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Sociologia da Infância na Perspectiva Pós-Estruturalista (Nova Sociologia da Infância)

2.1. O PARADIGMA SOCIOLÓGICO DA INFÂNCIA

2.1.2. Sociologia da Infância na Perspectiva Pós-Estruturalista (Nova Sociologia da Infância)

A perspectiva Pós-Estruturalista da Sociologia da Infância propõe uma análise que, assim como a perspectiva estruturalista, compreende que as crianças são parte de um grupo geracional que está na relação com outros grupos geracionais (pais, avós, professores) ou de idade (irmãos, colegas, primos, vizinhos e amigos). Porém, como diferencial, defende a necessidade fundamental de perceber a posição social singular das diversas crianças em contextos particulares, como as famílias e as comunidades (Gottlieb, 2010).

Nesse sentido, essa perspectiva considera que as crianças singularizam as suas infâncias, porque, como seres ativos e singulares, buscam fazer o que desejam. Ainda que tenhamos a categoria geracional infância em uma análise macro, existem múltiplas formas de experimentar e vivenciar as infâncias com condições de classe social, gênero, religião, pertencimento étnico, dentre outras variáveis. Todo o movimento de singularização da infância pode ser observado por intermédio da ação das crianças, uma vez que a agência das crianças está constantemente em uma posição relacional com a agência dos adultos (Gottlieb, 2010).

Prout e James (1999) elaboraram eixos para a compreensão da perspectiva Pós-Estruturalista, por eles compreendida como o Novo Paradigma Sociológico da Infância. Os autores partem da premissa de que a infância é

uma construção social, um componente estrutural e específico de muitas sociedades. Para os autores, a análise comparativa e transcultural dos grupos de crianças em suas variáveis como classe, gênero ou etnia revela uma variedade de infâncias, assim como defendem o posicionamento de que as crianças são e devem ser vistas como ativas na construção e determinação de suas próprias vidas sociais, das vidas daqueles ao seu redor e das sociedades em que vivem. Dessa maneira, as relações sociais e culturais das crianças são dignas de estudo por direito próprio, independente das perspectivas e preocupações dos adultos.

Para tanto, Prout e James (1999) entendem a etnografia como uma metodologia particularmente útil para o estudo da infância, uma vez que permite que as crianças participem com uma voz mais direta na produção de dados sociológicos. Ainda, afirmam que proclamar um novo paradigma da sociologia da infância é também participar e responder ao processo de reconstrução da infância na sociedade, ou seja, a infância é um fenômeno em relação ao qual a dupla hermenêutica das ciências sociais está profundamente presente.

A dupla hermenêutica supracitada faz referência às recíprocas relações entre os cientistas sociais e os agentes humanos que são seu objeto de estudo, no processo de construção do conhecimento. “As práticas sociais são constantemente examinadas e reformuladas à luz de informações renovadas sobre estas próprias práticas, alterando assim, constitutivamente, seu caráter” (Giddens, 1986; p. 45). Portanto, se entendemos a infância e as crianças como construções sociais, elas são constituídas também pelo conhecimento que se tem delas através das diversas ciências.

Quando Prout e James (1999) afirmam o novo paradigma da sociologia da infância, eles põem em evidência o modo como as ciências humanas e sociais têm contribuído para a construção das representações, atitudes e práticas sociais relacionadas com a infância (Marchi, 2010).

Sendo assim, defende-se que são necessárias mudanças na maneira como as crianças são vistas, mesmo se dispositivos institucionais criarem

espaços para que as vozes das crianças sejam ouvidas. É indispensável o favorecimento de maior representação pública e política das crianças para superar as ideias predominantes sobre sua suposta incapacidade para contribuir de maneira útil para o debate público (Prout, 2010).

Segundo esta perspectiva, portanto, chegou o tempo para ouvir a voz da criança; mais do que isso: de escutar e validar as particularidades das crianças no plural. Esse processo pode ser definido como a emergência de ideias sobre as crianças como pessoas com seus próprios direitos e vozes em um contexto social e histórico mais amplo (Gottlieb, 2010).

No entanto, nesse cenário, é relevante entender o papel das narrativas e imagens produzidas pela mídia e a construção de uma cultura comum que ajuda a tecer a vida cotidiana, modelando comportamentos, pensamentos e ações. Se, em outros tempos, era a filosofia que contava as histórias, Rocha (2005) afirma que, na época contemporânea, são as narrativas midiáticas que têm essa função. A cultura da mídia passou a dominar o dia a dia social, as pessoas passam grande parte do seu tempo assistindo televisão, navegando na internet, escutando rádio e lendo jornais e revistas.

A emergência do consumo como uma fonte de identidade (lazer, principalmente), a pluralização dos modelos familiares, o declínio da autoridade de áreas do conhecimento especializadas, a distribuição de normas sobre os valores da democracia, entre outros, contribuem para um processo que ganhou motivação própria (Prout, 2010; p. 31).

A mídia tem alterado os processos de produção, circulação e consumo de significados. Considerando que os significados culturais são estabelecidos através de práticas sociais como a própria representação, a mídia tem sido uma das principais responsáveis pela produção das representações aceitas e compartilhadas. Esse entendimento é estendido ao universo das crianças: a cultura infantil produzida pela mídia opera acionando discursos e práticas que impactam as relações estabelecidas com e entre os grupos geracionais. Além disso, é importante considerar que os interesses midiáticos estão interligados aos econômicos, funcionando como promotores de consumo (Momo, 2007).

Dessa maneira, em consonância com a peculiaridade do trabalho do terapeuta ocupacional que atua junto a sujeitos e coletivos nas tessituras de

seu cotidiano e de seus fazeres, com grupos em contextos microssociais imersos em realidades territoriais singulares pautadas em desigualdades sociais complexas, a teoria Pós-Estruturalista da Infância é por nós defendida como a que pode melhor sustentar a argumentação para essa pesquisa. Tendo em vista que o estudo em questão buscou compreender as percepções de crianças sob condições complexas de vulnerabilidade, residentes na periferia, acerca de seu território na cidade de São Paulo, assim como conhecer as relações por elas estabelecidas com esses espaços, é necessário ter o embasamento de uma teoria que perceba e valide a posição social singular das diversas crianças em contextos particulares, considerando a multiplicidade na composição das culturas da infância.

2.2. ESTUDOS SOBRE AS CRIANÇAS NA CIDADE E O CONTROLE SOCIAL