdadeira para outro.

Esse ‘utilitarismo lógico’, como Durkheim designa o pragmatismo, vincula a verdade à ação. As teorias devem ser escolhidas em função de um interesse definido e tendo em mira um determinado objetivo a ser atingido. Nessa medida, a verdade pragmaticamente considera- da opõe-se à verdade racionalista já que visa a algo futuro, algo que ainda não existe e deve ser construído, e não à reprodução conceitual de algo passado ou presente (‘o que foi e o que é’). Dessa forma, o pragmatismo aponta para uma verdade que deve ser produzida prati- camente. Ela é adicionada ao real pela ação e aferida pelas suas con- seqüências. Não se trata do espelhamento de algo dado, de reflexo, mas da realização de algo novo.

No documento Sociologia da educação (páginas 37-52)

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